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3. ANÁLISE DOS PORTAIS SELECIONADOS

3.8 ONDE ESTÁ A ‘FALHA’?

O material coletado foi sintetizado, resultando no seguinte gráfico final, que demonstra que os portais oficiais pesquisados têm um funcionamento satisfatório no que diz respeito à navegabilidade, conteúdo informacional e prestação de serviços, mas que fica muito aquém do desejado e do possível quando se trata de controle público e participação popular.

Aspecto analisado Executivo (média) Legislativo (média)

Navegabilidade 1,4 0,8

Informações institucionais 1,4 1,5

Serviços 1,2 0,6

Controle público 0,3 0,6

Observa-se que todos os portais públicos pesquisados têm se apropriado da Internet especialmente com vista à divulgação de dados institucionais e à prestação de serviços, ficando o controle público e a participação popular num segundo plano.

No que tange às informações governamentais, ainda que se verifique a presença de grande parte dos quesitos, elas poderiam ser aprimoradas, dando maior ênfase às ações governamentais a serem tomadas, criando espaço exclusivo para isso e com fácil acesso. Chama atenção principalmente a análise sobre os Poderes Legislativos, que em tese representam o povo e que, por isso, deveriam ampliar principalmente o quesito participação. São justamente estes portais que apresentam maior dificuldade para o item navegabilidade. Também, na comparação, o item serviço do Poder Legislativo está bem abaixo do Poder Executivo. Isso pode ser explicado pela gama de serviços que o Executivo pode oferecer, como pagamentos de tributos, imposto de renda, etc. No entanto, o Poder Legislativo poderia criar uma gama de outros serviços, como acesso a todas as leis aprovadas e em tramitação, acesso e informações a direitos adquiridos através da legislação, etc.

Quanto à questão Controle Público, deveria ser mais completo, para permitir ao cidadão o acompanhamento das coisas dos Estados e seus Poderes. Embora algumas informações estejam disponíveis, há pouco conteúdo. Mesmo quando encontramos informações sobre as finanças, por exemplo, não encontramos explicações que facilitem o entendimento do cidadão comum.

Quanto à possibilidade de participação popular e à interatividade, a situação em todos os portais pesquisados é decepcionante. A possibilidade de participação do cidadão de deliberar sobre as questões do Estado, através de votação eletrônica, não existe. Quando existe qualquer possibilidade mínima de se emitirem opiniões é mal divulgada e de difícil localização. As diferenças entre os portais, tanto do Legislativo como Executivo, no que se refere à possibilidade de participação popular e aprimoramento da democracia, são inexpressivas. Os portais do Governo Federal e do Estado de São Paulo atendem maior número dos quesitos pesquisados, assim como o da Assembléia Legislativa de São Paulo. Já o portal do Rio de Janeiro, tanto Executivo como Assembléia Legislativa são os mais falhos. Todos os portais pesquisados falham no campo Controle Público, uma vez que o conjunto desses quesitos é prioritariamente informativo, não prevendo a coleta de contribuições da cidadania. Isso comprova nossa visão de que a Internet vem sendo usada pelos Poderes Públicos, no tocante à comunicação, como simulacro dos meios tradicionais. Melhora a eficiência governamental e aprimora a comunicação em mão única partindo do Estado para a sociedade, sem nenhum experimento de transformações que apontem também o sentido inverso: cidadão – Estado, aproveitando a capacidade de interatividade do veículo. Observa-se aqui que o cidadão é tratado como contribuinte, já que o exercício da cidadania não é posto em prática.

Cruzando as avaliações com as exigências de cada um dos modelos de democracia estudados, verifica-se que os requisitos do modelo liberal são os mais prontamente atendidos. Todos os Executivos e Legislativos pesquisados esforçam-se por mostrar vastas informações acerca dos negócios públicos, ferramentas de acesso aos governantes, prestação de contas e serviços públicos e demonstrar transparência na gestão. Os grandes volumes de informações que são publicados referem-se a fatos consumados. Nenhum dos portais apresentou de maneira satisfatória informações sobre questões que ainda seriam decididas, nem espaços adequados para a intervenção popular e a elaboração de demandas públicas.

