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Ontologia Sistêmica e Semiótica,

Capítulo 3 LINGUAGEM VERBAL: CONJUNTO DE SISTEMAS SÍGNICOS

1.1. Ontologia Sistêmica e Semiótica,

O presente estudo visa à compreensão da semiose da escrita em geral e de algumas particularidades das mudanças pelas quais passa atualmente em contextos hipermidiáticos. A consecução deste objetivo iniciou-se tendo como base primeira a Teoria Semiótica de Charles S. Peirce (capítulo I) à qual agora acrescentaremos a aplicação de alguns conceitos da Ontologia Sistêmica, vista a partir da complexidade, conforme elaboração e síntese do professor Jorge de Albuquerque Vieira, numa construção de “bases pluri-inter e transdisciplinares que têm orientado sua trajetória rumo à meta nuclear de construção de uma epistemologia da complexidade de cunho próprio” (SANTAELLA in VIEIRA 2007: 14,15).

Esta visão sistêmica se justifica em função do caráter eminentemente sistêmico dos elementos envolvidos, isto é, o fato da linguagem verbal poder se considerada como um conjunto de sistemas e a hipermídia como um sistema ambiente, imbricados num todo complexo de inter-relações.

A Ontologia Sistêmica vista a partir da complexidade parte do pressuposto de que, como pano de fundo filosófico para as hipóteses gnosiológicas das mais diversas ciências, faz-se necessária uma “Teoria da Realidade” identificada a uma “Teoria do Ser ou dos Objetos (Ontologia)”, que segundo a Filosofia clássica, pode ser definida como “o estudo do ser enquanto ser, com independência de suas determinações particulares”, ou ainda segundo Bunge (apud VIEIRA 2008a: 22), “a ciência concernente à totalidade da realidade”.

“Embora ainda sendo um rico e potencial terreno de pesquisa, reconhecemos que há um profunda conexão entre tal forma de semiótica e a teoria geral dos sistemas... Acreditamos assim que um estudo integrando a semiótica, a teoria geral de sistemas e a ontologia clássica pode vir a esclarecer os conceitos de auto-organização e complexidade, que tem se tornado tão caros ao cenário de pesquisa contemporânea.” (VIEIRA 2008a: 53)

É nesse sentido que a Teoria Geral dos Sistemas é uma candidata a uma Ontologia Científica, que “permitiria uma maior eficiência no tratamento das ciências a partir de suas raízes ontológicas”. No entanto, a riqueza de sua abordagem reside no fato dela ser aplicável a qualquer tipo de sistema, incluindo aqueles típicos do âmbito das humanidades. Segundo Vieira:

“Podemos agora frisar um aspecto importante de nossa proposta: a visão que pretendemos apresentar é aplicável a qualquer tipo de sistema, o que inclui aqueles típicos das Ciências, aqueles típicos da Filosofia e aqueles com que lidamos no domínio das Artes. Uma Ontologia que permita, além de construções inter e transdisciplinares, o estudo de sistemas que até bem pouco tempo foram tratados como incompatíveis ou incoerentes, como pertencentes a áreas de conhecimento mesmo antagônicas, a partir da fratura por demais artificial entre ciências exatas e ciências humanas, por exemplo. O que propomos é que o conceito de sistema, em sua fundamentação ontológica, possa vir a lidar com sistemas de alta complexidade, onde Arte, Filosofia e Ciência mesclam-se, como em muitos sistemas culturais.

Adotaremos assim como linha de trabalho a discussão de definições do termo Sistema e a partir daí a discussão do que alguns autores chamam Parâmetros Sistêmicos. Tais parâmetros formam um conjunto de conceitos gerais o suficiente para a descrição e embasamento de representações de qualquer coisa, satisfazendo o ideal ontológico perseguido. O que teremos então é uma ferramenta que além de descrever bem qualquer entidade irá permitir o vislumbre, a percepção de possíveis traços ou processos associados aos sistemas, características estas que ficariam mais ocultas sem o enfoque sistêmico.” (VIEIRA 2008a: 28)

Por essas razões, já que “admitir uma realidade implica a necessidade de hipóteses sobre a mesma”, um conjunto de tais hipóteses, em consonância com a proposta de Vieira (2008a: 24), e que tem sido cada vez mais adotado, pode ser:

1) a realidade é sistêmica, como conseqüência das noções de coisa e objeto passarem a ser adotadas “como sendo relativas a sistemas” (VIEIRA, 2008a: 27), ou em outras palavras, porque todos os elementos componentes da realidade passam a ser vistos como sistemas;

