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A SEMIOSE DA ESCRITA E SUA RECONFIGURAÇÃO NA HIPERMÍDIA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Isabel Victoria Galleguillos Jungk

A SEMIOSE DA ESCRITA

E SUA RECONFIGURAÇÃO NA HIPERMÍDIA

Uma análise semiótico-sistêmica

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Isabel Victoria Galleguillos Jungk

A SEMIOSE DA ESCRITA

E SUA RECONFIGURAÇÃO NA HIPERMÍDIA

Uma análise semiótico-sistêmica

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, sob orientação da Profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga.

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AGRADECIMENTOS

Cada realização é um mosaico único de inspiração, superação e aprendizado, para o qual tantos contribuem de tantas formas. Esta pesquisa não poderia ser diferente. E pela felicidade de ter chegado ao fim desta jornada, agradeço sinceramente àqueles que a tornaram possível:

À professora e orientadora Lucia Santaella, com quem tanto aprendi, pelo incentivo generoso e constante. Minha profunda admiração.

À professora e orientadora Leda Tenório da Motta, pela amizade que me dedicou e pelo apoio inestimável. Minha eterna gratidão.

Ao professor Winfried Nöth, pelos textos e apontamentos fundamentais para os rumos desta pesquisa. Ao professor Fernando Andacht, pelo estímulo e sugestões valiosas durante a qualificação.

Aos professores do programa em Comunicação e Semiótica, Jorge Albuquerque Vieira, por descortinar um mundo de possibilidades epistemológicas; Ivo Assad Ibri, por compartilhar seu conhecimento em aulas inspiradoras; e Arlindo Machado, pela ajuda e compreensão durante o seminário de pesquisa. Ao professor Claudio César Montoto, por ter me mostrado o caminho para este trabalho, ainda no curso de especialização.

À minha mãe, pela presença e colaboração incondicionais. A meu pai, por praticar e me ensinar o significado da palavra resiliência.

A meu esposo e nossos filhos, pela ajuda carinhosa e paciência sempre renovadas. À minha irmã, pelos ensinamentos em conversas gratificantes.

A meus amigos e familiares, cujos nomes não cabem aqui, mas que estão gravados em meu coração, por toda a ajuda e incentivo que de mil maneiras fizeram tanta diferença.

A Deus, pois “é bom lembrar que cada uma das verdades científicas é devida à afinidade da alma humana com a alma do universo, por imperfeita que seja esta afinidade” (CP 5.47).

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“De fato, homens e palavras educam-se mutuamente; cada aumento de informação humana envolve e é envolvido por um aumento de informação das palavras.”

“Todo pensamento se dá por meio de signos; e os

ignorantes também usam signos. Mas, talvez, eles raramente pensem neles como signos. Fazê-lo é, evidentemente, um segundo passo no uso da linguagem.”

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RESUMO

Com o advento da Internet e das tecnologias hipermidiáticas de transmissão de texto, novas grafias de palavras do léxico estão se tornando usuais, como forma de adaptação da linguagem escrita aos suportes digitais e suas peculiaridades. Esta pesquisa tem como principal objetivo investigar as manifestações e as potencialidades da palavra escrita a partir dessas novas grafias caracterizadas por um grau considerável de hibridismo e complexidade.

Parte-se do pressuposto de que a análise semiótica da palavra no interior do sistema da língua e da palavra escrita reconfigurada na hipermídia, dada a natureza eminentemente híbrida que adquire, pode ser facilitada pelo uso da classificação dos signos idealizada por Charles S. Peirce, e da distinção apontada entre a palavra como lei geral e a sua efetiva aplicação.

Visando ao exame teórico do contexto em que as mudanças têm ocorrido, adotamos um enfoque sistêmico, tanto do sistema de escrita quanto da hipermídia, segundo a Teoria Geral dos Sistemas, como elaborada por Jorge A. Vieira. Questões concernentes aos desafios que esse novo tipo de escrita representa para a escrita convencional são levantadas por meio de bibliografia especializada sobre a linguagem verbal na hipermídia, auxiliar na contextualização lingüística do problema.

O corpus constitui-se de exemplos práticos das transmutações da natureza semiótica da escrita e das novas grafias. A análise do corpus é feita por meio da aplicação dos conceitos semióticos, especialmente aqueles extraídos da teoria e classificação dos signos operacionalizados em função das necessidades que o objeto da pesquisa impõe.

Espera-se que os resultados da pesquisa nos levem a uma compreensão criticamente fundada dos processos evolutivos da escrita.

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ABSTRACT

With the advent of Internet and hypermedia technologies for text transmission, new spellings of words of the lexicon are becoming common as a form of adaptation of written language to digital media and its peculiarities. The main target of the present research is to investigate the manifestations and potentials of the written word in these new spelling characterized by a considerable degree of hybridism and complexity.

The starting point is the assumption that the semiotic analysis of the word within the language system and of the written word reconfigured in hypermedia, given its eminently hybrid features, can be facilitated by using the classification of signs devised by Charles S. Peirce and by the distinction drawn between the word as a general law and its effective application.

Aiming to examine the theoretical context in which changes have occurred, a systemic approach to the writing system as well as to hypermedia is adopted, according to the general systems theory as developed by Jorge A. Vieira.

Questions concerning the challenges posed by this new kind of writing to conventional writing are raised through specialized bibliography on verbal language at hypermedia, auxiliary of the problem contextualization.

The corpus consists of practical examples of the transmutations of the semiotic nature of writing and of new spellings. Corpus analysis is done by means of semiotic concepts appropriately operationalized to the needs required by the research object.

It is expected that the research results will lead to a critically founded understanding of evolutionary processes of writing.

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ABREVIATURAS UTILIZADAS

CP Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Hartshorne, C.; Weiss, P. (Eds.) V. I-IV; BURKS, W. (ed) v. VII-VIII. Cambridge: Harward University Press. A forma usual de citação dos Collected Papers é CP, seguido do número do volume, ponto e o número do parágrafo.

SS Semiotic and Significs. The correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Ed. Charles S. Hardwick. (1977) Indiana university Press.

MS The Charles S. Peirce Papers. Peirce Edition Project, cf. Annotated Catalogue of the Papers of Charles S. Peirce, Richard Robin, Amherst: university of Massachussets Press, 1967.

W Writings of Charles S. Peirce, vols. 1 a 6. Edição cronológica. Peirce Edition Project. Blomington: Indiana University Press, 1980-2000.

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SUMÁRIO

RESUMO, 8

ABSTRACT,9

ABREVIATURAS, 10

INTRODUÇÃO, 14

Capítulo 1 - TEORIA PEIRCEANA

1. AS CATEGORIAS E A TEORIA GERAL DOS SIGNOS ... 18 1.1. Primeiridade, 22

1.2. Secundidade, 24 1.3. Terceiridade, 24

1.4. Interdependência entre as categorias, 26

2. O CONCEITO DE SIGNO ... 27

2.1. Representamen, 29

2.2. Objeto do signo, 30

2.3. Interpretante, 31

3. CLASSIFICAÇÃO DOS SIGNOS ... 34

3.1. As três tricotomias, 34

1ª. tricotomia: o signo em relação a si mesmo, 35 2ª. tricotomia: a relação signo-objeto dinâmico, 36

3ª. tricotomia: a relação signo-interpretante final, 39

3.2. As dez classes de signos, 41

4. A SEMIOSE OU AÇÃO DO SIGNO ... 45

4.1.Relações de implicação entre os signos, 47

Capítulo 2 - MANIFESTAÇÕES SÍGNICAS DA PALAVRA

1. A PALAVRA: SIGNO LINGÜÍSTICO POR EXCELÊNCIA ... 51 1.1. A palavra multifacetada, 55

2. A PALAVRA COMO LEGISSIGNO ... 57

2.1. Convenção: fundamento do legissigno, 57 2.2. Legissigno e objeto dinâmico, 58

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2.4. Onipresença e recursividade das categorias, 61 2.5. Combinação de signos: necessidade lógica, 62 2.6. Legissignos indiciais, 64