Dessa forma, como em nenhum dos portais há espaços que viabilizem a discussão e o debate acerca das questões ainda não definidas pelos governos, as exigências dos modelos participativo e deliberativo ficam comprometidas. Não há possibilidade de debate e discussão da pré-legislação e, portanto, o cidadão está privado de contribuir, por via eletrônica, para o processo de construção das políticas públicas e tampouco amadurecem, por meio do debate, seus pontos de vistas e opiniões. O mesmo ocorre em relação aos espaços de votação on line e de constituição da agenda decisória. Não se verifica porosidade alguma às contribuições dos

cidadãos. O que existe, geralmente, é um convite à participação presencial e por meios tradicionais: via conferências, fóruns, conselhos e ouvidorias.

É interessante perceber ainda a ausência de sistema de votação eletrônica para sondagem de opinião e sistema de votação eletrônica para desfecho deliberativo. Havendo qualquer um destes instrumentos poderíamos alimentar certa esperança no interesse de diálogo com os cidadãos. Para o Poder Legislativo, principalmente, seria a oportunidade de auscultar a opinião de seus representados, mesmo que não tomasse esta sondagem como decisória, mas como balizamento para as decisões oficiais. Porém, nem isso existe. Em todas as Casas de Lei não se encontra a constituição de agenda decisória. Só no portal da Câmara Federal e da Assembléia do Rio de Janeiro existem espaços para denúncias. A Câmara dos deputados traz algumas informações sobre espaços onde é possível a participação popular no governo. A Assembléia do Rio de Janeiro ignora esta possibilidade enquanto que a de São Paulo traz informações tímidas neste sentido. A Alerj não oferece a possibilidade de o cidadão manter contato com seus representantes ou com a instituição que o representa.

Outra ausência sentida, principalmente tratando-se do legislativo, é delivery imediato de informações, com atendimento on line instantâneo. Se houvesse este tipo de serviço, o cidadão poderia acompanhar a agenda e os fatos que estariam ocorrendo na Casa dos seus representantes, assim como esclarecendo suas dúvidas e, enfim, obtendo no ato uma série de informações que lhe fossem convenientes. A interatividade proporcionada pelo veículo é desprezada pelos agentes públicos. Portanto, concluímos que a comunicação pública on line é falha quando se pensa em termos de aprimoramento democrático. Tão falha que faz concluir não seja este um de seus objetivos, embora todos os discursos políticos apontem para a importância de um aprimoramento democrático através das novas tecnologias de informação e é grande o número de ‘ciberufanistas’ que apregoam até a democracia digital como uma conquista para o futuro. Podemos salientar a importância destas novas tecnologias em sua potencialidade de arquivar informações, de rapidez na divulgação de notícias, na prestação de serviços, principalmente por parte do Poder Executivo, na comodidade para os usuários efetuarem pagamentos, emissão de boletos, etc. Tudo isso, porém, nada tem a ver com o aprimoramento do sistema democrático. Mesmo a ampla divulgação dos fatos já ocorridos, nada mais é que complementação dos tradicionais meios de comunicação. A Internet, a comunicação pública on line constitui-se, na verdade, num simulacro das mídias tradicionais, com nova linguagem sim, porém, com velhas práticas. Os privilegiados, que já desfrutam de outros sistemas de informações, ganham mais um potente instrumento de informações e

nenhum. A questão é que falta vontade política para aperfeiçoar pelo menos o que está aí, à disposição. Sem a intervenção do Estado, sem esta vontade política a comunicação pública on

line, por si só, em nada poderá contribuir para o aperfeiçoamento da democracia e incentivo à participação popular nas questões públicas.

O mínimo desejável na comunicação pública on line é que o Estado, além de disponibilizar informações isentas, oferecesse conteúdo mais extenso aos cidadãos como todos os processos, arquivos e bancos de dados relativos às decisões que afetam a coisa pública, além de usar as novas tecnologias para provocar debates, sondagens de opiniões, fóruns de discussão, enfim, meios para uma efetiva participação popular. Também seria oportuno que todos os atos do governo estivessem abertos ao olhar do cidadão através da rede, possibilitando um olhar público para as coisas do Estado. Esta transparência contribuiria para a formação do cidadão e, consequentemente, a possibilidade de aumento da participação política nas sociedades democráticas. Assim, a comunicação pública on line teria uma função social bem mais relevante do que a simples produção de informações destinadas a provocar, unidirecionalmente, opinião pública favorável.

