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RECONFIGURAÇÃO DA ESCRITA: NOVAS GRAFIAS

“Ninguém pode se tornar um homem de letras, como se diz, sem reconhecer sua aparência, bem como seu som e suas várias notações.”

Jonathan Williams (1967 in Solt 1969: 85)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta parte final do presente trabalho, e que se constitui também em um dos objetivos principais desta pesquisa, visa a analisar teoricamente as transformações pelas quais passa a escrita no ambiente hipermidiático.

Todas as transformações a que hoje assistimos foram sendo gestadas lentamente, no decorrer da história da humanidade, que aprendeu a desenhar antes de escrever, desenvolveu sua sensibilidade e capacidade representativa nos mais diversos suportes, técnicas e linguagens, culminando, no século XX, com a criação uma avalanche de novas mídias que se sucederam incessantemente até o advento da hipermídia, às vésperas do século XXI. O código alfabético, portanto, recebeu e processou todos esses fluxos de informação.

“Com o crescimento e sofisticação da imprensa e da publicidade, a partir do início do século, novos campos de possibilidades, no tamanho e variação dos tipos gráficos e no uso substantivo do espaço, foram se abrindo rumo à exploração da natureza plástica, imagética, do código alfabético. Mais revolucionária, no entanto, seria a recente introdução desse código nos meios eletrônicos. Desde o videotexto, com a lenta varredura das letras em luz-cor, até a chegada dos computadores pessoais e domésticos, ‘recursos antes restritos aos profissionais do design gráfico, técnicos em tipografia ou em fotocomposição, complicados de usar ou com alto custo de produção se ampliaram e deixaram de ser obscuros para qualquer usuário...’ Além disso, já nos meios gráficos, impressos, também se assistia ao desabrochar de uma nova linguagem híbrida, entretecida nas misturas entre a palavra e a imagem diagramática e fotográfica. Agora, com a nova geração de designers gráficos que se deliciam na manipulação das letras, palavras, configurações

e desenhos nas telas informatizadas movidas a luz e cores que se multiplicam ao infinito, esse código híbrido já preenche todas as condições para se tornar dominante.” (SANTAELLA e NÖTH 1999: 68,69)

Para as análises que se pretendem neste estudo, deve ficar claro, no entanto, que identificar um signo classificando-o dentro de uma tipologia não demonstra, automaticamente, o modo ou o motivo pelo qual ele assumiu essa configuração dentro de um determinado contexto, nem tampouco determina, necessariamente, quais mudanças se seguirão na continuidade do processo de semiose.

Serão utilizadas, primeiramente, as classes de signos elaboradas por Peirce que foram explicitadas no capítulo I. Embora essa abrangente classificação de signos possa ser considerada suficiente para dar conta da maior parte dos desafios que a escrita apresenta atualmente, como já dissemos, elas se constituem em conceitos altamente abstratos e cujo instrumental teórico pode e será complementado pelos tipos de signos dos sistemas de escrita apresentados no capitulo III, que enfocam atributos sígnicos específicos da escrita, e cuja compreensão, acreditamos, pode apontar possíveis caminhos pelos quais a escrita venha a se desenvolver.

Os exemplos a serem analisados foram selecionados pelo critério da freqüência com que são utilizados, ou seja, foram escolhidos os tipos mais representativos das transformações mais usualmente observadas, por acreditarmos que esse critério adéqua os exemplos aos objetivos que guiam a pesquisa, e por acreditarmos, igualmente, que sua seleção e análise poderão contribuir para a compreensão teoricamente fundada das transformações da escrita na hipermídia.

Ao longo da pesquisa de casos práticos, tanto na Internet como no livro de David Crystal, “Txtng the gr8 db8” 46, que lista exemplos de mais de dez línguas diferentes, inclusive orientais, como o chinês, foi possível

46  O  livro  de  Crystal  lista  exemplos  em  inglês,  chinês,  tcheco,  holandês,  finlandês,  francês,  alemão, 

italiano,  português,  espanhol,  sueco  e  galês  (2008:  189‐229,  apêndices  A  e  B),  além  de  fornecer  endereços na web para busca de exemplos em outras línguas. 

observar que a escrita hipermidiática, em todos os países e culturas onde é usada, sofre grande influência do inglês, que como nos diz Chartier, foi transformado numa espécie de língua franca eletrônica, cujos procedimentos de simplificação da gramática, de invenção de palavras e de multiplicação de abreviaturas são usados de forma semelhante por outras línguas, embora isso não signifique o desaparecimento das características próprias de cada uma delas.