2) a realidade é complexa, já que todo sistema é sistema aberto e portanto, em constante intercâmbio com outros sistemas e com o meio em que emerge e se desenvolve. Dessa forma, a complexidade está sempre presente, sem prender-se a nenhum parâmetro sistêmico específico, embora, segundo Bunge (apud VIEIRA 2008a: 41), “teríamos duas formas de complexidade, a dita ontológica, que se refere à complexidade que existe realmente nas coisas; e a semiótica, que consiste na complexidade de nossas representações das coisas”, é por isso que a

“Semiótica, a ciência geral de todos os signos e processos de comunicação, emerge neste século como uma das principais ferramentas para o estudo e conseqüente domínio sobre o problema da complexidade. Seu caráter geral e amplo, próximo ao de uma Ontologia, torna-a adequada a todas as tentativas de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Também neste século assistimos à emergência de novos paradigmas, todos eles envolvidos com a questão da complexidade e geralmente delineados contra um fundo, também genérico, do que poderíamos chamar uma proto-Teoria Geral dos Sistemas. (...) É exatamente o caráter quase-ontológico da teoria de sistemas que permite uma ponte com o domínio da Semiótica...” (VIEIRA 2007: 45,46)

3) a realidade é legaliforme; considerando que todo elemento da realidade pode ser compreendido como sistema aberto, a conseqüente troca de informação com outros sistemas, sua internalização e elaboração, passam assim a gerar “hábitos no sentido da semiótica peirceana” coerentes com “a natureza do sistema e sua história passada”, e que possuem o caráter de leis

a reger o comportamento do sistema em interações presentes e futuras (VIEIRA 2008b: 21). É neste sentido que a Teoria dos Sistemas pode-se somar às categorias fenomenológicas de Peirce, tidas como um sistema exaustivo de relações monádicas, diádicas e triádicas, sob cujo prisma qualquer fenômeno pode ser observado.

“De acordo com Hookway (1985: 80), ‘uma teoria das categorias é uma série de concepções altamente abstrata e que funciona como um sistema completo de summa genera, qualquer objeto do pensamento ou da experiência devendo pertencer a uma das categorias deste sistema.’ Ao longo dos anos, as categorias recebem muitas denominações, resultado de experimentos em muitas áreas, e suas correspondências são analisadas em diversos domínios.(...)

As categorias foram logicamente descritas como um sistema exaustivo de relações, hierarquicamente organizado em classes de relações (3-ádicas, 2- ádicas e 1-ádicas)... Esta é a fundação formal de seu modelo de semiose (‘ação do signo’) e de suas classificações sígnicas.” (QUEIROZ 2004: 272, 273)

Dessa forma, acreditamos que a aplicação dos conceitos da Teoria Geral dos Sistemas ao estudo das mudanças pelas quais passa o sistema de escrita atual nos contextos hipermidiáticos, aliada a uma análise semiótica das peculiaridades dos signos que a integram, pode lançar novas luzes para o entendimento dos processos evolutivos da escrita, de vez que “uma das vantagens da prática ontológica é que, ao lidarmos com traços muito gerais de coisas, podemos utilizar os mesmos para fazer comparações e conexões inter e transdisiciplinares” (VIEIRA 2008a: 26).

Vale ressaltar, ainda, que para Saussure (CLG 87), a língua, objeto de nosso estudo, constitui um “sistema demasiado complexo”, pelo que ela não é “completamente arbitrária”, e onde “impera uma razão relativa”. Esses conceitos de sistema e complexidade, de arbitrariedade e razão, e mesmo de signo, encontram-se em estado embrionário no Cours, e podem ser amplamente elucidados pelas teorias em que se baseia o presente estudo.

1.2. Sistemas abertos e parâmetros sistêmicos fundamentais

Sistema pode, genericamente, ser definido (cf.UYEMOV apud VIEIRA 2008a: 29) como um agregado de elementos, qualquer que seja sua natureza, entre os quais existe um conjunto de relações de forma a que eles partilhem determinadas propriedades. Ou seja, o conceito de sistema é aplicável também a todo subsistema, já que essa condição é muito mais uma questão de enfoque do que da natureza das relações envolvidas.