2.7. Legissignos simbólicos, 68 2.8. Legissignos icônicos, 75

3. A PALAVRA COMO SINSIGNO ... 80

4. A PALAVRA COMO QUALISSIGNO ... 84

Capítulo 3 - LINGUAGEM VERBAL: CONJUNTO DE SISTEMAS SÍGNICOS 1. VISÃO SISTÊMICA ... 88

1.1. Ontologia Sistêmica e Semiótica, 88 1.2. Sistemas abertos e parâmetros sistêmicos fundamentais, 92 1.3. Evolução da linguagem verbal, 95 2. UM CONJUNTO SISTÊMICO VERBIVOCOVISUAL ... 97

2.1. Sistemas sígnicos: as três matrizes, 101 2.2. Funções dos signos nos sistemas de escrita, 105 Capítulo 4 - ESCRITA E HIPERMÍDIA 1. TECNOLOGIA E HIPERMÍDIA ... 115

2. HIPERMÍDIA: SISTEMA AMBIENTE DA ESCRITA ... 117

3. HIPERMÍDIA E HIPERTEXTO ... 118

4. SUPORTE MULTIDIMENSIONAL DA ESCRITA ... 122

5. LINGUAGEM VERBAL E ESCRITA HIPERMIDIÁTICA ... 125

6. ICONICIDADE DA ESCRITA EM AMBIENTES HIPERMIDIÁTICOS ... 129

Capítulo 5 - RECONFIGURAÇÃO DA ESCRITA: NOVAS GRAFIAS 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 135

2. PRECURSORES ... 138

2.1. Edgar Allan Poe, 139

2.2. Stéphane Mallarmé, 142

2.3. Poesia concreta, 142

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3. NOVAS GRAFIAS ... 149

3.1. Economia de caracteres, 151

3.2. Omissão vocálica, 151

3.3. Grafia silábica, 152

3.4. Sinais semográficos, 154

3.5. Rébus e grafias híbridas, 154

3.6. Números e letras, 155

4. SOBRE OS EMOTICONS ... 156

5. CONEXÃO LEXICAL: A PALAVRA PERFEITA ... 160

Capítulo 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. ALGUMAS CONCLUSÕES ... 163

2. O FUTURO DA ESCRITA ... 168

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INTRODUÇÃO

A proposta do presente estudo é lançar luz sobre o fenômeno multifacetado da reconfiguração da escrita em ambientes hipermidiáticos.

A linguagem verbal passa por um momento único. As inovações nos suportes da escrita determinam mudanças sensíveis na grafia convencional, em função de princípios como economia, velocidade, oralidade, que antes ficavam restritos à linguagem verbal oral, e que vão sendo incorporados à linguagem verbal escrita com rapidez crescente. Questões como a natureza dos suportes e do próprio sistema de escrita não se fazem esperar.

Como abordar um fenômeno com implicações de tamanha magnitude para o sistema de escrita atual? A metodologia foi um grande desafio neste estudo. Como concatenar a miríade de aspectos e relações envolvidas buscando clareza sem deixar de contemplar detalhes significativos foi igualmente um caminho árduo.

O primeiro passo foi adotar a semiótica idealizada por Charles Sanders Peirce, dado o pressuposto de que, devido ao seu poder de análise dos mais diversos tipos de signos, ela poderia revelar sutilezas e diferenças entre a palavra como lei geral e a palavra escrita que, via de regra, passam despercebidas. Para a consecução desse fim, buscou-se uma definição de palavra como unidade autônoma, possibilitando sua análise pela aplicação das classes de signos e suas relações semiósicas.

A contribuição de Peirce para a linguagem verbal é impar. Seus exemplos e aplicações da teoria semiótica ao signo lingüístico (que à sua época ainda estava por receber essa denominação) são incontáveis, e seu valor, inaquilatável. No entanto, seu interesse não estava na estrutura gramática, tendo ele deixado essa tarefa a futuros pesquisadores.

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teoria dos signos e interpretantes, Peirce não investiga a estrutura gramática (...). Não é de surpreender, portanto, que ele tenha deixado a tarefa de aplicar e ampliar sua teoria a campos como a lingüística para futuras gerações de pesquisadores.” (SHAPIRO 1988: 124)

A semiótica peirceana foi concebida com um caráter extremamente geral e abstrato, pois as categorias são onipresentes, e um mesmo signo pode exibir uma pluralidade de faces ao mesmo tempo. Isso torna muito difícil a tarefa de aplicá-la com proveito a processos concretos de linguagens, e determina a necessidade de estabelecer os caminhos pelos quais as aplicações se fazem possíveis.

Em contrapartida, as peculiaridades hipermidiáticas pediam uma reflexão cuidadosa, tanto quanto as peculiaridades sígnicas dos sistemas de escrita, o que não poderia ser feito por intermédio somente da teoria peirceana. No entanto, o ecletismo teórico neste caso, não só é bem vindo como é necessário para abordar particularidades impossíveis de analisar somente sob conceitos gerais e abstratos como os de Peirce, e para conhecer a semiose específica que se busca compreender.

“É evidente que para tudo isso, o mapa lógico peirceano precisa, veementemente necessita, da interação com outras teorias específicas da semiose sob exame (o ecletismo teórico, quando se trabalha com os diagramas de Peirce, é não apenas bem-vindo, mas também indispensável). Além disso, como todo mapa, este também precisa do contato estreito com seu objeto; exige a familiaridade e intimidade do analista com a semiose específica que ele quer compreender.” (SANTAELLA 1992a: 200)

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Por outro lado, a semiótica peirceana não estabelece relações estanques, já que um continuum de gradações, regressões e progressões infinitas são justamente o que seu arcabouço filosófico busca evidenciar. Coerentemente, optamos por justapor a seus conceitos uma classificação dos sistemas de escrita em função da natureza de seus signos elaborada por R.Bringhurst, que além de estar em prefeita consonância com as tipologias mais conhecidas, se apresenta de forma diagramática e contínua.

Os conceitos peirceanos, ao serem aplicados, apresentam um grau de dificuldade diretamente proporcional ao nível de esclarecimento a que se pretende chegar na análise de um determinado fenômeno, esforço certamente recompensado pelo potencial que uma teoria dessa envergadura representa para o progresso epistemológico humano.

Por meio desse caminho metodológico, acreditamos então, ter abordado os principais fatores e características das novas formas de utilização da escrita em contexto hipermidiático, que exigiram, para sua compreensão, uma análise cuidadosa de todos os seus aspectos envolvidos: semióticos, sistêmicos e lingüísticos.

No primeiro capítulo, a teoria peirceana é apresentada com vistas à elucidação dos conceitos teóricos que serão utilizados nas análises. Os conceitos da semiótica são apresentados dentro do quadro categorial de Peirce e no contexto de sua arquitetura filosófica. Ao final, diagramas explicativos do processo de semiose foram elaborados para facilitar sua visualização e compreensão.

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iconicamente, motivadamente, desmontando antigos conceitos e preconceitos oriundos da tradição saussureana.

No terceiro capítulo, é enfocada a linguagem verbal como conjunto de sistemas sígnicos. Conceitos da Teoria Geral dos Sistemas são expostos e aplicados para a compreensão das inter-relações entre os diversos sistemas sígnicos que compõem o todo da linguagem verbal e de sua evolução. As funções dos signos no interior dos sistemas de escrita são consideradas em detalhes.

O quarto capítulo, a fim de contextualizar as mudanças que se processam, trata das relações entre escrita e hipermídia sob diversos ângulos: tecnologia, sistema ambiente, sistema hipertextual, suporte multidimensional. Ao final, as relações entre linguagem verbal e escrita hipermidiática são estabelecidas, e sua crescente iconicidade é analisada.

No quinto capítulo, a reconfiguração da escrita em novas grafias é considerada sob a influência de alguns fatores determinantes, alguns precursores relevantes são apontados, e as novas grafias e suas peculiaridades são exemplificadas e teoricamente analisadas.

No sexto e último capítulo, considerações finais são tecidas; algumas conclusões são depreendidas do percurso de estudo e análise, bem como são apontadas possíveis tendências do desenvolvimento da escrita no futuro.

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Capítulo 1 - TEORIA PEIRCEANA

“Tento uma análise do que aparece no mundo.

Aquilo com que estamos lidando não é metafísica: é logica, apenas.” (CP 2.84)

“A lógica deve, para a realização de sua idéia seminal, ser l’art de penser.

