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1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA COMUNICAÇÃO ON LINE

1.3 SOBRE O HIPERTEXTO

Passemos a outra característica da comunicação on line: a hipertextualidade. O termo hipertexto foi criado nos anos 60 por Theodre Nelson para definir um ‘texto-elástico’ (stretch

text), aquele que se expande e se contrai de acordo com o pedido de maiores informações. “As idéias não precisam ser separadas nunca mais” (LEÃO, 1999 p. 21).

Lévy desenvolve o conceito de hipertexto fazendo relação do termo com os universos de sentido, criado na comunicação e nas relações humanas:

tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular. (LÉVY, 1999, p. 25).

O conceito de hipertexto e rede se assemelha. Hipertexto é escrita não-seqüencial, forma de organização que estrutura e apresenta as informações de maneira que elas possam ser ‘lidas’ (consumidas ou acessadas) sem seqüência obrigatória, linear. Esta tecnologia só se dá sobre o suporte informático. A acepção do termo texto, neste caso, remete a uma das concepções da semiótica: para designar tanto algo expresso em semiótica lingüística ou não- linguística, como um ritual de dança, por exemplo.

Para Landow (on line, 2007), o termo hipertexto fala de um texto composto por blocos e links eletrônicos que fazem a junção entre estes blocos. Ele lembra que desde a Poética de Aristóteles há um modelo que prevalece nas narrativas lineares: histórias possuem início, meio e fim, isto é, abertura e fechamento. O hipertexto acaba por derrubar este conceito, pois o leitor pode começar a ler o texto a partir de qualquer ponto e deixá-lo igualmente a qualquer momento. Enquanto que na narrativa tradicional, não hipertextual, chega-se sempre a um fim: a última página do livro, o último fotograma do filme, no hipertexto, o término da leitura é o ponto que o leitor considera por acabado seu percurso na rede. O autor utiliza a terminologia que Barthes aplicava aos fragmentos de um texto para denominar os blocos de informação no hipertexto. Cada conexão leva uma lexia à outra. Link é a interligação de duas lexias.

Com relação ao termo selecionamos outra definição:

O hipertexto é um documento digital composto por diferentes blocos de informações interconectadas. Essas informações são amarradas por meio de elos associativos, os links. Os links permitem que o usuário avence em sua leitura na ordem que desejar... Através dessas estruturas interativas o leitor percorre a trama textual de forma única, pessoal. (LEÃO, 1999, p. 15-16).

Portanto, concluímos que o hipertexto é algo necessariamente ligado ao ambiente computacional e que não poderia ocorrer em sua plenitude sem o computador. Alguns autores, no entanto, falam de estrutura hipertextual, independente do ambiente computacional, para qualificar uma forma de apresentação da informação, organizada de modo não-seqüencial,

usada como opção à linearidade de alguns meios. Como exemplos poderiam ser citados os textos acadêmicos e científicos, com suas diversas remissões a outras obras, citações, bibliografias, etc., quebra a linearidade, enviando o leitor a outras obras. Ou ainda dicionários e enciclopédias. Esta divisão do texto em fragmentos, sem seqüência lógica predefinida, altera a relação do leitor com o texto. A seqüência entre os fragmentos sendo definida pelo leitor faz com que sua participação na criação do sentido do texto seja maior. Em consequência, aquele que produziu o texto perderia em parte sua capacidade de direcionar o significado. Em tese, há uma maior abertura do texto, do universo de significados, numa relação distinta daquela estabelecida com o livro ou com mídias como a televisão, em que as opções seriam escolher entre assistir a um programa ou não.

Enquanto na narrativa tradicional chega-se sempre a um fim, como a última página do livro ou o último fotograma do filme, na leitura de um hipertexto o final é o ponto que o leitor decide. Portanto, passa a haver uma possibilidade de leitura à deriva ou de alternância no foco do interesse do leitor, que pode se deslocar à medida que caminha pelos nós da rede de maneira que, às vezes, após algum tempo, ele já não se lembre de como chegou ao ponto em que está.

O texto eletrônico desliga-se da estabilidade da imprensa, dada pelas características do suporte em papel, por dois motivos em especial: o texto eletrônico pode sofrer alterações, variações, mudanças. Nenhuma versão é acabada e, também, cada leitor pode tomar o rumo que desejar ao navegar. Com isso o texto ganha uma característica mais individual. A lincagem eletrônica dos blocos embaralha as marcas que delimitam a unidade do texto, como sendo parte de um mesmo trabalho, e o leitor pode navegar por caminhos que incluem textos de outros autores, imagens, sons. Assim, o hipertexto, pela alteração da noção de abertura e fechamento, torna-se uma obra incompleta, expansível. Leão (1999) ressalta que esta característica da hipermídia incitaria um olhar topológico, sendo que um portal ou aplicativo deve ser avaliado pelas saliências que o sistema oferece e que irão definir o potencial interativo e o nível de complexidade dos sistemas hipermidiáticos. O mesmo autor fala em ‘atomização’ do texto já que passa a ser composto a partir de fragmentos que não podem depender de algo anterior ou posterior para constituir sentido, o que resulta nos múltiplos caminhos oferecidos ao leitor.

