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2.2 Fala se ensina?

2.2.1 A oralidade nos PCN

A apresentação da necessidade de se estudar as modalidades oral e escrita da língua pelos PCN de língua portuguesa para o ensino fundamental teve, entre outras consequências, a problematização do ensino da oralidade e o aumento de pesquisas voltadas para o ensino da linguagem oral. Os PCN de Língua portuguesa apresentam dois importantes eixos de ensino do português: Língua escrita: uso e reflexão e Língua oral:

uso e reflexão.

Seguindo a mesma concepção de língua como atividade social presente nos PCN de língua portuguesa para o ensino fundamental, os PNCEM apresentam como objetivo fundamental para o ensino de português na educação básica possibilitar o aluno a

desenvolver competências que o façam atuar na sociedade, permitindo-o comunicar-se com segurança e expressar seus pontos de vista em relação ao mundo. Assim, os PCNEM

afirmam que “a situação formal da fala/escrita na sala de aula deve servir para o exercício da fala/escrita na vida social. Caso contrário, não há razão para as aulas de Língua Portuguesa” (BRASIL, 2000, p. 22).

Fica claro que, para os PCNEM, o indivíduo não se vale apenas da linguagem escrita para agir em sociedade, pois muitas intervenções socais são feitas pela oralidade. É importante compreender, portanto, que, para alcançar os objetivos dos PCN de formação de sujeitos críticos, capazes de se expressarem por meio de textos orais e escritos em situações de interação públicas e formais, é necessário dar voz ao estudante, concebendo- o como “cidadão de direitos. Isso implica uma nova visão, por parte dos educadores de quem são seus alunos” (BENTES, 2013, p. 45). Os estudantes precisariam ser percebidos como sujeitos de seu discurso, pessoas com opiniões e experiências que necessitam de espaço nas salas de aula para socialização, debate e amadurecimento. Assim, é fundamental que ações que promovam práticas de oralidade sistemáticas que possam desenvolver a capacidade crítica dos alunos estejam pautadas nos direitos humanos e na igualdade entre os cidadãos.

(...) em uma sociedade como a nossa, que reivindica para si a qualificação de democrática, o exercício orientado de determinadas práticas orais na escola (mas também fora dela) precisaria estar pautado pelos princípios da igualdade de todos perante a lei, da liberdade de expressão e da fraternidade de uns para com os outros.(BENTES, 2013, p. 41)

Não é possível, a partir dessas noções, pensar em um ensino do oral desligado dos contextos de vida dos estudantes e da cidadania. Ensinar oralidade em sala de aula é também promover debate sobre relações sociais, comportamentos verbais e papéis sociais, aspecto fundamental para alunos que se encontram na etapa do ensino médio e se preparam para a vida extraescolar. Ensinar oralidade, nesse sentido, é também possibilitar ao aluno confiança em suas práticas interacionais em contextos variados, inclusive formais e público. Por isso, ensinar oralidade vai além de falar sobre conteúdos importantes sem sistematização ou reflexão sobre o modo de enunciação. É fundamental que haja uma conscientização sobre os gêneros orais (forma e função), e também sobre os recursos da oralidade adequados a contextos (estilo). Não é suficiente pedir ao aluno que se expresse livremente a respeito de uma questão, é necessário que o ensino de oralidade seja sistemático, levando-se em consideração os gêneros formais e públicos para ampliar a competência textual-discursiva dos alunos.

Ambas as modalidades precisam ter espaço nas salas de aula, e os usos e a reflexão linguística precisam ser elementos de estudo. Em uma perspectiva similar de organização às orientações para o ensino fundamental, mas com os conteúdos e a profundidade de análise coerentes com o ensino médio, os eixos orientadores para o ensino de língua portuguesa no ensino médio, segundo Orientações Curriculares Nacionais para o ensino médio, são: (i) Atividades de produção e recepção de textos e (ii) Foco nas atividades de

análise. Os PCN apresentam o eixo do estudo dos usos (produção e compreensão) e o

eixo do estudo da análise linguística, sempre vinculada a um texto, sendo o texto objeto de ensino das aulas. A oralidade é apresentada nas seguintes propostas para o eixo de

produção e recepção (BRASIL, 2006, p. 37-38): Atividades de produção de textos

(palestras, debates, seminários, teatros, etc) em eventos da oralidade; Atividades de escuta de textos (palestras, debates, seminários) em situações de leitura em voz alta;, Atividades de retextualização: produção escrita de textos, a partir de outros textos, orais ou escritos, tomados como base ou fonte; Atividades de reflexão sobre textos orais ou escritos, produzidos pelo próprio aluno ou não. Pode-se perceber, nesta lista de

atividades, a importância para atividades de produção e de compreensão de textos, assim como atividades de análise de recursos linguísticos aplicados a situações de interação.

Iremos, neste trabalho, analisar apenas as propostas de atividades de produção de textos em eventos de oralidade.