“De uma forma mais encoberta do que no caso das línguas inventadas no século XIX, o inglês, transformado em “língua franca” eletrônica, é uma espécie de língua nova que reduz o léxico, simplifica a gramática, inventa palavras e multiplica abreviaturas (do tipo I you).” (CHARTIER 2002: 17)

Outra característica observável, e que se deve, por um lado, ao forte conteúdo icônico dessas novas grafias, e por outro, ao crescente uso de signos semográficos, é a de que essas novas formas têm algo de língua universal, que procura expressar o pensamento humano de maneira não- verbal, supra-lingüística. Como bem ressalta Chartier,

“Por um lado, o texto eletrônico reintroduz na escrita alguma coisa das línguas formais que buscavam uma linguagem simbólica capaz de representar adequadamente os procedimentos do pensamento. (...)

É o caso da invenção dos símbolos, os emoticons, como se diz em inglês, que utilizam de maneira pictográfica alguns caracteres do teclado (parênteses, vírgula, ponto e vírgula, dois pontos) para indicar o registro de significado das palavras: alegria:-) tristeza :-( ironia ;-) ira :-@... ilustram a procura de uma linguagem não-verbal e que, por essa mesma razão, possa permitir a comunicação universal das emoções e o sentido do discurso.” (CHARTIER 2002: 16,17)

Se no início, o computador cumpria muitas das funções que eram realizadas em papel, com o desenvolvimento de toda uma geração de gadgets para a comunicação interpessoal, a e-escrita assumiu uma forma de oralidade que até então pertencia exclusivamente à fala. Até o advento desses aparelhos, fala e escrita estavam separadas por limites mais ou

menos definidos, ao passo que hoje se encontram lado a lado em chats, e- mails, messagers, etc.

Em conseqüência, o conceito de economia no que diz respeito ao código alfabético também passa por transformações. O alfabeto romano tem sido considerado uma ferramenta extremamente econômica em função de seu número limitado de caracteres possibilitar uma quantidade quase infinita de combinações. Essa economia sígnica foi sem dúvida de grande valia em diversos aspectos, entre os quais, a divulgação do alfabeto nos seus primórdios e a aprendizagem da escrita por um maior número de pessoas e culturas. No entanto, na hipermídia, já não é a economia da quantidade de caracteres que conta, mas sim a economia de tempo, a velocidade e a facilidade de digitar o texto escrito, necessidades que se impõem mais a cada dia.

2. PRECURSORES

Na poesia encontramos a linguagem verbal elevada à sua potência máxima, pela tentativa de expressar a miríade de sentimentos, emoções, sonhos e desejos humanos. Por esse motivo, nela encontram-se os precursores na exploração das potencialidades sígnicas da palavra. Tanto ao longo da história, como agora, com o advento da hipermídia, são os artistas e poetas os responsáveis pela exploração estético-vanguardista dos novos suportes da escrita.

“Ao longo da história humana, todas as vezes que houve mudanças no suporte da escrita, foram os artistas e poetas que tomaram a dianteira na exploração de seus potenciais para a criação. Na continuidade dessa tradição, hoje são os artistas e poetas que estão extraindo das novas mídias características inéditas da escritura, tanto no nível da aparência da escrita quanto no nível de seu sistema de codificação interno.“ (SANTAELLA, 2007a: 333)

Os artistas, verdadeiros faróis da humanidade, sempre demonstraram essa capacidade de expandir nossos horizontes sígnicos em movimentos artísticos que propunham investigar as potencialidades latentes dos mais

diferentes tipos de linguagens. No que tange à palavra escrita, Pignatari nos diz que uma verdadeira “ideografia ocidental” foi inaugurada no século XX, expressão que traduz com clareza muitas das transmutações que se processam atualmente na sua codificação:

“Nos fins do século passado e começos do presente, a palavra escrita impressa havia atingido o ponto máximo de sua curva ascendente, enquanto meio hegemônico de comunicação de massa, e algumas de suas manifestações (como o cartaz publicitário e o Un coup de dés) já eram índices de que ela estava inaugurando um novo mundo da codificação - o moderno mundo da ideografia ocidental.” (PIGNATARI 1979: 84)