Segundo a ontologia sistêmica, como proposta por Bunge (apud VIEIRA 2008a: 29), a realidade é formada por sistemas abertos, conexos, em constante intercâmbio de informação com outros, segundo parâmetros sistêmicos, sendo o Ambiente o mais imediato desses (VIEIRA 2008a: 33).

“É no sistema ambiente que encontramos todo o necessário para trocas entre sistemas, desde energia até cultura, conhecimento, afetividade, tolerância, etc., estoques necessários para efetivar os processos de permanência. (...) O que é observado é que todos os sistemas parecem ser abertos em algum nível; sistemas que tendem ao isolamento e perdem o contato com o ambiente tendem à morte...” (VIEIRA 2008a: 34)

Parâmetros sistêmicos são aquelas características que ocorrem em todos os sistemas, independentemente das particularidades de cada um (VIEIRA 2008a:31). Esses parâmetros podem ser de dois tipos: Básicos (também chamados Fundamentais), e Evolutivos33. Neste estudo, nos

deteremos nos parâmetros básicos, aqueles que todo sistema possui, independente de processos evolutivos. São eles: Permanência, Ambiente e Autonomia, e os três encontram-se intimamente relacionados.

Permanência pode ser entendida como “sobrevivência” de um

sistema, como sua viabilização ou duração no tempo em razão de determinadas condições prévias (VIEIRA 2008a: 33)onde o sistema emergiu, chamadas condições de permanência.

“ ‘Todas as coisas tendem a permanecer.’ No sentido acima, as coisas ou objetos, a partir do momento em que se tornam existentes, ‘tentam’ durar, tentam permanecer.” (VIEIRA 2008a: 32)

A duração, maior ou menor, de um sistema no tempo, se dá em função de determinadas características que o adéquam ao seu Ambiente, o segundo parâmetro sistêmico fundamental, que nada mais é do que um segundo sistema envolvendo o primeiro.

“É visível também que há um meio prévio ao sistema onde essas condições [de permanência] atuam localmente. Esse também é um sistema, que envolverá e envolve o sistema em questão. Esse sistema envoltório é o chamado Ambiente.” (VIEIRA 2008a: 33)

A Autonomia, como terceiro parâmetro básico, leva em consideração

o fato de que todo sistema é aberto em algum nível, realizando trocas de algum tipo com o ambiente em que está inserido, a partir das quais o sistema internaliza informações que tendem a gerar uma espécie de “estoque” interno ao sistema que lhe garantam autonomia em relação às condições de permanência iniciais e às modificações do próprio ambiente ao longo do tempo.

“Ou seja, o conceito de sistema aberto é coerente com aquele de ambiente. Como resultado da interação entre o sistema e seu ambiente, trocas energéticas e entrópicas levam o sistema a internalizar informações, desde diversidade material e energética (...) até diversidade sígnica (...) de vários tipos. À medida que a internalização ocorre, uma espécie de ‘estoque’ é gerado no sistema. É a chamada Autonomia.” (VIEIRA 2008a: 34, grifos nossos)

Pela aplicação dos parâmetros sistêmicos fundamentais, podemos admitir que um sistema de escrita, a partir do momento em que emerge como tal em determinado ambiente, procurará manter-se no tempo através de estoques de informação auridos de seu intercâmbio com outros sistemas (entre eles o próprio ambiente) que lhe forneçam a necessária autonomia em relação às possíveis transformações pelas quais venham a passar os demais sistemas com os quais interage.

No entanto, há três capacidades dos sistemas abertos necessárias à manutenção de sua autonomia: a sensibilidade aos fluxos de informação advindos de diversas fontes, capaz de alimentar uma função memória, flexível e capaz de armazenar informações adequadamente, e, por último, a

elaboração eficiente do estoque de informações de acordo com as

necessidades do sistema. Vejamos:

“Um sistema aberto em determinado ambiente permanece no tempo se apresentar três capacidades:

- deve possuir sensibilidade, no sentido de reagir adequadamente e à tempo às variações ou diferenças que ocorrem nele mesmo ou no ambiente. Essas cadeias de eventos, geradoras de processos se manifestam para o sistema como sinais ou simplesmente fluxos de informação;

- o sistema deve ser capaz de reter parte desse fluxo, sob a forma de um colapso relacional, a partir da progressiva internalização de relações nascidas de sua atividade interna e do contato com o ambiente... O sistema passa a adquirir não só a capacidade de perceber a informação, mas também de percebê-la de uma certa maneira. Construída ao longo do tempo, essa função é na verdade uma função memória, que ganha uma grande flexibilidade na medida em que o sistema evolui para níveis mais altos de complexidade. É a partir da memória, aqui generalizada, que um sistema consegue conectar seu passado, na forma de uma história, com o presente transiente e com possíveis futuros. Os três parâmetros fundamentais da Teoria Geral de Sistemas, ou seja, Permanência, Autonomia e Meio Ambiente, manifestam-se assim com coerência.