L’art de penser! Que sublime concepção! (CP 4.46)

1. AS CATEGORIAS E A TEORIA GERAL DOS SIGNOS

Para compreender a lógica das ciências e seus métodos de raciocínio, foco dos estudos peirceanos (SANTAELLA 2001:32), toda sua Lógica foi concebida dentro de uma teoria geral dos signos ou Semiótica (SANTAELLA, 1983:20), que em sua arquitetura científico-filosófica1, mantinha uma posição

de dependência em relação à Faneroscopia2, dela extraindo todos os seus princípios. Seu sonho era elaborar

“uma filosofia como aquela de Aristóteles, quer dizer, delinear uma teoria tão abrangente que, por um longo tempo, o trabalho inteiro da razão humana, na filosofia de todas as escolas e espécies, na matemática, na psicologia, nas ciências físicas, na história, na sociologia, e em qualquer outro departamento que possa haver, deve aparecer como o preenchimento de seus detalhes. O primeiro passo para isso é encontrar conceitos simples, aplicáveis a qualquer objeto.” (CP 1,p.vii)

Nessa medida, para compreendermos a Semiótica, faz-se necessário compreender primeiramente a Faneroscopia, como ciência da observação, geral e abstrata, dedicada a estudar o phaneron, ou fenômeno, e cuja função

1 Peirce dialogou com toda a tradição filosófica ocidental para construir uma abrangente e coerente 

arquitetura classificatória das ciências e de suas inter‐relações. Conseqüentemente, para ele, as 

ciências podiam ser divididas em ciências 1) da descoberta, 2) da digestão e 3) aplicadas, as mais 

gerais fornecendo princípios norteadores para as mais específicas, e estas, por sua vez, fornecendo 

dados para as mais gerais. As ciências da descoberta (Matemática, Filosofia e Ideoscopia) estão num 

tal nível  de generalidade,  que  são  consideradas  ciências da  observação.  Dentro  da  Filosofia, 

encontraremos a Faneroscopia juntamente com as Ciências Normativas (Estética, Ética e Lógica 

considerada como Semiótica) e a Metafísica (SANTAELLA 1983:23‐27).   

2 Faneroscopia foi o nome dado por Peirce a sua Fenomenologia por volta de 1902, quando da 

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era a de “realizar a mais radical análise de todas as experiências possíveis” (SANTAELLA 1983:28), já que Peirce entendia fenômeno3 no sentido mais

amplo que se pode conceber, simplesmente como tudo aquilo que se apresenta à percepção e à mente, independentemente de ser um evento externo ou uma idéia, sonho ou abstração, sendo a primeira tarefa da Filosofia, e, portanto, da Faneroscopia, a de desenvolver uma doutrina de categorias formais, gerais e abstratas, absolutamente universais, no sentido de que fosse possível observá-las em todo e qualquer fenômeno, sem excluir nem mesmo conflitar com outras tantas categorias materiais e particulares possíveis de ser encontradas em todas as coisas.

Tais categorias não poderiam brotar nem da língua, como as de Aristóteles, nem da lógica da proposição, como as de Kant (SANTAELLA 1983: 28; CP 5.294), mas somente do exame agudo da própria experiência. Para Peirce,

“... a palavra Categoria possui substancialmente o mesmo significado em todos os filósofos. (...) a categoria é um elemento dos fenômenos com uma generalidade de primeira ordem. Segue-se daí que as categorias são poucas (...). A tarefa da fenomenologia é traçar um catálogo de categorias, provar sua eficiência, afastar uma possível redundância, compor as características de cada uma e mostrar as relações entre elas. (...) As categorias universais, de seu lado, pertencem a todo fenômeno, talvez sendo uma mais proeminente que a outra num aspecto do fenômeno, mas todas pertencendo a qualquer fenômeno.” (CP 5.43)

Peirce chegou à conclusão que toda a diversidade fenomênica era redutível a três, e não mais que três modos de ser, que, sendo universais,

3

O fenômeno pertence à categoria do real, do existente, da secundidade, daquilo que pode forçar‐se 

sobre nossa percepção a despeito daquilo que sobre ele possamos pensar, mas que pode ser 

investigado pela nossa mente. Para Peirce: “Há coisas Reais, cujos caracteres independem por 

completo de nossas opiniões a respeito delas; esses Reais afetam nossos sentidos segundo leis 

regulares e conquanto nossas sensações sejam tão diversas quanto nossas relações com os objetos, 

poderemos, valendo‐nos das leis de percepção, averiguar, através do raciocínio, como efetiva e 

verdadeiramente as coisas são; e todo homem, desde que tenha experiência bastante e raciocine 

suficientemente acerca do assunto, será levado à conclusão única e Verdadeira. A concepção nova 

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deveriam ser observáveis em todo e qualquer fenômeno, ainda que em diferentes graus de proeminência:

“Minha opinião é que existem três modos do ser. Afirmo que podemos observá-los diretamente nos elementos de tudo que está a qualquer momento presente à mente de qualquer maneira. São o ser da possibilidade qualitativa positiva, o ser do fato atual, e o ser da lei que governará os fatos no futuro.” (CP 1.23)

Esses modos de ser são o fundamento de uma lógica ternária cujas categorias são tão abstratas que podem ser consideradas intangíveis, simples matizes de conceitos4, mas que, no entanto, ganham força nas relações de interdependência em que estão envolvidas, gerando uma combinatória que, na Semiótica, dá origem às diversas classificações de signos.

Esses três elementos formais, no seu grau de abstração máxima, devem ser entendidos como mônada, relação diádica e relação triádica, respectivamente:

“Terceiridade, no sentido de categoria é o mesmo que mediação. Por essa razão, pura díada é um ato de vontade arbitrária ou força cega; pois se houver alguma razão ou lei governando-a [a díada], ela [a razão ou lei] se constitui em mediação [da díada] entre os dois sujeitos trazendo a tona sua conexão. A díada é um fato individual, já que ela é existencialmente, não possuindo qualquer generalidade. O ser de uma qualidade monádica é uma mera potencialidade, sem existência. Existência é puramente diádica.” (CP 1.328)

Por esses motivos, buscando expressar conceitos sem precedentes, que se constituem em substratos lógico-formais universais, Peirce batizou-os como categorias ceno-pitagóricas (CP 2.87), em virtude de suas conexões com os números, chamando-as de primeiridade (firstness), secundidade (secondness) e terceiridade (thirdness). Em suma,

4  “Talvez nem se devesse chamar as categorias de concepções; são tão intangíveis que mais parecem 

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“Por serem tão universais a ponto de se presentificarem em tudo e qualquer coisa, Peirce resolveu esvaziar os termos de qualquer conteúdo material, reduzindo-os à sua natureza puramente lógica. Daí as categorias passarem a ser designadas por (1) primeiridade = mônada, (2) secundidade = relação diádica e (3) terceiridade = relação triádica. Em cada fenômeno particular, a roupagem aparente dessas categorias se modifica, mas o substrato lógico sempre permanece.” (SANTAELLA 2001:15)

O fundamento para a compreensão das categorias está, portanto, na compreensão do substrato lógico-formal de cada uma delas, substratos esses que se mantêm inalterados, apesar da “roupagem” de que se revestem quando observados na variabilidade material de cada fenômeno específico. Para Peirce, a lista de categorias “é uma tábua de concepções extraída da análise lógica do pensamento, aplicáveis ao ser” (CP 1.300). Dessa forma, podemos observar que

“O primeiro esta aliado às idéias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, presentidade, imediaticidade, mônada... O segundo às idéias de força bruta, ação- reação, conflito, aqui e agora, esforço e resistência, díada... O terceiro esta ligado às idéias de generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada...” (SANTAELLA 2000:8)

As categorias poderão ser, então, compreendidas em si mesmas, como modos de apreensão dos fenômenos, a saber: qualidade de sentimento (primeiridade), ação e reação (secundidade) e mediação (terceiridade), ou ainda como modos de ser, tanto dos fenômenos do universo físico, bem como da mente ou consciência, como é possível observar nas passagens a seguir:

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fenômeno (...) Nos fenômenos, a gradação dos elementos se expressa como: (1) qualidade, (2) reação, (3) representação.(...)