Dessa forma, os séculos XIX e XX foram férteis em explorações espaciais, gráficas e tipográficas inovadoras, e muitos artistas e poetas poderiam ser citados como precursores ou, melhor ainda, como exploradores de vanguarda das potencialidades sígnicas do conjunto de sistemas verbivocovisual de que se vale a linguagem verbal para expressar-se. Na impossibilidade de citá-los todos, alguns deles são: Edgar A. Poe (1809- 1849), Stéphane Mallarmé (1842-1898), Machado de Assis (1839 - 1908), Guillaume Apollinaire (1880-1918), James Joyce (1882-1941), Vicente Huidobro (1893-1948), e.e.cummings (1894-1962) e Ezra Pound (1885- 1972), e o movimento da poesia concreta. A seguir examinaremos alguns exemplos mais detalhadamente.

2.1. Edgar Allan Poe

A obra de Poe (1809-1849) inspirou três dos maiores poetas franceses: Baudelaire, Mallarmé e Valéry. Escritor, jornalista e tipógrafo, utilizou em seus contos procedimentos de linguagem que operam sobre a própria materialidade dos signos verbais.

Uma grande obsessão de Poe foram os processos de espelhamento e reversão dos signos. No famoso poema The raven, a estrofe que diz: “Quoth the raven, "Nevermore!"”, se repete diversas vezes no poema. Raven, que significa corvo em inglês, é um anagrama de never (nunca), a palavra que o

corvo repete insistentemente. Em O escaravelho de ouro, o personagem William Legrand vai morar sozinho numa ilha chamada Sullivan Island, que possui quase todos os fonemas do nome do personagem.

“Trata-se de uma espécie de manuseio que se processa na medula da maquinaria combinatória dos fonemas e estruturas lingüísticos, produzindo jogos fônicos e sintáticos os mais diversos (figuras de som e sentido ou de forma e sentido) que, em Poe, vão apresentar como constante aquilo que poderia ser chamado de obsessão pelos processos de inversão ou reversão do signo sobre si mesmo. (...) E, em termos sonoros, trata-se... [de] interações, junturas e revérberos de som e sentido, onde a poesia continuamente instala os seus parentescos e afinidades eletivas entre significante e significado, contestando, pelo menos em seu domínio específico, o postulado saussuriano da arbitrariedade do signo lingüístico. É infinito o número desses procedimentos em Poe...” (SANTAELLA 1986: 179,180)

Sob a luz da semiótica, acreditamos que a influência de Poe foi tão grande devido ao fato dele saber tão bem que o verbal pode se expressar também de formas icônicas e indiciais, que se encontram encapsuladas no simbólico, e que ao serem evidenciadas, tecem “malhas pluralistas de linguagem” em operações intersemióticas.

“... consideramos, ao contrário (para sermos mais fiéis às operações intersemióticas), que o próprio E. A. Poe sabia muito bem que o verbal não precisa sair de si mesmo para encontrar outros códigos, pois os níveis icônicos e indiciais (formas, imagens, desenhos, diagramas, pegadas, bússolas de orientação...) já se encontram encapsulados, embutidos no próprio verbal. Poe vira, na realidade, o verbal pelo avesso, desentranha-o, desnuda-o, fazendo aflorar as camadas não-verbais em igualdade de direitos e numa convivência democrática com o verbal, criando tecidos híbridos e espessos, malhas pluralistas de linguagem.” (SANTAELLA 1986: 183)

Um fato inusitado merece destaque: Poe chegou mesmo a inspirar Peirce (1839-1914), que ensaiou criativamente experimentos no campo da “arte quirográfica” (MS 1.539), “enriquecendo de novas dimensões a palavra escrita e sugerindo novas correspondências aos níveis falado e sonoro”, que

como bem comenta Pignatari, mostram que “na mente e sensibilidade de Peirce, coerem teoria e prática”:

“trata-se de algo assim como iluminuras expressionistas, que vão tecendo comentários não-verbais ao poema O corvo, de Poe... e a um texto que me parece a abertura de um salmo (“Estranhas coisas se murmuram de ti, Sião, cidade de nossa rainha”)...

