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Todo signo precisa estar encarnado num existente. Sendo os legissignos leis gerais, hábitos ou convenções, nenhum deles terá, por si só, existência concreta, e, portanto, só tomarão corpo através de existentes, denominados réplicas ou sinsignos de tipo especial por Peirce.

Sendo signos em que predomina a categoria da secundidade, os sinsignos poderão ser de dois tipos quanto à relação com seu objeto dinâmico: sinsignos icônicos e sinsignos indiciais.

Em relação ao seu interpretante final, sinsignos icônicos serão sempre remáticos, enquanto os sinsignos indiciais poderão ser dicentes ou remáticos. Os três poderão funcionar como réplicas de legissignos, conformados às leis que os regerem em cada ocorrência específica (ver capítulo I).

No caso das palavras, lembrando que a tricotomia quali-sin-legissigno também foi denominada tone-token-type em algumas passagens, Peirce nos dá um exemplo claro de como um legissigno toma corpo em réplicas (sinsignos):

“Haverá, de ordinário, por volta de vinte ‘the’ em uma página, e naturalmente eles contam como vinte palavras. Em um outro sentido da palavra ‘palavra’, contudo, há somente uma palavra ‘the’ na língua inglesa; e é impossível que esta palavra estivesse visivelmente em uma página ou fosse ouvida em uma fala, pois não é ela uma coisa ou um acontecimento particular. Ela não existe; ela somente determina coisas que efetivamente existem. A uma tal Forma definitivamente significante, proponho que se denomine um Tipo [Type]. Uma acontecimento particular que acontece uma vez e cuja identidade se limita àquele acontecimento ou um objeto particular ou coisa que se encontra em um determinado lugar em algum instante do tempo, um tal acontecimento ou coisa sendo significante somente enquanto ocorre, quando e onde ocorrer, me aventurarei a denominar Ocorrência [Token]. Um caráter significante indefinido tal como o tom de uma voz não poderá ser denominado Tipo ou Ocorrência. Proponho denominar um tal Signo, Tom [Tone]. A fim de que um Tipo possa ser usado, deve ser ele corporificado em uma Ocorrência que será um signo do Tipo, e através disso do objeto que o Tipo significa. Proponho denominar tal Ocorrência de um Tipo, uma Instância do Tipo. Desse modo, pode haver vinte Instâncias do tipo ‘the’ em uma página...” (CP 4.537)

Dessa forma, a palavra será tanto legi quanto sinsigno, dependendo da instância em que for considerada. No interior do sistema da língua, ela será sempre um legissigno, uma lei que regerá as formas de seu uso e de suas combinações com os demais componentes do sistema. Mas ao ser efetivamente utilizada, ela o será através de uma réplica, que se constituirá num singular, único e concreto a cada vez que ela for pronunciada ou escrita. Peirce é bastante claro a esse respeito:

“Um legissigno é uma lei que é um Signo. Essa lei é geralmente estabelecida pelo homem. Todo signo convencional é um legissigno (porém o inverso não é verdadeiro). Ele não é um objeto singular, mas um tipo geral que, há concordância a respeito, será significante. Todo legissigno ganha significado por meio de um caso de sua aplicação, que pode ser denominado Réplica. Assim, “the” (em inglês) comumente aparecerá de 15 a 25 vezes numa página. Em todas essas ocorrências é uma e a mesma palavra, o mesmo legissigno. Cada instância singular sua é uma Réplica. A Réplica é um sinsigno. Dessa forma todo legissigno requer sinsignos. Todavia, esses não

são sinsignos ordinários, uma vez que são ocorrências peculiares, encaradas como revestidas de significação. Nem a Réplica seria revestida de significação, não fosse a lei que lhe confere significação. ” (CP 2.246)

No exemplo de um substantivo comum, numa ocorrência determinada, ele se fará acompanhar por um pronome demonstrativo, ou mesmo por um artigo definido, que funcionará como um indicador de um caso particular da lei geral.

“Tomemos, por exemplo, uma palavra, do tipo substantivo comum, qualquer substantivo comum, digamos, ‘estrela’, o objeto dessa palavra não é uma estrela que vejo, aqui e agora, neste céu ao escurecer. É claro que esta estrela, aqui e agora, pode ser referida pela palavra ‘estrela’, mas, para isso, temos de colocar um pronome demonstrativo antes da palavra ‘estrela’. É esse demonstrativo que tem o poder neste momento determinado. Sem o pronome, que funciona como indicador, a palavra ‘estrela’ não pode se referir a uma estrela particular, mas a um tipo de coisa, isto é, algo que tem um caráter tão geral quanto o da própria palavra.

Do mesmo modo, o efeito interpretativo, ou interpretante, que a palavra ‘estrela’ produz, é tão geral quanto ela mesma, ou seja, é um outro símbolo. Se alguém lhe perguntar o que é uma estrela, para responder, você terá de usar algo semelhante a um sinônimo, exatamente aquilo que encontramos no dicionário: estrela = astro celeste. O significado do símbolo é, assim, um outro símbolo. Temos aí a explicação do que é um signo relativamente genuíno. Digo relativamente porque o simples fato de o símbolo estar atualizado numa réplica em que ele, que é necessariamente abstrato e geral, materializa-se já o faz perder seu caráter de genuinidade, adquirindo certas características de degeneração, isto é, passa a ter algo de situacional, provisório, passageiro, irrepetível.” (SANTAELLA 1998: 42)

No tocante às réplicas do legissigno indicial remático, estas se constituirão em sinsignos indiciais remáticos de tipo especial, sendo que na complexa rede da semiose, o “interpretante de um legissigno indicial remático representa-o como um legissigno icônico; e isso ele o é em certa medida -

mas em medida muito reduzida” (CP 2.259). Essas relações ficarão mais claras quando analisarmos os emoticons (ver capítulo V).

A escrita considerada como subsumida à fala nada mais é do que a sua consideração no seu caráter de réplica, de sinsigno. Porém a escrita também tem uma gramática própria, suas leis e modos próprios de significar que não pertencem a fala, sendo que sua capacidade de registrar sons não é sua única função.

“Há um importante elemento de verdade no argumento de que a escrita foi inventada quando certa correlação sistemática foi estabelecida entre marcas gráficas e palavras. Mas prever a história e fazer do alfabeto um ideal teleológico, simplesmente desvaloriza essa verdade, o que é, em efeito, o que acontece quando a capacidade do sistema para indicar a pronúncia é erigido no critério para reconhecer a escrita como tal.” (HARRIS 1986: 122 apud PAULUK 2003: 45)

Algumas vezes, as nuances do sinsigno implicam diferenças de sentido, ou mesmo lingüísticas, sendo encaradas como ortografia e com conseqüências até mesmo gramaticais. No sistema de escrita, a letras podem ser grafadas de diferentes formas. Por exemplo, em português, no caso de uso de palavras estrangeiras num texto, estas devem ser grafadas em itálico. Nomes próprios devem ter a inicial maiúscula, bem como a primeira letra de uma sentença. Em alemão, todos os substantivos devem ser grafados com a inicial maiúscula, enquanto os adjetivos são grafados com inicial minúscula, o que resulta num interessante exemplo:

“... a distinção entre maiúsculas e minúsculas pode ter uma relevância grafêmica, embora esses pares correspondam, respectivamente, apenas a um grafema, pois sua troca conduz a palavras variadas, por ex., em fest (‘firme’) VS. (das) Fest ([a] ‘festa’) ou bar (‘efetivo’) vs. (die) Bar ([o] ‘bar’) na escrita alemã.” (NÖTH 2010: 19)