Se tomarmos o acaso do universo físico, como um outro exemplo, nele, as categorias aparecerão sob a forma de (1) acaso, (2) leis mecânicas e (3) a tendência evolutiva do universo para adquirir novos hábitos.” (SANTAELLA 2001:15)

“Aqui, portanto, temos indubitavelmente três elementos radicalmente diferentes da consciência, só estes e nenhum outro. E eles estão evidentemente ligados às idéias de um-dois-três. Sentimento imediato é a consciência do primeiro; o sentido da polaridade é a consciência do segundo; e consciência sintética é a consciência do terceiro ou meio.” (CP 1.382)

As categorias peirceanas não são, dessa forma, noções estáticas ou terminais; elas são dinâmicas e interdependentes, formais, onipresentes e, portanto, universais. Assim, “não substituem, não excluem, nem entram em atrito com a infinita variedade de outras tantas categorias materiais e particulares que podem ser encontradas em todas as coisas” (SANTAELLA 2001: 36).

1.1. Primeiridade

A categoria da primeiridade também foi chamada de Presentidade (presentness, CP 5.44), bem como de Originalidade (CP 2.89) ou Oriência. A primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como ele é, sem referência a qualquer outra coisa (CP 8.328). Essa pura qualidade positiva é o primeiro modo de ser, e enquanto tal, está presente em todo e qualquer fenômeno. É o ser da possibilidade qualitativa positiva (SANTAELLA 2001: 35; CP 1.304), é mera potencialidade (CP 1.328), e, portanto, originalidade e liberdade.

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Essa qualidade monádica do fenômeno é difícil de ser percebida, uma vez que ao pensarmos, já não é mais possível captá-la em sua imediaticidade, já que pensamento é mediação (SANTAELLA 1983: 43). Para captá-la é preciso suspender o fluxo do pensamento, estar com a consciência aberta, porosa, disponível para aquilo que a ela se apresenta sem relação com nada mais. Peirce diz que o modo como o artista vê o mundo é aquele capaz de captar as qualidades do mundo fenomênico (CP 5.41), e afirma que a pura qualidade de sentimento que experienciamos quando estamos com a percepção completamente aberta ao fenômeno é a representante psíquica da primeiridade.

“Quando algo se apresenta ao espírito, qual é a primeira característica que se nota (...)? A sua presentidade, certamente. (...) O presente é o que é, não determinado pelo ausente, passado e futuro. É como tal, ignorando totalmente qualquer outra coisa. (...) Imaginemos, se quisermos, uma consciência onde não existe nenhuma comparação, relação, nenhuma multiplicidade reconhecida (uma vez que partes não seriam o todo), nenhuma mudança, nenhuma imaginação de qualquer modificação daquilo que está positivamente lá, nenhuma reflexão, - nada além de uma simples característica. Tal consciência pode ser simples odor, por exemplo, essência de rosas; ou uma contínua dor de cabeça, infinita (...). Em suma, qualquer qualidade de sentimento, simples e positiva, preenche a nossa descrição daquilo que é tal como é, absolutamente sem relação com nenhuma outra coisa. A qualidade de sentimento é a verdadeira representante psíquica da primeira categoria do imediato em sua imediaticidade, do presente em sua presentidade.” (CP 5.44)

Como exemplo de uma qualidade em si mesma, um poder ser não necessariamente realizado (CP 1.303), pura primeiridade, podemos pensar “a mera qualidade em si mesma da vermelhidão, sem relação com nenhuma outra coisa, antes que qualquer coisa no mundo seja vermelha” (SANTAELLA 2001:35), lembrando que uma qualidade em si nunca é objeto de observação; ela é produto de reflexões lógicas:

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1.2. Secundidade

Assim como as outras, esta categoria recebeu diferentes nomes ao longo da obra de Peirce, tais como Conflito (CP 5.45), Obsistência (CP 2.89), Binariedade (CP 2.79).

“Obsistência (sugerindo obviar, objeto, obstinado, obstáculo, insistência, resistência, etc.) é aquilo no que a secundidade difere da primeiridade; ou é aquele elemento que, tomado em conexão com a Originalidade, faz de uma coisa aquilo que uma outra a obriga a ser.” (CP 2.89)

Onde há um fenômeno, há uma qualidade (primeiridade) que não é senão parte desse fenômeno, e que para ganhar existência tem de, necessariamente, incorporar-se, “materializar-se” num singular. É nesta corporificação que se dá a secundidade, já que existência é puramente diádica (CP 1.328). A díada é, portanto, um “fato individual, existencial; não tem generalidade” (CP 1.328), sendo “a ação mútua de duas coisas sem relação com um terceiro, ou medium, e sem levar em conta qualquer lei da ação” (CP 1.322), isto é, “sem o governo da camada mediadora da intencionalidade, razão ou lei” (SANTAELLA 1983:51). Nesse sentido, temos como exemplo, “a qualidade sui generis do vermelho no céu de um certo entardecer de outubro” (SANTAELLA 2001: 35).

Para a consciência, que está em constante reagir com o mundo, o aspecto diádico de todo fenômeno ou secundidade é o momento da surpresa (CP 5.52), do choque, do conflito. É quando, inesperadamente, algo diferente de nossas expectativas se força sobre nossa percepção.

1.3. Terceiridade

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a primeiridade sempre está contida na secundidade, ambas, primeiridade e secundidade estão sempre presentes na terceiridade.

De fato, a forma mais típica da terceiridade encontra-se na noção do signo. O signo é, portanto, uma relação triádica, na qual a ação do signo ou semiose, que é a ação de ser interpretado em outro signo, realiza-se.

“A forma mais simples de terceiridade é a noção de signo. Se o universo do signo é o território legítimo da semiótica, esta já tem início dentro da própria fenomenologia, ou mais precisamente, a terceira categoria fenomenológica já é uma categoria semiótica.” (SANTAELLA 2001: 36)

E como Peirce defende a idéia de que não há pensamento sem signos (CP 5.283), e isto equivale a dizer que pensamento é representação, a categoria da terceiridade é o modo de ser da mente, do pensamento, enfim, de toda inteligência:

“Então, estes são esses três modos de ser: primeiro, o ser de um sentimento, em si mesmo, não ligado a qualquer sujeito, que é uma mera possibilidade atmosférica, uma possibilidade flutuando in vacuo, não racional porém capaz de racionalização; segundo, o ser que consiste na arbitrária e bruta ação sobre outras coisas, não somente irracional, mas também anti-racional, já que racionalizá-lo seria destruir seu ser; e terceiro, há uma inteligência viva da qual toda realidade e todo poder são derivados; que é necessidade e necessitação racionais.” (CP 6.342)5

A categoria da terceiridade pode, ainda, ser considerada a categoria do próprio homem, já que em mais de uma passagem, Peirce afirmou que o homem é signo, “pois o homem é o pensamento” e o pensamento é signo (CP 5.314), sendo os signos as únicas coisas com as quais um ser humano pode ter qualquer relação.

“Signos, as únicas coisas com as quais um ser humano pode, sem com isso inferiorizar-se, admitir ter qualquer relação, sendo ele mesmo um signo, são triádicos; uma vez que um signo denota um sujeito, e significa uma forma de fato, que posteriormente ele conecta com o primeiro.” (CP 6.344)

(25)

1.4. Interdependência entre as categorias

As categorias formam uma tríade lógica, invariavelmente interdependentes umas das outras. Isso implica dizer que toda vez que nos referirmos a alguma das categorias, podemos supô-la sem as demais, no entanto, sem poder dissociá-la completamente das outras duas. Da mesma forma, as categorias não podem ser distinguidas totalmente umas das outras.