As aparentes garatujas introduzem no poema, ou melhor, extraem dele ícones interpretativos, transcodificando-o em outro nível semiótico por meio de acidentes e ligaduras que conferem ao todo estranhas vibrações. As palavras e versos se ligam mediante uma sintaxe visual direta sobreposta à sintaxe verbal e à sintaxe analógica (correspondências sonoras e grafo- tipográficas) inerentes ao poema. Certos traços, como que interrogativos, ficam suspensos no vazio, pensamento não-verbal; palavras e grupos de palavras se associam iconicamente em relações visuais novas. Ícones de terror vibram, além do verbal: novos significantes icônicos para os significantes verbais.” (PIGNATARI 1979: 52)

À esquerda, o poema de Poe em que Peirce fez as intervenções quirográficas (in BRENT 1998: 330). À direita, o salmo submetido ao mesmo experimento, publicado em negativo (in PIGNATARI 1979: 51).

2.2. Stéphane Mallarmé

Poeta francês, Mallarmé (1842-1898) participou do movimento simbolista, e promoveu uma renovação da poesia na segunda metade do século XIX, sendo que sua obra caracteriza-se pela experimentação gramatical e espacial da língua. Un coup de dés (1897), um de seus poemas mais conhecidos, é composto de versos livres e tipografia revolucionária, tendo sido de importância seminal para o movimento da poesia concreta, pelo caráter diagramático da linguagem verbal que buscou evidenciar:

“os poetas concretos compreenderam como poucos que o Lance de dados transpôs o limiar da escrita ocidental como mero desenho do som para uma indagação aberta no seio do possível e impossível da escritura. Em virtude disso, o aspecto visual do poema de Mallarmé é apenas uma conseqüência superficial de uma revolução mais visceral que aquilo que os olhos podem perceber. A questão mallarmeana diz respeito a outro tipo de visualidade, a visualidade estrutural ou diagramática. Toda grande poesia, mesmo oral, e principalmente a música (não por acaso foram as sinfonias que inspiraram Mallarmé), é portadora dessa visualidade que só pode ser sentida na sincronicidade dos sentidos. Trata-se dos diagramas internos, fluxos e refluxos das analogias, força de atração e repulsão das semelhanças e diferenças, energias do tempo e do espaço, tudo isso configurado nas malhas da linguagem, o que tem muito pouco que ver com o visual meramente ótico.” (SANTAELLA 2007: 341)

2.3. Poesia concreta

A poesia concreta impôs-se como a expressão mais viva e atuante da vanguarda estética brasileira a partir dos anos 50. O grupo formado por Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, foi quem deu o pontapé inicial na exploração da sintaxe espacial e verbivocovisual da palavra, que teve representantes em muitos outros países.

Os trabalhos são regidos pela idéia de extrema condensação, ocupando a página com uma diagramação calculada que procura, para além da sintaxe tradicional das palavras, outras articulações e um ritmo mais propriamente plástico. Os textos são compostos especialmente pela

fragmentação e/ou fusão de palavras, com exploração da tipografia e das diferentes cores em que são impressas as palavras de um mesmo poema. Os poemas caracterizam-se pela sua natureza experimental, fruto da procura constante de novas soluções de linguagem.

Precisamente neste aspecto, é que a poesia concreta pode ser considerada como precursora das transmutações da escrita que hoje se processam, já que seus procedimentos buscam atingir e explorar as camadas materiais do signo: o som, a letra, a linha, a superfície da página, a cor, a tipografia, e, por isso, levam a comunicação dos sentidos a se perfazer no nível da própria estrutura verbo visual.

“A poesia Concreta posicionou-se como uma poética da objetividade, tentando, simplesmente, posicionar suas premissas nas raízes da linguagem, com a intenção de criar novas condições operacionais para a elaboração de um poema na esfera da revolução tecnológica. Tecnicamente, os poetas concretos podem ser distinguidos de seus antecessores pela radicalização e condensação dos meios de estruturar um poema, no horizonte dos meios de comunicação da segunda metade do século. Isso implica, entre outras características, no seguinte... explicitar a materialidade da linguagem nas suas dimensões visual e sonora; passagem entre os níveis verbal e não- verbal.” (AUGUSTO DE CAMPOS apud FRANK 2004: 155, grifos nossos)

Em função da poesia concreta ter se desenvolvido no seio da revolução tecnológica do século XX, muitos de seus poemas serviriam de exemplo no presente estudo. Três deles, no entanto, merecem destaque pela forma como antecipam usos que hoje se desenvolvem na hipermídia.