Esta ‘atomização’ leva à ‘intertextualidade’ que é o processo de incorporação de um texto em outro, ‘seja para produzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo’, segundo contextualiza Fiorin (1994). O conceito de intertextualidade, introduzido a partir das idéias de Bakhtin, é aplicado ao hipertexto pela possibilidade de se utilizarem diversas conexões com

nós externos e internos ao texto, como amplificação do processo de construção de sentido: referências cruzadas, citações de autores e obras que podem ser acrescentadas ao texto e tornarem-se mais marcadas no discurso pelas facilidades dos meios eletrônicos. Quando o computador materializa, num clique, a passagem de um texto a outro, de uma mídia a outra, de um formato a outro, ele traria a manifestação mais radical da idéia do intertexto. A partir disso, soma-se a intertextualidade às concepções de polifonia e dialogismo, segundo as estratégicas discursivas acionadas, resultando em textos polifônicos e monofônicos: textos que favoreçam o aparecimento das diversas vozes naturalmente presentes ao discurso, ou não. Portanto, as características da web favorecem a construção de textos dialógicos, com multiplicidade de vozes, pela possibilidade de a unidade discursiva ser conectada a outras, de forma praticamente ilimitada, tornando assim o traço dialógico mais exposto.

Trivinho agrega ao hipertexto o cibericone, ou seja, as representações gráficas relacionadas a funções técnicas claras e distintas que definem os desejos operacionais específicos do usuário,

Implica-se aí toda a signalética hipertextual dominante: não só figuras, desenhos e logogrifos, mas também relevos virtuais estampados por palavras e letras, grafismos e tracejados, diagramas e palhetas, setas e demais indicadores. O mosaico dessas unidades visuais (ativas ou inativas, por completo ou não), concebidas e elaboradas segundo uma perspectiva cartesiano-positivista, conforma e modula as possibilidades pragmático-utilitárias da interface do objeto infotecnológico. ... se até poucos anos atrás vigorava a lógica do hipertexto com parcos requintes icônicos, na qual o ciberícone comparecia apenas como apenso do hipertexto, hoje em dia, em função do excesso de produção e visibilidade icônicos, vige a cibericonocracia hipertextual na qual o hipertexto comparece como anexo do ciberícone... servindo de pivô para o escoamento mercadológico intensivo dos interesses industriais e comerciais do ramo informático e virtual ( e vice-versa), numa realimentação sem fim. ... é mais que um mero recurso técnico criado para otimizar a relação produtivista entre ente humano e máquina. Muito além desse aspecto funcionalista, ela é, no fundo, uma invenção histórica destinada a facilitar a assimilação de todos os elementos contemporâneos formativos da cibercultura... se presta a flexibilizar e verticalizar( o quanto possível massificar) a socialização das mentalidades e corpos no universo dos objetos, superfícies, processos, procedimentos e modelos de vivência necessários ao desdobramento civil e militar extensivo da cibercultura, bem assim à sua percepção histórica (TRIVINHO, 2007, p. 120-121).

O matemático e físico Vannevar Bush, em artigo publicado em 1945, intitulado As we

may think, questiona a forma como os seres humanos organizam o pensamento. Lévy (1993) lembra-se deste artigo ressaltando que o pensamento humano é organizado a partir de informações que não ficam armazenadas no cérebro em áreas delimitadas e estanques, compartimentalizadas, com lógica universal. Elas são reunidas por associações de idéias que

este processo mental artificialmente, mas pode-se aprender com ele. Esta mesma lógica foi usada por Theodore Nelson ao definir o hipertexto como uma estrutura multidimensional e não-sequêncial do pensamento na organização das informações. A Internet, mais especificamente a www, estaria próxima a este modelo de organização. Assim seria a web o meio de comunicação que organiza as informações de forma intuitiva, próxima à do pensamento humano. Decorre daí parte de suas inúmeras vantagens em relação aos outros meios.

Estas características associadas à rapidez do suporte informático, a interligação em rede, das informações em formato digital e da forma de organizar informações, daria condições, pelo menos teóricas, de impulsionar uma transformação do conhecimento, da cultura e do pensamento no mundo, similar à invenção da escrita e à da imprensa. Esta nova cultura, para os mais entusiastas, com o hipertexto e a informática, tornaria a cultura organizada e linearizada do alfabeto e do livro mais flexível, intuitiva e consequentemente mais democrática. Da mente tipográfica, que caracterizava a “Galáxia de Gutenber”, passou- se para a galáxia de MacLuhan. Com a cultura de massa marcada pela TV agora caminha para a cultura da virtualidade real, embalada pela comunicação essencialmente interativa, (CASTELLS, 1999).