O princípio a determinar a lógica das categorias é o principio da prescisão. Peirce fala em graus de separabilidade de uma idéia em relação a outra, constituindo-se a prescisão no grau de separabilidade a elas aplicável, pelo qual a “categoria do primeiro pode ser prescindida do segundo e terceiro, e o segundo prescindindo do terceiro. Mas o segundo não pode ser prescindido do primeiro, nem o terceiro do segundo” (CP 1.353). Essas relações de prescisão entre as categorias, por outro lado, evidenciam um crescente de complexidade à medida que o primeiro, necessariamente, se faz presente no segundo, e o primeiro e o segundo no terceiro, conseqüentemente. Peirce dá exemplos claros de como manejar a dependência de uma categoria em relação a outra:

(26)

Em outra passagem, Peirce esclarece esse tipo de separação mental, a chamada prescisão, em termos de atenção e negligência:

“um tipo particular de separação mental, nomeadamente, aquele por atenção a um ponto e negligência em relação a outro. Aquele ao qual atenta-se é chamado de prescindido; e aquele que é negligenciado é dito abstraído. (...) Atenção é uma concepção definida ou suposição de um elemento da consciência, sem nenhuma suposição positiva da outra.” (W1:518 [1866])

Dessa forma, se por um lado as categorias são indissociáveis, interdependentes, é justamente neste sutil grau de separabilidade a elas aplicável, que l’art de penser ganha força, força na qual está assentado todo o edifício filosófico de Peirce, sua classificação das ciências e, conseqüentemente, sua lógica ou semiótica e toda a classificação dos signos.

2. O CONCEITO DE SIGNO

A Faneroscopia define terceiridade como a categoria da generalidade, continuidade, crescimento e inteligência, já que ela pode ser entendida como o modo de ser daquilo que coloca em relação um primeiro e um segundo “numa síntese intelectual, [que] corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual representamos e interpretamos o mundo” (SANTAELLA 1983: 51).

Na Semiótica ou Lógica, que tem por função classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis (SANTAELLA 1983: 29), encontramos a forma mais simples de terceiridade, a noção de signo, já que ele se constitui numa relação triádica, na qual a ação do signo ou semiose, que é a ação de ser interpretado em outro signo, realiza-se.

Conseqüentemente, o signo é definido como uma estrutura irredutivelmente triádica formada pelo representamen, pelo objeto, e pelo interpretante do signo.

(27)

signo assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representamen.” (CP 2.228)

Devido a essa estrutura triádica, o signo pode ser analisado sob diversos aspectos, ou seja, o signo pode ser considerado em relação a um, dois ou aos seus três componentes ou correlatos.

“Um Representamen é o Primeiro Correlato de uma relação triádica, o Segundo Correlato sendo chamado de seu Objeto, e o possível Terceiro Correlato, chamado de seu Interpretante, por cuja relação triádica o possível Interpretante é determinado como sendo o Primeiro Correlato da mesma relação triádica para o mesmo Objeto e para algum possível Interpretante.” (CP 2.242)

Esses correlatos passam ainda por algumas subdivisões. O objeto se divide em objeto dinâmico e objeto imediato, e o interpretante, por sua vez, se divide em interpretante imediato, interpretante dinâmico, e interpretante final ou em si (in itself), conforme o diagrama do signo a seguir (SANTAELLA 1983:59):

Objeto dinâmico Objeto Imediato

Fundamento

S

SIIGGNNOO

Interpretante Imediato

Interpretante dinâmico (intérprete)

(28)

Importante distinção que o diagrama do signo aponta é a de que nem todas as subdivisões dos correlatos do signo se encontram no signo propriamente dito. Como veremos mais adiante, o signo é formado internamente pelo seu fundamento, pelo objeto imediato, e pelo interpretante imediato, enquanto permanece inexoravelmente ligado, embora exteriormente, ao seu objeto dinâmico e aos interpretantes dinâmico e final.

2.1. Representamen

Na irredutível relação triádica do signo, o representamen desempenha o lugar de um primeiro. Em algumas passagens dos textos peirceanos, ele também foi chamado simplesmente de signo, palavra que, então, passou a ter duas acepções:

“Antes de tudo, deve-se levar em conta que a palavra signo pode ser tomada sob dois sentidos: um geral e um específico. (...) a palavra signo pode se referir tanto à relação triádica, signo-objeto-interpretante, quanto ao primeiro membro dessa relação. Algumas vezes, Peirce utilizou o termo representamen, no lugar de signo, para designar o primeiro membro da tríade.” (SANTAELLA 2001:191)

Por representamen entende-se aquilo que funciona como signo para

quem o percebe. É o signo considerado em relação a si mesmo, ao seu fundamento, ou seja, àquilo que o faz funcionar como signo, qualidade essa que somente poderá ser percebida por abstração, já que ela não aparece isoladamente, e sim, constitui-se num modo pelo qual o representamen substitui o objeto.

“Tão somente por algum aspecto ou modo que lhe é próprio, o Representamen ficará no lugar do objeto. A esse aspecto ou modo, Peirce aqui denomina fundamento do representamen. Sendo o fundamento alguma qualidade do signo, somente será captada distintamente por via de abstração.” (SILVEIRA 2007: 31)

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dos fenômenos, o quê ou qual aspecto do representamen está funcionando como signo na semiose, ou seja, o seu fundamento.

“Qualquer coisa que seja, pode ser um signo, isto é, pode funcionar nesse papel; mas para que faça isso, deve ter algum caráter em virtude do qual pode assim funcionar. Esse caráter é o que constitui o fundamento ou razão de sua capacidade para ser signo, embora ele não seja realmente um signo enquanto não for interpretado como tal.” (RANSDELL 1966:80 apud SANTAELLA 2000:21)

2.2. Objeto do signo

Por objeto do signo entende-se aquilo que é representado pelo signo, aquilo no lugar do qual o signo está.

“Um signo intenta representar, em parte (pelo menos), um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo que o signo represente o objeto falsamente.” (CP 6.347)

Sendo um segundo, do qual o representamen é um primeiro, o objeto se dividirá em: objeto dinâmico, aquele que determina o signo e permanece fora dele, ou ainda, aquilo que o signo substitui, e objeto imediato, que é o objetointerno ao signo, ou o modo como o objeto dinâmico está representado no signo.

“Resta observar que normalmente há dois tipos de Objetos [...]. Isto é, temos de distinguir o Objeto Imediato, que é o Objeto tal como o próprio Signo o representa, e cujo Ser depende assim de sua representação no Signo, e o Objeto Dinâmico, que é a Realidade que, de alguma forma, realiza a atribuição do Signo à sua Representação.” (CP 4.536)

(30)

um valor de verdade, que nunca é absoluto, mas sempre passível de aperfeiçoamento. Mas é justamente essa incompletude do signo que determina uma semiose ad infinitum, na tentativa de sempre apreender e conhecer o objeto dinâmico com mais precisão.

O objeto imediato funciona como mediação entre o signo e o objeto dinâmico, exterior a ele. É o objeto tal como está representado, ou ainda, aquele aspecto que o signo recorta do objeto dinâmico ao representá-lo. O objeto imediato está dentro do signo, no próprio signo.

“O objeto dinâmico, portanto, tem autonomia, enquanto que o imediato só existe dentro do signo. Mas uma vez que não temos acesso ao objeto dinâmico a não ser pela mediação do signo, é o objeto imediato, de fato, aquele que está dentro do signo, que nos apresenta o objeto dinâmico. O objeto dinâmico, como o próprio nome diz, não cabe dentro de um só signo. Por isso mesmo pode ser representado de uma infinidade de maneiras, através dos mais diversos tipos de signos. (...) O objeto dinâmico é infinitamente determinado. Cada signo representa apenas algumas de suas determinações.” (SANTAELLA 1998: 48,49)

2.3. Interpretante

O interpretante não pode ser confundido com o intérprete. Ele é o efeito que o signo está destinado a causar naquele ou naquilo que o interpreta. Também é preciso ressaltar que a teoria peirceana não é logocêntrica. Seu conceito de mente interpretadora, i.e., passível de sofrer a ação do signo, não se restringe à mente humana, sendo tão abrangente a ponto de Peirce considerar como dotados de mente científica, aquela capaz de aprender com a experiência, não somente animais e insetos, mas inclusive os cristais6.

Como visto, é a incompletude do signo em relação a seu objeto que gera sempre um novo signo, ou seja, um novo interpretante, tornando o processo da semiose infinito.

