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O problema da falta de um regime de Invalidade próprio aos regulamentos administrativos no Brasil

A Invalidade do regulamento administrativo no direito comparado entre Brasil e Portugal

4. A Invalidade do Regulamento administrativo no direito brasileiro

4.3. O problema da falta de um regime de Invalidade próprio aos regulamentos administrativos no Brasil

Ocorre atualmente com o direito brasileiro, de maneira correlata ao que ocorria no direito administrativo português antes do advento do CPA de 2015, a não autonomização do regime aplicável aos regulamentos administrativos.

Ou seja, verifica-se uma disciplina jurídica da invalidade do regulamento recortada de uma perspectiva contencioso-adjetiva.407

406

Idem

407

Por outro lado, disposições quanto a competência do poder regulamentar408 são encontradas indiscriminadamente na Constituição.

Também de maneira similar ao que ocorria no contexto português409 essa ausência de um regime específico de invalidade do regulamento no Brasil encontra uma espécie de compensação no desenvolvimento dogmático da invalidade normativa no âmbito do controle da constitucionalidade410.

No caso brasileiro, no entanto, as consequências dessa falta de sistematização se estendem em larga escala a toda a matéria de direito administrativo e toma proporções maiores se comparado ao que ocorria em Portugal antes do CPA de 2015.

Sobretudo porque no país não vige um Código de Procedimento Administrativo. O que há são diversas leis esparsas411 e uma extensa produção doutrinária que estabelecem os liames desse ramo do direito.

Assim, a interminável legislação que rege o direito administrativo brasileiro de modo fragmentado, e por vezes confuso, faz evidente a premente necessidade de uma codificação própria e consubstanciada das leis, princípios, costumes e jurisprudências de direito administrativo no ordenamento jurídico brasileiro.

Sabe-se que em Portugal o Código Administrativo de 1936412 foi um grande ―divisor de águas‖, visto que consistiu no diploma legal que dispôs sobre a estrutura e funcionamento das autarquias locais.

408

Inclusive hipótese de regulamento autônomo.

409

Ana Raquel Gonçalves MONIZ, A Recusa de Aplicação..., janeiro 2011. Pág. 530.

410

Os regulamentos no Brasil podem ser controlados pela via concentrada e abstrata de constitucionalidade. Desde que na modalidade de regulamentos autônomos. Os regulamentos executivos ou complementares, porém, subordinam-se apenas ao controle difuso ou concreto, posto que se trata de questão de legalidade e não de constitucionalidade.

411

A nível federal, alguns exemplos dessas leis são: Decreto-Lei nº 200 de 1967, que trata da Organização Administrativa; Lei nº 8.112 de 1990, que trata dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais. É o Regime jurídico dos servidores públicos; Lei n° 8.457 de 1992, que trata da Justiça Militar da União; Lei Complementar n° 73 de 1992, que trata da Advocacia-Geral da União (AGU)ç Lei n° 8.625 de 1993, a Lei Orgânica do Ministério Público; Lei nº 8.666 de 1993, que trata das licitações; Lei nº 9.897 de 1995, que trata dos serviços públicos; Lei n° 9.266 de 1996, que trata da organização da Polícia Federal; Lei nº 9.784 de 1999, que trata do processo administrativo. José dos Santos CARVALHO FILHO. Manual de direito administrativo. São Paulo: Gen-Atlas.

No Brasil atualmente a doutrina ainda é dividida entre os que não concordam com a codificação, os que veem mais valia numa codificação parcial e os que, de outro modo, defendem a codificação total. 413

Segundo Hely Lopes Meirelles há vantagens na codificação do Direito Administrativo Brasileiro, na medida em que:

"[...] a reunião dos textos administrativos num só corpo de lei não só é perfeitamente exequível, a exemplo do que ocorre com os demais ramos do Direito, já codificados, como propiciará à Administração e aos administradores maior segurança e facilidade na observância e aplicação das normas administrativas.‖414

De qualquer modo, fato é que, conforme Raquel MONIZ, a construção jurídica da teoria da invalidade no Direito Administrativo ―é, em larga medida, tributária da

teoria do ato administrativo‖ 415

. Pois é nele que se verifica uma maior consolidação de conceitos. E não na teoria do regulamento ou mesmo na teoria do contrato administrativo.

A distinção que depreendemos ao longo da dissertação entre regulamento e ato administrativo não tem só razão para fins conceituais, mas possui implicações práticas. Nomeadamente nas questões de interpretação e integração de lacunas, de vícios e formas de invalidade, e de impugnação contenciosa.416

Quanto a primeira questão o regulamento é interpretado, e suas lacunas são integradas de acordo com as regras próprias da interpretação e integração das

412

A história da codificação do Direito Administrativo Português tem início com o Código Administrativo de 1836 e segue com o de 1842, 1878, 1886 e 1895. Aprovou-se a partir do decreto- lei nº 27.424/1936 e posteriormente foi alterado e republicado pelo decreto-lei nº 31.095/1940.