O Estado brasileiro já dispõe de condições de produzir informações políticas qualificadas e extensas, uma vez que conta com um público interessado, tendo em vista conclusões das pesquisas do Ibope/NetRatings que afirmam ser grande a procura dos internautas pelos portais governamentais no Brasil.

Diante destas constatações, resta-nos entender o que impede que um veículo, com tanta potencialidade para ser instrumento de aperfeiçoamento democrático, não venha sendo aproveitado nesta sua capacidade. Antes de uma reflexão mais aprofundada usamos argumentação da Raoul Vaneigem:

O projeto cibernético afirma já estar suficientemente desenvolvido para ser capaz de resolver o conjunto dos problemas surgidos pela aparição de uma nova técnica. Nada é menos seguro, por várias razões: A organização tecnocrática eleva a mediação técnica a seu mais alto ponto de coerência. Sabe-se já há muito tempo que o senhor utiliza os escravos como meio de se apropriar do mundo objetivo; que o instrumento só aliena o trabalhador a partir do momento que é o senhor que o possui. Do mesmo modo no domínio do consumo, não são os bens que são intrinsecamente alienantes, mas a escolha condicionada e a ideologia que os envolvem. O instrumento na produção e a escolha condicionada no consumo tornam-se os suportes da mentira: eles são as mediações que incitam o homem produtor e o homem consumidor a agirem ilusoriamente em sua passividade real, e os transformam em seres essencialmente dependentes. As mediações controladas separam o indivíduo de si mesmo, dos seus desejos, dos seus sonhos, da sua vontade de servir; e assim as pessoas passam a acreditar na lenda segundo a qual ninguém pode ficar sem elas nem sem o poder que as governa.Quando o poder fracassa em paralisar pela coação, o faz pela sugestão: impondo a todos muletas que ele controla e é dono. O poder como soma de mediações alienantes aguarda apenas a água benta

dos cibernéticos para batizá-lo como estado de totalidade. Mas não existe poder total, existem apenas poderes totalitários. E os cibernéticos são sacerdotes tão medíocres que a organização sacralizada por eles é apenas fonte de risos. (VANEIGEM, 2002, p. 94).

O resultado do que constatamos nos portais públicos pesquisados, apontam para uma inutilidade, se pensados como instrumentos para aprimorar a democracia. As razões desta constatação estão além das aparências e têm origem na própria essência da nova mídia.

A reescritura cibercultural da civilização contemporânea apresenta-se, pois, especificamente, como reescritura sociossemiótica cibericonocrática hipertextual, um redesenho estético pragmático-utilitário internacional, de caráter estrutural, que, operacionalizando a virtualização da palavra, do som e da imagem, do dinheiro e do capital, do lazer e do prazer, e assim por diante, costura todas as dimensões da vida humana (social, econômica, política, cultural, ética, religiosa, etc) (TRIVINHO, 2007, p. 123).

Tentaremos entender nos próximos capítulos, quais circunstâncias e condições dificultam ou impossibilitam a prática do aprimoramento democrático na Cibercultura, constituindo-se, na verdade, em vetor de uma nova fase de exclusão, segundo Trivinho (2007). Pensamento também compartilhado por Bauman, que vem apontando em seus trabalhos a falência do espaço público. Outros teóricos como Boaventura de Souza Santos e Marilena Chauí também apontam nesta direção sobre o uso das novas tecnologias, indicando, entre outros desvirtuamentos, a questão da exclusão. Estes autores e outros que serão citados fazem reflexões e citam o avanço de um poder global sobre os meios de comunicação de massa, da Internet especificamente, denunciando a hegemonia do grande capital corporativo em geral e norte-americano em particular. Fatores que geram as características da cibercultura e que são deveras preocupantes, como veremos nos próximos capítulos.