6 “O pensamento não está necessariamente conexo a um cérebro. Ele aparece no trabalho das 

abelhas, dos cristais, e em meio ao mundo puramente físico; e ninguém mais pode duvidar que ele 

esteja realmente lá, tanto como estão as cores, as formas, etc. dos objetos. (...) Não somente o 

(31)

“Mas dizer que ele [signo] representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determina, naquela mente, algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo e da qual a causa mediada é o objeto pode ser chamada de interpretante.” (CP 6.347)

O interpretante é um terceiro determinado pelo signo, um primeiro, e por sua vez, se divide em imediato, dinâmico, e final. Embora existam diversas classificações e nomenclaturas para as subdivisões de interpretantes, esta primeira divisão é bastante elucidativa para a compreensão do conceito de signo, pois trata-se mais de diferentes graus ou níveis na geração do interpretante do que de diferentes tipos de interpretantes.

“O segundo princípio de divisão do interpretante (...) está baseado na fenomenologia ou teoria das categorias, correspondendo à divisão triádica do interpretante em imediato (primeiridade), dinâmico (secundidade) e final (terceiridade). Esta divisão diz respeito aos níveis por que passa o interpretante até se converter em um outro signo, caminhando para o interpretante em si ou interpretante final. Esta divisão não corresponde, de modo algum, a três interpretantes, vistos como coisas separadas, mas, ao contrário, são graus ou níveis do interpretante, ou melhor, diferentes aspectos ou estágios na geração do interpretante.” (SANTAELLA 2000: 67)

(32)

Com referência ao interpretante, este ainda pode dividir-se em

emocional, energético e lógico. No interpretante emocional, o signo produz

apenas uma qualidade de sentimento, sem produzir cognição. No interpretante energético, há um esforço envolvido, seja ele físico ou mental. No interpretante lógico, uma regra interpretativa vai comandar a associação de idéias para que o signo possa ser interpretado. Há dissensões sobre esta divisão, se ela seria aplicável aos três níveis de interpretante, ou se ficaria restrita somente ao interpretante dinâmico, ou se ela seria equivalente aos interpretantes imediato, dinâmico e lógico, respectivamente.

“O primeiro efeitosignificado de um signo é o sentimento por ele provocado. Na maior parte das vezes existe um sentimento que interpretamos como prova de que compreendemos o efeito específico de um signo, embora a base da verdade neste caso seja freqüentemente muito leve. Este ‘Interpretante emocional’, como o denomino, pode importar em algo mais do que o sentimento de recognição; e, em alguns casos, é o único efeito significado que o signo produz (...) Se um signo produz ainda algum efeito desejado, fá-lo-á através da mediação de um interpretante emocional, e tal efeito envolverá sempre um esforço. Denomino-o ‘Interpretante energético’. O esforço pode ser muscular (...), mas é usualmente um exercer do mundo interior, um esforço mental. Não pode ser nunca o significado de um conceito intelectual, uma vez que é um ato singular (...) Mas que espécie de efeito pode ainda haver? (...) Vou denominá-lo ‘interpretante lógico’. (...) Devemos dizer que este efeito pode ser um pensamento, o que quer dizer, um signo mental? Sem dúvida pode sê-lo; só que se esse signo for de natureza intelectual - como teria de ser - tem de possuir um interpretante lógico; de forma que possa ser o derradeiro interpretante lógico do conceito.” (CP 5.475-76)

Há ainda uma última subdivisão da qual trataremos quando abordarmos a terceira tricotomia da classificação dos signos, aquela que divide os interpretantes em rema, dicente e argumento. Também neste caso encontramos divergências7 de opinião, sendo essa subdivisão considerada

aplicável ao interpretante lógico por alguns, e ao interpretante final, por outros.

7 Para uma abordagem detalhada das posições sustentadas por diversos autores em relação à teoria 

(33)

3. CLASSIFICAÇÃO DOS SIGNOS

Da principal classificação de signos elaborada por Peirce decorrem dez classes de signos a partir de três tricotomias. Essa classificação apresenta um considerável grau de complexidade na análise dos signos, podendo nos dar uma contribuição importante na análise da palavra escrita.

A base desta classificação é o princípio de prescisão ou implicação que rege as categorias, aquele segundo o qual o primeiro prescinde do segundo e do terceiro, e o segundo do terceiro, sendo que todo terceiro implica o segundo e o primeiro. É também esse princípio lógico que vai mostrar porque, enquanto são possíveis 27 combinações sígnicas, somente 10 são válidas.

“As relações de implicação mantidas entre as categorias nortearão todo o processo classificatório. A categoria da terceiridade, e tudo que por ela for caracterizado, implicará nas realizações que se fizerem na instância da categoria de secundidade, e essas, por sua vez, dependerão do que se der ao nível da categoria da primeiridade.” (SILVEIRA 2007:65)

Observando detalhadamente esta classificação e justapondo-a ao diagrama do signo, é possível notar que ela se baseia no fundamento do signo e na relação deste com duas subdivisões de seus correlatos que permanecem fora do signo: o objeto dinâmico e o interpretante final. Para melhor compreendermos os elementos que a compõe, é oportuno descrever a natureza das três divisões de signos a partir das quais as classes são formadas.

3.1. As três tricotomias

(34)

1º) o signo em relação a si mesmo (fundamento ou representamen) 2º) a relação do signo com seu objeto dinâmico

3º) a relação do signo com o interpretante final

Em cada um desses aspectos será possível observar a ação das categorias, o que resultará em três tricotomias de signos de acordo com as relações entre os correlatos do signo, conforme quadro8 a seguir:

Cate-

gorias Representamen (fundamento) Objeto dinâmico (relação S-OD) Interpretante final (relação S- IF)

QUALISSIGNO ÍCONE (Hipoícones:

Imagem, Diagrama, Metáfora)

REMA

SINSIGNO ÍNDICE DICENTE

LEGISSIGNO SÍMBOLO ARGUMENTO

1ª tricotomia: o signo em relação a si mesmo

A primeira tricotomia será formada pela consideração do signo em relação a si mesmo, ou ainda, pela ação das categorias sobre seu fundamento (ground). É o modo de apreensão do signo em si mesmo.

No fundamento do signo, considerado um primeiro, operam as três categorias, havendo, a esse respeito, três tipos de signos: qualissignos, sinsignos e legissignos, que também receberam o nome de tones, tokens (ou réplicas) e types (tipos), respectivamente. Surge aqui a primeira tricotomia do signo.

Nos qualissignos, são as meras qualidades que, apresentando-se à percepção, funcionam como signos. Aqui encontramos sons, cores, formas, entre outras formas de primeiridade, funcionando como representamina.

“Um Qualissigno (por exemplo, o sentimento [feeling] de vermelho) é uma qualidade qualquer, na medida em que é um signo.” (CP 2.254)

8 Este quadro foi elaborado com base em SANTAELLA 1983:62. Foram feitas algumas modificações 

(35)

Já os sinsignos constituem-se por existentes, individuais e singulares que, na sua secundidade, funcionam como signos para quem os percebe.

“... um sinsigno (onde a sílaba sin é tomada como significando ‘sendo uma única vez’, como em singular, em simples, no latim: semel) é uma coisa ou evento existente que é um signo.” (CP 2.245)

Os legissignos, por sua vez, constituem-se de tipos gerais, hábitos, convenções e leis, entre outras formas de terceiridade, que funcionam como signos para aquele ou aquilo que os percebe

“Um legissigno é uma lei que é um Signo. (…) Não é um objeto singular, mas um tipo geral que, há concordância a respeito, será significante.” (CP 2.246)

2ª tricotomia: a relação signo-objeto dinâmico

Na determinação das dez principais classes de signos, é na relação entre o signo (S) seu objeto dinâmico (OD) que aparece a segunda tricotomia de signos, onde igualmente operam as três categorias fenomenológicas. Essa tricotomia, que relaciona o signo ao objeto representado, exterior a ele, e que divide os signos em ícones, índices e símbolos, é, provavelmente, a mais conhecida de Peirce, sendo ela uma das tricotomias que ficou mais claramente definida em sua extensa obra.

Na passagem a seguir, fica evidente quão diferentes podem ser as representações de um mesmo e único objeto, e as diferentes relações que um signo pode manter com seu objeto dinâmico.

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Um signo será um ícone quando ele partilhar de alguma das qualidades de seu objeto dinâmico, e a relação que com ele manterá será de semelhança (likeness).