413

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39º ed. São Paulo. Malheiros Editores Ltda, 2013. in BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 16º ed. São Paulo, Malheiros Editores Ltda, 2003.

414

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo...,17ª ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2012.

415

Ana Raquel Gonçalves MONIZ, A Recusa de Aplicação..., janeiro 2011. Pág. 518.

416

Diogo Freitas do AMARAL, , Manual de Direito Administrativo, Volume II, 2ª reimpressão, Almedina, 2003 - com as devidas alterações do CPA Disponível em:

normas jurídicas. Já no caso dos atos administrativos, se aplicam regras específicas de acordo com seu regime.417

Quanto aos vícios e formas de invalidade aplicável ao regulamento se aplica o paradigma da legalidade. Já no ato administrativo, ainda que com muitas exceções, se aplica o modelo do negócio jurídico.418

No que tange a impugnação contenciosa os termos são diferentes, tanto quanto à legitimidade, aos prazos, às regras processuais, entre outros.419

Ademais, conforme Raquel MONIZ:

―O regime característico das invalidades administrativas resulta, em especial, da aplicação de critérios substanciais-teleológicos, fundamentalmente orientados em torno da essencialidade ou gravidade do vício e da consequente lesão da ordem jurídica e do interesse público [...]‖.

Sendo assim, estando o ato administrativo pautado, em regra, pela anulabilidade e o regulamento pela nulidade, os respectivos regimes de invalidades não serão e nem poderiam ser idênticos. Em virtude de estarem orientados em torno de gravidades diversas do vício e, consequentemente em lesões de níveis distintos na ordem jurídica.

A nulidade no caso dos regulamentos envolve, com base em sua própria definição, além disso, que os interesses da tutela da legalidade e da proteção dos direitos dos particulares estejam de acordo com os interesses de continuidade da ação administrativa e da estabilidade na aplicação do direito.420

Já no caso da invalidade do ato administrativo, por se referir a um número determinado ou determinável de destinatários e situações, se estaria exigindo uma

417

Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, pág.165.

418

Idem

419―Para além de os regulamentos poderem ser considerados ilegais em quaisquer tribunais,

ao contrário do que sucede com o ato administrativo (que, salvo nos casos de nulidade - que pode ser conhecida por qualquer autoridade -, apenas pode ser declarado nulo ou anulado pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos competentes para a anulação administrativa).‖ Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, pág.165.

420

sanção de invalidade que salvaguardasse a confiança desse ou desses destinatários.421

Nesse viés, apesar de ambos consistirem em comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de um poder público de autoridade422. E possuírem, em decorrência disso, aproximações a nível processual423. A importância pratica dessa distinção entre eles é ainda maior.

O que se defende, neste ponto, por conseguinte, é a atribuição de um papel de destaque ao regulamento administrativo no ordenamento jurídico brasileiro.

Conjuntamente com uma disciplina procedimental que autonomize seu respectivo regime do regime aplicável ao ato administrativo. Idealmente numa Codificação que venha para consagrar direitos e garantias dos cidadãos e atenuar as confusões provocadas pelas inúmeras leis administrativas vigentes no país.

Ademais, se sustenta que no que tange ao procedimento regulamentar, deverá ser consagrada e esclarecida a tônica conferida a disciplina dos regulamentos independentes. Porquanto passível de afetar ―posições jurídicas substantivas dos

cidadãos‖424.

E, sobretudo, deve-se ter em conta que a consagração de um procedimento regulamentar não se resume as delineações quanto a emissão do regulamento e sua tramitação.425 Mas da mesma forma abarca as delimitações quanto ao exercício do poder regulamentar bem como a disciplina da revogação, da modificação e da invalidade dos regulamentos.

421 ―A nulidade apareceu ainda alicerçada em razões de ordem contenciosa, atenta a

necessidade de defesa dos cidadãos contra as normas que os afectassem, protecção que poderia ser posta em causa se se propugnasse a adopção de uma consequência diversa para a invalidade normativa.‖ Ana Raquel Gonçalves MONIZ, A Recusa de Aplicação..., janeiro 2011. Págs. 526-527.

422

Diogo Freitas do AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, pág.163.

423

Ana Raquel Gonçalves MONIZ, Estudos sobre os... Coimbra, 2016, pág. 48.

424

A exemplo dos planos urbanísticos em Portugal. Ver Ana Raquel Gonçalves MONIZ,

Estudos sobre os... Coimbra, 2016, pág. 20. 425

Com a respectivas determinações quanto aos seus efeitos, prazos e especificidades.426

5. Breves comentários à impugnação da invalidade dos regulamentos no