O primeiro é um poema que explora a iconicidade de alguns sinais que estão presentes nos teclados dos computadores, e que igualmente se encontravam nas máquinas de escrever. Ele aparece citado por Solt (1969:85) e pode ser considerado um precursor, um verdadeiro “avô” dos emoticons, pois a cada estrofe, sinais e letras vão formando a expressão facial de um sorriso. Seu autor, o poeta concreto norte-americano Robert Creeley, enviou-o numa carta a Jonathan Williams, outro poeta concreto, em

1954, e após mencionar seu título “Hi There!” acrescentou uma nota desconfiada: “Talvez eu esteja ficando louco?”. Williams comenta que o poema é um dos menos conhecidos do autor, e que recebê-lo foi um deleite, abrindo um novo mundo de possibilidades para ele.

O segundo são os Poemóbiles (1968, 1974) de Augusto de Campos e Julio Plaza, um livro com doze poemas em folhas soltas que rompem a bidimensionalidade da escrita, tornando-se tridimensionais por meio de cortes, dobraduras e montagens no papel.

“Poemóbiles são coreografias de formas e cores que se atualizam à medida que o leitor movimenta as páginas duplas de um livro desamarrado. Ao abrir cada uma das páginas soltas, as cores-formas vão surgindo como palavras, combináveis, recombináveis, livres no ar, entre os brancos, vazios do espaço. Sem deixar de ser palavra, a palavra salta de leito plano sobre o papel e passa a existir como corpo volumétrico que se mexe como coisa viva.” (SANTAELLA 2007: 344)

Fotos: página de abertura de Poemóbiles e alguns poemóbiles abertos 47.

Outro poema que merece destaque é o de Philadelpho Menezes (1991), que de forma original descobre, no negativo da foto do número 612309 em uma calculadora, a palavra POESIa. Nas análises do capítulo V veremos como números e letras se aproximam na hipermídia de formas antes inimagináveis.

2.4. E-poetry

Na e-poetry ou e-poesia, também chamada de ciberpoesia e infopoética, os autores se valem das possibilidades do hipertexto para reconfigurar completamente a linguagem, fugindo de sua dimensão linear. Todas as possibilidades que foram exploradas até então, parecem simples ensaios se comparadas aos recursos tecnológicos disponibilizados pela confluência das mídias. Antônio Risério, antropólogo, poeta e ensaísta mostra como essas novas formas escriturais se insubordinam perante a escrita alfabética, recorrendo a toda uma gama de dispositivos extralineares para festejar a liberdade dimensional da linguagem:

“Os textos produzidos a partir dessas formas escriturais - trazendo-nos à lembrança, aqui e ali, antigas inscrições chinesas, egípcias e astecas - escapam ou destoam, como já disse, de uma tradição milenar, desenho histórico que vem dos embriões mesopotâmicos da escrita ou, se preferirem passar ao largo dos sinais sumero-acadianos, dos primeiros alfabetos consonantais e vogais da Fenícia e da Grécia, respectivamente. Tal insubordinação gráfica diante da fonetização da escrita e da imposição cultural da Ordem Alfabética - recorrendo a toda uma gama de dispositivos extralineares de inscrição textual, quando figura e letra se co-ordenam numa configuração sígnica peculiar, ou a própria letra vem a ser submetida a operações pansemióticas -, engendra assim uma poesia que quer, procura, afirma e festeja a liberdade dimensional da linguagem. Graças a essa irrupção contra a rigidez foneticista, contamos hoje com uma produção textual criativa que reflete, expressa e critica a realidade sígnica global da sociedade contemporânea.” (RISÉRIO 1998: 163)

Risério, ao examinar o impacto do uso das tecnologias computacionais sobre a poética em contextos digitais, ou ainda, “na práxis escritural contemporânea” como ele a chama, enumera três principais características:

1º) A possibilidade de articulação conjunta na composição textual das representações icônicas e simbólicas, no sentido peirceano dos termos.

Essa é uma característica que na escrita, se apresenta com bastante freqüência nos links e hiperlinks, onde ao clicar-se numa palavra, temos as imagens e sons a elas associadas:

“De saída, a possibilidade da articulação, numa composição textual, do conjunto ícone/símbolo, no sentido semiótico desses termos. Vale dizer, ícone=representação analógica do objeto, como um desenho realista ou uma fotografia; símbolo=representação arbitrária, socialmente instituída, como no caso da palavra.” (RISÉRIO 1998: 159)

2º) A possibilidade de iconização da própria escrita, através da adaptação de