“Eu chamo um signo que está para alguma coisa simplesmente porque ele se assemelha a ela, um ícone. Ícones são tão completamente substituíveis pelos seus objetos que dificilmente são distinguidos deles.” (CP 3.362)

Ícones puros, por pertencerem unicamente à categoria da primeiridade, são meras possibilidades. Assim, para existirem efetivamente, os ícones precisam encontrar sustentação no universo da experiência, passando a ser denominados hipoícones por Peirce (CP 2.276-277), e subdividindo-se em imagens (primeiridade), diagramas (secundidade) e metáforas (terceiridade). Estes já são signos genuinamente triádicos que representam seus objetos dinâmicos e que mantêm relações de semelhança com os objetos representados: semelhança na aparência, nas relações internas e no significado, respectivamente. Importante ressaltar que, como a lógica categorial determina, a terceiridade compreende a secundidade e esta, a primeiridade, levando a que metáforas encapsulem diagramas, e estes envolvam imagens.

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engloba, dentro de si, tanto o diagrama quanto a imagem.” (SANTAELLA e NÖTH 1999: 62)

Os índices, por pertencerem à categoria da secundidade, estão numa relação de fato, existencial, com seus respectivos objetos.

“O índice não afirma nada; ele somente diz ‘Lá!’ Ele toma conta de seus olhos, e os dirige para um objeto em particular, e lá ele pára.” (CP 3.361)

O índice indica, aponta seu objeto dinâmico em função da conexão dinâmica que estabelece com ele. Índices são, dessa forma, necessários a toda forma de apresentação e representação para que estas se conformem a um particular. Um índice poderá ter como fundamento um sinsigno ou um legissigno.

Os símbolos, por sua vez, estão relacionados a seus objetos em virtude uma lei, convenção ou hábito de associação, e funcionam em virtude dessa associação de idéias que produzem em razão de uma regra interpretativa já ter sido estabelecida a priori.

“Essa mesma lógica de encapsulamento dos níveis mais simples pelo mais complexo também vai ocorrer nas relações entre ícone, índice e símbolo. É por isso que o símbolo não é senão uma síntese dos três níveis sígnicos: o icônico, o indicial e o simbólico.” (SANTAELLA e NÖTH 1999: 62)

(38)

Ícones e índices não crescem em significado; o índice porque aponta para um objeto particular e nele se detém; e o ícone porque sua referencialidade é mera possibilidade em função de semelhanças qualitativas, e a ponte com o objeto dinâmico deverá ser sempre construída pela mente interpretadora no ato da interpretação. Já o símbolo é sempre maior do que a interpretação que se tem dele, pois ele é uma soma geral, um acúmulo de interpretantes, estando em contínuo crescimento, sendo suscetível também de mudanças. No entanto, assim como qualquer outro signo, não é capaz de esgotar o objeto dinâmico.

“Um signo plenamente geral deverá ser um símbolo produzido por via argumentativa, por uma estrita necessidade lógica. Signos cujo interpretante é determinado por necessidade lógica crescem, indefinidamente, como o pensamento por sua própria virtude. São genuinamente capazes de se auto-organizarem sem qualquer limitação, representando, em constante crescimento e evolução, toda classe de fenômenos. Por esta razão, conferem a todo pensamento uma dimensão cósmica e assumem a forma de uma rede em infinita expansão.” (SILVEIRA 2007:45)

Assim, ícones representam em função de uma relação de semelhança, sendo seu objeto e seu interpretante meras possibilidades, a serem estabelecidos pela mente interpretadora. Já o índice funciona em função de uma conexão dinâmica com seu objeto, sem a qual não subsistiria, podendo ter como interpretante tanto uma existência (secundidade) como uma possibilidade (terceiridade). Já o símbolo, signo genuinamente triádico, carrega em si a regra (lei ou hábito) segundo a qual ele será interpretado de determinada forma.

3ª tricotomia: a relação signo-interpretante final

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poderá ser um rema, um dicente, ou um argumento, respectivamente, em função da categoria fenomenológica que predominar em cada relação.

Um rema é uma mera possibilidade lógica, um termo, um signo de

essência. Um dicente é uma proposição, um signo que diz algo da existência concreta de seu objeto. Um argumento pode ser exemplificado por um silogismo, duas premissas das quais segue uma conclusão.

“Um Rema é um Signo que, para seu Interpretante, é um Signo de Possibilidade qualitativa, ou seja, entendido como representando tal e tal espécie de Objeto possível. Todo Rema fornecerá, talvez, alguma informação; mas não é interpretado como destinado a fazê-lo.

Um Dicente é um Signo que, para seu Interpretante é Signo de existência concreta. Não pode, conseqüentemente, ser um ícone, porque este não fornece base para sua interpretação, como referindo-se a uma existência concreta. Um Dicisigno envolve, como parte dele e necessariamente um Rema para descrever o fato que se entende que indique. Trata-se, porém, de uma peculiar espécie de Rema; e embora seja essencial para o Dicisigno, de nenhuma forma o constitui.

Um Argumento é um Signo que, para seu Interpretante é Signo de lei. Podemos dizer que um Rema é um signo que se entende representar seu objeto simplesmente em seus caracteres; que o Dicisigno é um signo que se entende representar seu objeto com referência à existência concreta; e que um Argumento é um Signo que se entende representar seu Objeto em seu caráter de Signo.” (CP 2.250-253)

No tocante a essa relação signo-interpretante final, portanto, teremos, novamente, que o argumento (lei) incorporará o dicente (existência) e o rema (possibilidade), e o dicente envolverá somente o rema.

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3.2. As dez classes de signos

Nesta classificação, a combinação não é aleatória, pois as divisões e subdivisões do signo não são independentes; ela segue uma seqüência rigorosa baseada na lógica das categorias. Como conseqüência, temos apenas 10 classes principais de signos, e não 27 como decorreriam da combinação independente das subdivisões das tricotomias. Todas as demais combinações possíveis entre essas tríades inexistem por inconsistência lógica. Vale observar que essa classificação foi claramente elaborada e explicada por Peirce, o que a torna uma ferramenta extremamente útil para qualquer análise sígnica.

A seguir, são apresentadas sucintamente as definições das dez classes de signos, resultantes da combinação das três tricotomias descritas. Esse detalhamento nos será útil tanto na análise da natureza semiótica da escrita, como também das transformações da escrita na hipermídia, pois nele observamos claramente a crescente complexificação dos signos na medida em que cada classe incorpora elementos das anteriores.

I) Qualissigno icônico remático: é uma qualidade qualquer que

funciona como signo, em virtude de alguma semelhança com o objeto denotado (CP 2.254).

II) Sinsigno icônico remático: é qualquer objeto de experiência, ou

seja, um existente, que determina a idéia de um objeto em função de alguma de suas qualidades, i.e., ele incorpora um qualissigno (CP 2.255).

III) Sinsigno indicial remático: é qualquer objeto de experiência direta que direciona a atenção para um objeto pelo qual sua presença encontra sua causa. Envolve um sinsigno icônico (CP 2.256).

IV) Sinsigno indicial dicente: qualquer objeto de experiência que,

(41)

V) Legissigno icônico remático: qualquer lei ou tipo que em cada uma de suas instâncias incorpora uma determinada qualidade que o torna capaz de suscitar idéias de objetos a ela semelhantes. Suas réplicas serão sinsignos icônicos de tipo especial (CP 2.258).

VI) Legissigno indicial remático: também um tipo geral ou lei, que

independentemente de como tenha sido estabelecido, requer que cada uma de suas instâncias seja de fato afetada por seu objeto de modo a chamar a atenção sobre esse mesmo objeto. Suas réplicas serão sinsignos indiciais de tipo especial, e para seu interpretante, ele funcionará como um legissigno icônico (CP 2.259).

VII) Legissigno indicial dicente: é qualquer tipo geral ou lei que requer que cada uma de suas instâncias seja de fato afetada pelo seu objeto de maneira a fornecer informação definida a respeito desse mesmo objeto. Ele envolverá um legissigno icônico para significar tal informação e um legissigno

indicial remático para denotar o sujeito dessa mesma informação. Suas

réplicas serão sinsignos dicentes de tipo especial (CP 2.260).

