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CAMax CAB

2.3 Operações Interligadas

O caput do Art. 1º da Lei 10.209/86 do Município de São Paulo, também chamada de Lei do Desfavelamento, sancionada pelo então prefeito Jânio Quadros, diz:

Os proprietários de terrenos ocupados por favelas ou núcleos poderão requerer, à Prefeitura do Município de São Paulo, a modificação dos índices e características de uso e ocupação do solo do próprio terreno ocupado pela favela, ou de outros, de sua propriedade, desde que se obriguem a construir e a doar, ao Poder Público, habitações de interesse social para a população favelada, observado o disposto nesta lei. (grifo nosso)

As Operações Interligadas (OI) foram concebidas como instrumento de planejamento urbano por meio da parceria entre a iniciativa privada e o poder público para o financiamento da política habitacional de baixa renda do município de São Paulo, sendo a primeira oportunidade na qual o conceito de Solo Criado foi utilizado na prática7.

Em linhas gerais, as OIs permitiam que proprietários de imóveis ocupados por habitação subnormal obtivessem o direito de construir acima do CAB, contudo construindo previamente unidades de Habitação de Interesse Social (HIS) em outra região, daí a denominação „interligada‟, que seriam doadas ao Poder Público Municipal como contrapartida pelo benefício auferido. Tais unidades habitacionais

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Para mais informações sobre esses instrumentos ver GAIARSA (2010)

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seriam utilizadas para remover e acomodar todas as famílias carentes da área original.

O planejamento e a proposição da OI eram realizados pelo proprietário do terreno, ou por chamamento à iniciativa privada quando o terreno era de propriedade pública, e submetidos à aprovação do Executivo Municipal com base em estudos previamente realizados que contemplavam: i) a viabilidade econômica do projeto; ii) o cadastramento das família ocupantes; iii) o plano de construção das unidades de HIS e iv) o plano de uso e ocupação do terreno do proprietário proponente.

Mais tarde houve significativa alteração do mecanismo das OIs quando a Lei 11.773/95 promulgada pelo então prefeito Paulo Maluf e que dispõe sobre o direito à moradia, determinou que a contrapartida anteriormente paga em HIS fosse quantificada em recursos monetários a serem destinados ao Fundo Municipal de Habitação.

A aprovação do projeto que propunha as modificações no zoneamento bem como o valor da referida contrapartida continuavam sob a competência do Executivo Municipal.

Os recursos financeiros dessa forma destinados ao Fundo Municipal de Habitação só poderiam ser utilizados para a construção de HIS executada pela prefeitura, direta ou indiretamente.

Em 1998 as OIs foram suspensas e finalmente declaradas inconstitucionais em 2001 por desobedecerem à lei do zoneamento municipal, uma vez que a competência para definir e/ou alterar parâmetros urbanísticos, como os coeficientes de aproveitamento, era do Legislativo Municipal e não do Executivo.

Não obstante isso, também havia suspeita de que existiam OIs que beneficiavam donos de imóveis não ocupados por favelas, o que motivou a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo em 2001 denominada de CPI das Operações Interligadas.

No Rio de Janeiro, a Lei Complementar Municipal nº 16, de 4 de junho de 1992, previu a criação de OIs e as definiu em seu Art. 28 como sendo “[...] a alteração pelo Poder Público, nos limites e na forma definidos em lei, de determinados parâmetros urbanísticos, mediante contrapartida dos interessados igualmente definida em lei”.

A contrapartida também deveria ser calculada proporcionalmente à valorização imobiliária incorrida pelo empreendimento projetado e poderia ser paga na forma definida pelo Art. 29 da referida lei:

i) recursosfinanceirosdestinados ao Fundo Municipal de

Desenvolvimento Urbano, ii) obras de infraestrutura urbana, iii) terrenos e HIS e

iv) recuperação do meio ambiente ou patrimônio cultural.

A Lei Ordinária Estadual nº 2.128 do Estado do Rio de Janeiro, de 18 de abril de 1994, que regulamenta o instituto da OI, classificou essas operações em três categorias com o objetivo de avaliar a contrapartida a ser paga:

i) propostas que se caracterizam como de interesse do Poder Público;

ii) propostas que se caracterizam como de interesse particular e não causem inconveniente ao interesse do Poder Público e

iii) propostas que se caracterizam como de interesse particular e, existindo, possa ser removido eventual inconveniente ao interesse do Poder Público.

A competência para autorização da OI dependia de sua categoria: no primeiro caso dava-se por ato do Executivo Municipal; nos demais casos era necessária a aprovação de lei para sua implementação.

Ainda assim, o referido ato do Poder Executivo poderia ter sua validade sustada pelo Legislativo Municipal no prazo de até 60 dias da publicação do ato original.

Embora houvesse uma sensível diferença em relação à legislação paulistana que sequer previa a apreciação dos instrumentos das OIs pela Câmara Municipal, o Ministério Público do Rio de Janeiro também promoveu ação de inconstitucionalidade pelo mesmo motivo observado em São Paulo.

Considerando seus objetivos, vários trabalhos desenvolvidos desde então sobre as OIs (e também sobre as OUs/OUCs) discutiram os resultados a partir da análise pormenorizada de cada operação. Do ponto de vista do alcance dos objetivos sócio-espaciais é muito frequente observar afirmações que denotam a prevalência dos interesses econômicos, como no relatório da CPI das Operações Interligadas de São Paulo, que as considerou submetidas

[...] aos objetivos do mercado imobiliário, pela perspectiva de lucro que se potencializou com o advento da nova lei. Conferiu-se à forte

indústria da construção civil, concessões urbanísticas que implicariam em derrogações à Lei de Zoneamento, em troca de

recursos destinados à área habitacional.”8

Corroborando essa ideia, FIX (2000a) afirma que as regiões nas quais o interesse do mercado imobiliário9 está presente têm coincidente concentração de OIs, consequentemente gerando uma sobrecarga na infraestrutura urbana que, por sua vez, exige um maior volume de recursos para o seu reequilíbrio do que aqueles originalmente previstos para a construção das HIS.

No mesmo trabalho FIX avalia que as OIs produziam efeitos restritos, orientados para empreendimentos imobiliários isolados e incapazes de alcançar o contexto urbano do seu entorno. É de se imaginar, portanto, que as manifestações de interesse por parte da iniciativa privada para a constituição de OIs partiam do pressuposto da viabilidade do empreendimento para o investidor privado que, por sua vez,considerava o contexto urbano da área a ser submetida à operação. Consequentemente, áreas com maior capacidade de agregar valor ao projeto imobiliário pela disponibilidade de infraestrutura pré-existente no seu entorno seriam priorizadas àquelas áreas carentes de grandes intervenções urbanísticas. Nisso o mecanismo das OIs demonstra-se limitado para a realização de projetos de requalificação e reintegração de grandes áreas ao tecido urbano.