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3 COMICIDADES CABO-VERDIANAS: UM BREVE PANORAMA DE OBRAS

3.1 O RISO DE DONA VICTÓRIA MARIA BARBOSA AVELINO MEDINA DO

3.1.1 O riso de Ondina Maria Duarte Fonseca Rodrigues Ferreira: perfil da escritora

Ondina Maria Duarte Fonseca Rodrigues Ferreira também nutre profundo apreço pela Ilha do Fogo, apesar de ter nascido a bordo de um paquete português saído de Mindelo, na Ilha de São Vicente, com destino a Lisboa. Ondina Ferreira é atualmente professora universitária aposentada e possui importante atuação política e literária39, tendo sido diretora e coordenadora de revistas e suplementos literários em jornais. Ainda exerceu o cargo de Diretora Executiva do Instituto Internacional da Língua Portuguesa entre 2001 e 2004, atuou como Ministra da Cultura e da Tutela da Comunicação Social em 1991/2001 e foi vice- presidente da Assembleia Nacional40.

Figura 1 – Escritora Ondina Ferreira

Fonte: fotografia sem identificação de autoria, Blogue do IILP, [20--].

Uma das significativas atuações da autora é junto à Liga Cabo-Verdiana dos Amigos da Língua Portuguesa, criada em outubro de 2013 em Cabo Verde e cuja carta de propostas41

é assinada por ela e por Arcádio Monteiro, Arnaldo Vasconcelos França, Gabriel Moacyr Rodrigues e Óscar António Barbosa Ribeiro. Esta atividade é um dos muitos esforços

39A autora também publica sob o pseudônimo de Camila Montrond, hipoteticamente acredito se tratar de uma alusão ao francês Armand Montrond.

40 Informações disponibilizadas pelo site do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), na parte destinada à trajetória das(os) diretoras(es) anteriores (https://goo.gl/3o2NP1).

41 Carta de propostas publicada no site do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) (https://goo.gl/N1nF3P).

empreendidos pela escritora com intuito de valorizar e estimular o uso da língua portuguesa enquanto idioma oficial nas ilhas. Dentre as várias entrevistas concedidas sob este tópico, a reportagem publicada no jornal Público42 de Portugal[,] intitulada “Entre o Crioulo e o Português” (2014), de autoria de Gisela Coelho, demonstra a preocupação de Ondina Ferreira sobre o ensino da língua portuguesa nas escolas e no espaço que o idioma está perdendo nos ambientes privados e mesmo públicos, como a escola e demais instituições.

Mas, o que tem dificultado a má aprendizagem do português nas escolas de Cabo Verde? Para Ondina Ferreira, o problema começa logo na “falta de assunção da LP como nossa língua também” dos cabo-verdianos. A este facto, junta-se “a falta de afecto e de interiorização normal”, como acontecia até há bem pouco tempo. “Há poucos anos a esta parte, tem vindo a acentuar-se este fenómeno de estranheza com a LP, entre os nacionais”. Estranheza essa que Ferreira crê “ser fruto de uma orientação – má e intencional – das políticas linguísticas que estão a suceder no país”. Na sua opinião, um dos resultados que já é visível “infelizmente”, desse desapego, “é o pouco à-vontade com que o falante cabo-verdiano escolarizado se expressa em LP”. Esse distanciamento poderá, no futuro, “criar um fosso social e intelectual (em termos de raciocínio lógico/dedutivo) entre os alunos cabo-verdianos que já levam para a escola (de casa ou, mesmo do jardim de infância) a nossa língua segunda e oficial, e aqueles a quem a escola primária e secundária não presta a atenção devida ao ensino do português e a maltratam sem que ninguém, com isso, se escandalize”, alerta. (FERREIRA; COELHO, 2014)

Neste sentido, em outra reportagem de 2015, Ondina Ferreira se coloca contrariamente ao ensino bilíngue de língua crioula e portuguesa nas salas de aula por ser a escola o único lugar, conforme propõe a autora, na qual o português é lecionado. Este cuidado na manutenção do ensino e mesmo do status do idioma junto à sociedade cabo-verdiana podem ser compreendidos como uma forma de ligação com a antiga metrópole ou pelo menos com a herança por ela deixada nas ilhas e não somente como ferramenta para comunicação com os outros países integrantes da CPLP43.

Sobre o livro Conto com Lavas, lançado em 2010, sua denominação faz alusão ao vulcão em atividade localizado na Ilha do Fogo44. É nesta ilha que todas as breves narrativas se situam geograficamente. Nessa obra também se destaca o conto “A maldição”, que apresenta a história de um vulcão que teria consumido a mesma ilha devido ao assassinato da língua portuguesa, denominada muitas vezes no texto como “a bela e mal amada língua” (FERREIRA, Ondina, 2010, p. 201), “a amada Língua portuguesa” (p. 203). O homicídio ocorrera devido à extinção do uso do idioma na ilha:

42 O texto foi originalmente publicado no jornal A Nação, de Cabo Verde.

43 Comunidade dos Países de Língua Portuguesa formada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Na perspectiva do Henrique, o Fogo então, ficara completamente órfão da língua amada! Aqui é que tinham mesmo morto, crucificado e banido a língua portuguesa! Os que falavam em determinadas situações foram quase todos, e de certa forma, «corridos» ou mandados mudar a fala, pela nova gente, os novos senhores da Ilha que, além de lhes ocupar o sobrado e as mordomias, vinham com todas as desvantagens de novos-ricos. Desejosos de vingança e ajustes de conta, nisso incluíram barbaramente a própria língua portuguesa, recordava ele ao amigo. (p. 196)

De maneira bem aproximada à perspectiva apresentada no conto “O Visto”, o grupo que assumiu o poder nas ilhas com o advento da independência é descrito como “novos- ricos”, “desejosos de vingança e ajustes de conta”, que ocuparam os sobrados e assumiram as mordomias – interessante a classificação como “mordomia”, como se somente as elites pudessem gozar destes privilégios – e também promoveram o ‘massacre’ da “amada língua”. É possível compreender esta passagem como a representação do novo regime em sua tentativa de exterminar com os símbolos da colonização e das antigas aristocracias cabo-verdianas, pois acabando com o colonialismo também se finda o poder que “os filhos da terra” exerciam; uma espécie de perseguição política que também apaga as memórias as quais, possivelmente, tanto a autora quanto as(os) personagens nutrem uma nostalgia.