VIII) Legissigno simbólico remático: um tipo ou lei geral conexo a seu objeto por uma associação geral de idéias de modo a suscitar uma imagem na mente por ele afetada, imagem, que, em virtude de certos hábitos e disposições daquela mente, tende a produzir um conceito geral. Suas réplicas, sinsignos indiciais remáticos de tipo especial, serão interpretadas como instâncias daquele conceito. Seu interpretante o representará como um legissigno indicativo remático em algumas ocasiões, e em outras, como um legissigno icônico (CP 2.261).

(42)

X) Legissigno simbólico argumentativo: ou simplesmente argumento, é um signo cujo objeto é geral, e cujo interpretante representa seu objeto como sendo um signo ulterior, em função da lei pela qual a passagem do conjunto das premissas envolvidas para o das conclusões tende para a verdade. Sua réplica será um sinsigno dicente (CP 2.263). Ele envolverá símbolos dicentes e símbolos remáticos.

A seguir, apresentamos um quadro elaborado a partir dos exemplos que Peirce (CP 2.254-263) nos dá de cada uma das classes:

Classe de signo

Abrevia-tura Exemplo

I Qualissigno icônico remático 111 um sentimento de vermelhidão

II Sinsigno icônico remático 211 um diagrama individual

III Sinsigno indicial remático 221 um grito espontâneo

IV Sinsigno indicial dicente 222 um catavento

V Legissigno icônico remático 311 um diagrama, abstraída sua

individualidade

VI Legissigno indicial remático 321 um pronome demonstrativo

VII Legissigno indicial dicente 322 um pregão de rua

VIII Legissigno simbólico remático 331 um nome (substantivo) comum

IX Legissigno simbólico dicente 332 uma proposição

X Legissigno simbólico

argumentativo 333 um silogismo

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(33_) será necessariamente um legissigno, e todo argumento (333), um legissigno simbólico. Essas relações merecem atenção detalhada.

Todo qualissigno será necessariamente um ícone, uma vez que, tendo como fundamento uma pura possibilidade, somente poderá se relacionar ao seu objeto dinâmico também numa forma de primeiridade. Seu interpretante também pertencerá, necessariamente, ao domínio da primeira categoria.

“Como a qualidade é, seja o que for, positivamente aquilo que é, só pode denotar um objeto em virtude de algum ingrediente comum com o objeto ou uma similaridade com ele; de tal modo que um Qualissigno é necessariamente um ícone. E mais ainda, uma vez que uma qualidade é uma mera possibilidade lógica, somente pode ser interpretada como um signo de essência, isto é, um Rema.” (CP 2.254)

Já sinsignos são signos de existência, e serão necessários a todos os outros tipos de signo para que estes possam ser incorporados em algum existente, i.e., todo sinsigno incorporará qualidades (qualissignos), e toda réplica de outros signos será um sinsigno de tipo especial. A essa relação também foi dado o nome de type-token, em função da tríade legi-sin-qualissigno ter sido chamada também de type-token-tone, respectivamente.

Por seu representamen pertencer ao domínio da secundidade, a relação de um sinsigno com seu objeto poderá ser: indicial, quando apontar, através de uma conexão dinâmica, para aquilo que representa; ou meramente icônica, quando esta relação se restringir a uma mera associação entre atributos qualitativos. Quanto ao seu interpretante, também este não poderá ultrapassar a categoria do segundo, podendo ficar no nível dicente, oferecendo informações concretas sobre seu objeto, ou restringir-se ao nível conjectural, remático.

(44)

do qual estará determinado o seu funcionamento. Respeitando-se o nível em que essa relação com o objeto se der, seu interpretante pertencerá: ao nível do primeiro (rema), para os legissignos icônicos e indiciais; e ao domínio do segundo (dicente), para legissignos simbólicos e indiciais; ficando o interpretante de terceiridade (argumento) restrito a legissignos simbólicos.

Outro aspecto a destacar é a implicação entre as categorias, pela qual signos mais gerais implicam signos menos gerais, resultando em que o geral (terceiro) não pode prescindir do existente (segundo), e nem este do potencial (primeiro). Esse princípio categorial, que poderá ser melhor observado ao se estudar o processo semiósico,

“permite que se perceba tanto na relação do Representamen, onde o primeiro correlato do signo é constituído, quanto na relação do Representamen para com o Objeto, segundo correlato do signo, de que modo o geral implica o existente e este, implica o potencial: o Legissigno

implica Sinsignos e estes implicam Qualissignos; enquanto que, os

Símbolos implicam Índices e Ícones a estes atribuíveis. (...) A classe dos

Argumentos, constituída pelos interpretantes de lei implicam Dicentes

como interpretantes de existência. Ambas as classes implicam, por sua vez,

Remas, como interpretantes de potencialidade.” (SILVEIRA 1996: 47)

4. A SEMIOSE OU AÇÃO DO SIGNO

(45)

“fornecem um padrão para análise sígnica compreensiva ao invés de funcionar como uma classificação estrito senso. Esse padrão inclui todos os aspectos epistemológicos e ontológicos do universo dos signos, o problema da referência, da realidade e ficção, a questão da objetividade, a análise lógica do significado, e o problema da verdade” (BUCZINSKA-GAREWICZ 1983:27 apud SANTAELLA 1992a: 55)

Em se tratando da percepção e cognição humanas, é mister dizer que não temos acesso direto ao real, ao objeto dinâmico. Ele nos chega através da medi(ação) sígnica, em que o signo, sempre incompleto em relação a seu objeto (sendo por isso mesmo um signo), o representa parcialmente. A apreensão do objeto em si, se dá somente por meio do objeto imediato, que é o objeto semiótico tal como aparece na semiose, isto é, a maneira como o objeto dinâmico está representativamente presente nesse processo. Assim, o objeto, para nós sempre mediado, é aquele que pensamos ser, a coisa como representada até então, não obstante se nosso pensamento sobre ele é falso ou verdadeiro.

Dessa forma, a semiose ininterrupta, contínua do universo, representará, através de signos, os objetos aos quais não temos acesso direto, mas que, no entanto, através do signo, se imporão para determinar interpretantes que se multiplicarão em novos signos, criando sempre na mente interpretadora outros signos, mais desenvolvidos ou não, do seu objeto. É nesse respeito que podemos concluir que o objeto imediato sempre levará em conta a possibilidade de erro, enquanto o objeto dinâmico será requerido para a concepção da verdade, sempre in futuro.

(46)

4.1. Relações de implicação entre os signos

A seguir, apresentamos as relações de implicação entre legissignos e sinsignos, bem como alguns aspectos da sintaxe entre as dez classes de signos, tendo parte delas sido apresentada com a descrição de cada classe sígnica. A relação de implicação entre legi e sinsignos é também chamada de instanciação ou de relação type-token. As instâncias de um tipo geral ou legissigno corresponderão às suas réplicas ou ocorrências, ou ainda, a sinsignos de tipo especial, que, por sua vez, incorporarão qualidades (qualissignos).

“As réplicas dos Símbolos, como as de qualquer Legissigno, serão constituídas por existentes - Sinsignos, na linguagem peirceana - dotados de uma configuração tal que possam ser identificados para o exercício da função de indicar a presença daquele Legissigno. Exercerão, como também Peirce afirmava, o papel de ‘ocorrências’ (tokens) de um determinado ‘tipo’ (type). [CP 4.537 e CP 5.429].

A configuração distintiva das réplicas resultará do confronto de determinadas qualidades de que devem ser dotados aqueles Sinsignos. Estas qualidades, como potencialidades positivas necessárias para constituição de qualquer signo, estarão no início de todo processo semiótico. Qualidades que são signos, são denominadas por Peirce, Qualissignos.” (SILVEIRA 1996: 47)

As relações entre as dez classes podem ser divididas em três grupos, dependendo se elas forem relações de envolvimento, de “instanciação” (“governar réplicas”), ou de interpretação (“seu interpretante representa-o como...”). Essas relações estão baseadas nas relações entre as três categorias, e descrevem como gerais (types) são instanciados num número indeterminado de singulares e existentes (tokens) e como suas qualidades (tones) são prescritas.

Referências

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