No eixo das atividades de análise (BRASIL, 2006, p. 38-39), são objeto de

reflexão, em textos orais e escritos, os elementos pragmáticos envolvidos nas situações

de interação em que emergem os gêneros de estudo e sua materialidade – os textos em análise; estratégias textualizadoras; mecanismos enunciativos; e intertextualidade21.

Esses são elementos de análise extremamente importantes para o ensino da oralidade e da escrita e precisam estar presentes nos livros didáticos.

Crescitelli & Reis (2013) apresentam três perspectivas de trabalho com a oralidade em sala de aula importantes para compor um currículo que apresente a oralidade de maneira sistemática no ensino fundamental e no ensino médio: observação e análise da oralidade; o trabalho que parte da fala para chegar à escrita; o trabalho especificamente com a variação linguística. Confrontando a proposta das autoras e os PCN, percebe-se que o ensino sistemático da oralidade precisa promover ações:

(A) no eixo de escuta e reflexão sobre a oralidade, com atividades de escuta,

compreensão e análise sobre textos orais em variados gêneros (entrevistas e seminários, por exemplo), com foco sobre as características verbais e não-verbais que permeiam a construção do gênero e o sentido do texto. Para isso, seria interessante o professor utilizar ferramentas que o possibilitem levar à sala de aula gravações de textos reais para serem analisados pelos estudantes;

(B) nas relações entre oralidade e escrita, configurando uma proposta de ensino possivelmente baseada na oralização de textos escritos ou na sugestão de Marcuschi (2001a) e Dell’Isola (2007) sobre a retextualização22. Práticas escolares que busquem esclarecer as relações entre oralidade e escrita precisam acentuar as semelhanças entre as modalidades, minimizando mitos que segregam a oralidade a segundo plano, além de fazer o aluno reconhecer a necessidade de adaptar ou manter recursos linguísticos e estratégias discursivas na passagem de uma modalidade para outra ou de um registro para outro, e perceber que essa imbricação entre as modalidades é frequente nas interações sociais;

21 Há, ainda, nesse documento a apresentação da reflexão sobre Ações de escrita. Entretanto, essa não é uma possibilidade de análise para textos orais.

22 Como apresentado no tópico anterior, reconhecemos que há uma grande diferença entre práticas de oralização de textos escritos e práticas de retextualização. Achamos conveniente alocar essas duas práticas na atividade de exploração das relações entre oralidade e escrita, pois ambas permitem ao falante formar uma consciência sobre as adaptações de recursos linguísticos e extra-linguísticos necessários para a realização de textos em uma modalidade e em outra.

(C) na produção de textos orais, possibilitando ao estudante conhecer e realizar

textos em gêneros públicos e formais que possivelmente vão utilizar em sua vida cidadã. Esse tipo de atividade precisa ser realizada de maneira sistemática, de modo a possibilitar ao aluno compreender as condições de produção do texto, as funções, e os elementos linguísticos e extralinguísticos dos quais poderá fazer uso e a composição temática, estrutural e de estilo do gênero a ser realizado;

(D) na conscientização da existência de variantes linguísticas, adequadas a

variados contextos de produção e a variados gêneros textuais, tanto na fala quanto na escrita, sem o caráter prescritivo normalmente utilizado em sala de aula. Esse aspecto é importante para as práticas orais, quando se percebe que, apesar da existência de variação linguística na fala e na escrita, a variação é notada com mais facilidade na fala. Além disso, esse eixo de ensino da oralidade precisa conscientizar o estudante da existência e da necessidade de convívio com as múltiplas variantes linguísticas existentes.

Essas orientações de atuação em relação à oralidade consideram importantes

aspectos da produção e compreensão de textos, associados à situação de interação, bem como a necessidade de apresentar as relações entre as modalidades da língua e ainda a importância de um esclarecimento sobre a variação linguística, a fim de minimizar preconceitos linguísticos. Adotamos, então, essa divisão metodológica entre as atividades voltadas para a oralidade: (A) compreensão e análise de textos orais, (B) relações entre oralidade e escrita, (C) produção de textos orais, (D) variação linguística. Neste trabalho, a análise recai sobre o ponto C. É evidente que haverá interligações entre os pontos, uma vez que algumas propostas de produção de textos orais podem partir de compreensão

de textos-modelo (A), ou alguns gêneros orais trabalhados vão possuir uma associação

profunda com a escrita, necessitando até mesmo de eventos de letramento e retextualização ou oralização na produção de gêneros orais (B), ou mesmo alguns textos precisarão de um esclarecimento sobre a questão da escolha de uso de variantes diversas em um mesmo gênero oral, o que ocasionará efeitos de sentido diferentes (D). Essa divisão, entretanto, tem como critério definidor a intenção maior da atividade: se é a produção de um texto pelos alunos, ou a análise de variantes linguísticas, por exemplo.