- finalmente, o sistema deve ser capaz de elaborar este estoque de informação, na medida de suas necessidades. Uma elaboração eficiente não só em flexibilidade, mas também em temporalidade. Sistemas tendem a permanecer; como abertos, necessitam de um ambiente; para permanecer, evoluem elaborando informação a partir de uma história. Esta última é a capacidade mais nobre, típica dos sistemas cognitivos. Podemos encontrar sistemas de todos os tipos, em todos os níveis de complexidade da natureza, satisfazendo o exigido até a segunda capacidade. Já citamos aqui o conceito de função de transferência, aplicado a sistemas ditos não vivos. É a capacidade de elaboração eficiente que garante as formas mais elevadas de complexidade em nossa realidade sistêmica.” (VIEIRA 2008b: 21,22)

Ora, mais uma vez aqui, encontramos uma ponte com os conceitos peirceanos, já que essas três habilidades, ontologicamente atribuídas aos sistemas abertos, e, portanto, a qualquer componente da realidade, somente podem ser atributos de uma mente, tal qual compreendida por Peirce.

Embora não se trate aqui de postular que a linguagem verbal se consubstancie num tipo de mente, o que estaria além dos limites do presente estudo (mas que bem poderia ser feito em outra ocasião, já que Peirce comparou por diversas vezes o símbolo a um ente vivo), é preciso frisar que ela, a linguagem verbal, está em constante intercâmbio com as mentes de seus usuários, nas quais essas três habilidades operam incessantemente, o que tem conseqüências inegáveis para qualquer sistema.

1.3. Evolução da linguagem verbal

Uma das principais conseqüências das três capacidades dos sistemas abertos necessárias à manutenção de sua autonomia (sensibilidade aos fluxos de informação, função memória e elaboração eficiente) é a sua constante evolução. Dessa forma, os sistemas não se mantêm fixos ou estáticos, passando por mudanças mais ou menos perceptíveis, porém inevitáveis, no curso do tempo. Peirce, como poucos, tinha consciência dessa inexorabilidade evolutiva, sendo que, para ele, também as leis (requisito básico de todo sistema) modificam-se e evoluem, adaptando-se, transformando-se e regenerando-se em função da interação com fatores externos ao sistema. É nesse sentido que todo sistema lingüístico pode ser considerado aberto.

“Nessa medida, não apenas a vida é uma espécie de linguagem, mas também todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se comportar como sistemas vivos, ou seja, eles se reproduzem, se readaptam, se transformam e se regeneram como as coisas vivas.” (SANTAELLA 1983:14)

Além de abertos, os sistemas lingüísticos são sistemas de signos, predominantemente do tipo simbólico, em função de sua natureza conceitual:

“O que define basicamente a natureza da linguagem verbal é o seu poder conceitual, a ponto de podermos afirmar que o verbal é o reino da abstração. Isso corresponde com exatidão às características daquilo que Peirce definiu como signo simbólico, o universo da mediação das leis.” (SANTAELLA 2001: 190)

A própria essência sígnica do símbolo também é de natureza evolutiva; Peirce chega a afirmar que se trata mesmo de uma “coisa viva” (CP 2.222), por pertencer primordialmente à categoria da terceiridade, aquela da continuidade, do pensamento e da evolução (CP 6.32), e assim permanecer em contínuo estado de transformação. Por outro lado, pela lógica recursiva das categorias, a terceiridade não pode prescindir da secundidade e esta da primeiridade, fazendo com que o símbolo incorpore elementos de ambas. Dessa forma, entender esses processos evolutivos complexos depende, então, da compreensão do funcionamento semiótico dos elementos envolvidos nos diversos sistemas que compõem o todo da linguagem verbal, para a qual as classificações sígnicas de Peirce abrem possibilidades de análise sem precedentes. Jakobson nos dá a entrever esse novo cenário, com um exemplo:

“É assim que a idéia sugestiva e luminosa de Peirce, de que ‘um símbolo pode comportar um ícone ou um índice [acrescentemos, de nossa parte, ‘ou os dois ao mesmo tempo’] a ele incorporados’, propõe à ciência da linguagem tarefas novas e urgentes e abre-lhe vastas perspectivas. Os preceitos formulados por esse ‘desbravador’ da Semiótica estão repletos de conseqüências vitais para a teoria e a prática lingüísticas. Os constituintes icônico e indicial dos símbolos verbais foram muito freqüentemente subestimados ou mesmo ignorados; por sua vez, o caráter primordialmente simbólico da linguagem, e a diferença radical que, por conseguinte, a separa dos outros conjuntos de símbolos, principalmente indicativos ou icônicos, esperam igualmente encontrar seu exato lugar na metodologia lingüística moderna.” (JAKOBSON 1963: 116)

Parte dessa análise já foi feita no capítulo II, em que a palavra, considerada como o signo lingüístico por excelência, recebeu uma abordagem à parte, em função da importância com que aparece

reconfigurada em ambientes hipermidiáticos, o que será analisado com exemplos práticos no capítulo V. No entanto, não só a palavra considerada como uma unidade deve ser abordada, mas também outros signos da linguagem verbal merecem análise pormenorizada. Eles aparecem compondo as próprias palavras, substituindo-as, ou mesmo de forma independente, ajudando a compor a riqueza sígnica da linguagem verbal que se manifesta através de um conjunto de sistemas que a integram, e cujos potenciais encontram-se evidenciados nos ambientes hipermidiáticos.

2. UM CONJUNTO SISTÊMICO VERBIVOCOVISUAL

Como vimos, sistema define-se em função do conjunto de relações entre seus elementos, e de determinadas propriedades por eles partilhadas.

O conceito de sistema implica a idéia de um todo ordenado, sendo as relações entre esses elementos as responsáveis pela composição da estrutura do sistema, o que significa dizer que o caráter sistêmico só aparece na função que os elementos desempenham no interior do sistema (NÖTH apud SANTAELLA 2001: 256). Dessa forma, língua é sistema, bem como seu correspondente sistema de escrita também o é. No entanto, são sistemas diferentes, inter-relacionados no todo da linguagem verbal, como veremos melhor a seguir.

Podemos dizer que se trata de um conjunto de sistemas verbivocovisual, para utilizarmos a terminologia dos poetas concretos, já que a capacidade de representação humana se expressa através da língua, da fala e de seu correspondente sistema de escrita. Analisemos cada conceito separadamente.

A linguagem verbal, como prerrogativa humana que é, nasce de sua capacidade de representação, que ao perceber os diferentes estímulos do existente, os converte em signos a fim de designar o que o pensamento

elocubra, e que “encarnam-se” nas mais diversas línguas, que nascem, assim, como “produtos da consciência” (SANTAELLA 1983:13).

Linguagem precisa ser entendida, então, num sentido amplo, como mediação através de sistemas codificados de signos destinados à transmissão de um determinado tipo de informação. A língua, por sua vez, é essa faculdade humana de representação (ou linguagem) cristalizada num determinado código ou sistema de signos, num dado espaço histórico- temporal e associada a um determinado grupo de indivíduos, tampouco se confundindo com a fala, que é a manifestação individual e concreta da linguagem humana através de uma língua. Cada uma se insere dentro da outra, como no esquema34 a seguir:

Um sistema de escrita, por sua vez, consegue captar somente uma parte, tanto da linguagem verbal oral (fala), rica em gestos cuja significação total é intransponível para qualquer tipo de escrita, como da própria língua, que possui funções e dimensões diferentes da escrita, que, por outro lado, é capaz de exprimir idéias que a fala não exprime. Como conseqüência, temos que língua e escrita, apesar de inter-relacionadas, apresentarão características e desempenharão funções próprias no todo da linguagem verbal.

“Sistemas de escrita são sistemas que têm propriedades não encontradas na fala. No entanto não se pode negar que os sistemas de escrita são sistemas para a materialização da língua (language). Que eles são filogeneticamente

34  Esquema  elaborado  com  base  nos  esclarecimentos  do  Professor  Winfried  Nöth  sobre  a  escrita 

durante a qualificação da presente dissertação, e no esquema de BASTOS e CANDIOTTO 2007:16, que  inclui somente linguagem, língua e fala. 

mais jovens que a fala e que esta é natural e universal, enquanto a escrita é artificial e está presente em somente algumas comunidades falantes, são