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COLEÇÃO 3 Ser protagonista: Português

4.2 Gêneros orais e propostas de produção de textos 1 Propostas de produção de Seminários

4.2.5 Proposta de produção de Júri simulado

Há, em apenas uma das coleções analisadas, propostas de produção de júri simulado. Essas propostas não aparecem em capítulos destinados ao ensino do gênero textual - como acontece nessa coleção para os outros gêneros orais -, mas em projetos feitos ao final de unidades. Logo, as orientações traçadas para a produção do júri simulado não estão tão detalhadas no livro quanto as apresentadas para os gêneros textuais que fazem parte dos capítulos regulares. Um dos projetos de realização do júri simulado intitula-se “Tiradentes: culpado ou inocente?” e está situado no Volume 1 da coleção, após a unidade 4, ao final do livro. O outro projeto tem como título “Capitu no tribunal” e está situado no volume 2, após a unidade 3. Percebe-se que os réus (Tiradentes e Capitu) escolhidos pelos livros são representativos de duas áreas do conhecimento ensinado na escola: a história e a literatura, respectivamente. Assim, os personagens que irão ser colocados em julgamento são significativos para um trabalho escolar e, além disso, possibilitam a interdisciplinaridade de conhecimentos.

É importante perceber que o gênero júri simulado, desde o nome, deixa clara a transposição de uma prática presente em situações reais de comunicação (o júri) para uma situação de ficcionalização (o ensino de um conteúdo por meio do uso de elementos desse gênero). Por simulado, compreende-se que não será produzido exatamente o gênero júri, mas apenas serão utilizadas algumas características desse gênero na produção de um texto oral que serve ao processo de ensino-aprendizagem. O texto escolar categorizado como um júri simulado não terá mais como função o julgamento de algum réu: será, ao mesmo tempo, uma forma de interação entre sujeitos e instrumento de aprendizagem de conteúdos. Sobre essa questão, afirmam Dolz e Schneuwly:

A particularidade da situação escolar reside no seguinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdobramento que se opera em que o gênero não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem. O aluno encontra-se, necessariamente, num espaço do “como se”, em que um gênero funda uma prática de linguagem que é, necessariamente, em parte fictícia, uma vez que é instaurada com fins de aprendizagem. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 76).

É evidente que transformações no gênero, principalmente em suas funções, ocorrem em todos os gêneros que, na escola, são usados como instrumento de aprendizagem, quando, em outros contextos, apresentam objetivos fundamentais variados. Porém, no grupo de gêneros orais analisados nesta pesquisa, muitos possuem funções básicas relacionadas à exposição de informações, o que talvez lhes facilite a didatização. Apenas o júri simulado, o debate e a conversa telefônica não têm, no cotidiano, objetivos relacionados à divulgação e reflexão sobre conhecimento científico. Essa é a importância de se esclarecer o deslocamento de objetivos atrelados a uma inclusão desse gênero no contexto escolar. Segundo Calvalcante e Melo (2006, p. 185), “(...) o ‘júri simulado’, como a própria denominação lhe propõe, diz respeito à transposição de um gênero de outro domínio, o jurídico, para o contexto da escola”.

O projeto “Tiradentes: culpado ou inocente?” inicia-se com uma imagem e, abaixo, algumas perguntas sobre a Inconfidência Mineira. Na página seguinte, a primeira seção de orientação para a atividade chama-se “Júri simulado” e tem como proposta a busca por informações sobre o conceito de povo, de cidadão, de lei e de constituição a partir das ideias Iluministas. O livro apresenta algumas referências bibliográficas para estudo. Assim, o primeiro passo para a construção do júri simulado no livro é a pesquisa, que, nesse ponto, apresenta-se como similar às primeiras orientações dos demais gêneros orais formais e públicos analisados.

A segunda seção, “Na balança, fatos e argumentos”, reitera a necessidade de pesquisa para preparação do texto oral, mas desta vez a pesquisa seria realizada em outra mídia: os filmes. Várias obras cinematográficas em que são encenados julgamentos são sugeridas, para que o aluno possa analisar a argumentação utilizada no contexto de júri. Na terceira seção, são distribuídos os personagens históricos em papéis ou funções no tribunal. Na simulação do júri, os alunos precisariam atuar como as figuras históricas interagindo em um contexto de julgamento. A situação de comunicação é apresentada e explicada para que os discursos produzidos sejam coerentes com o pensamento da época. O tópico seguinte, e mais importante para a análise neste trabalho, apresenta as orientações para a montagem do júri simulado (Figura 10). Lendo com atenção as

orientações, pode-se perceber que são apresentadas as posturas sociais e linguageiras necessárias para que cada sujeito presente no contexto de julgamento aja adequadamente, conforme a função de seu personagem na situação comunicativa (juiz, testemunha, réu). O registro adequado e os protocolos linguageiros são apresentados, mas não há informações mais detalhadas sobre os recursos de linguagem utilizados em cada etapa de um júri simulado. Há considerações sobre a organização da sala e sobre as vestimentas utilizadas. Nada é indicado, entretanto, quanto ao conflito linguístico de se representar um grupo que utilizaria, em sua época, uma variante histórica diferente da utilizada na atualidade. Apesar de serem explorados alguns aspectos extralinguísticos importantes para a construção do gênero oral, pouco é expresso a respeito de recursos de linguagem, dos protocolos linguageiros e das etapas que constituem o gênero júri simulado.

O júri possui uma complexa rede de relações entre os participantes comunicativos e um denso ritual de organização, que se reflete na estruturação das contribuições linguísticas dos sujeitos presentes. Cada participante precisa seguir um determinado

script durante a interação para que não atrapalhe o andamento do julgamento. Os assaltos

de turno, por exemplo, são possíveis apenas entre participantes determinados, como ocorre entre os advogados. Em grande parte de produção oral em um tribunal, o sujeito que produz o texto oral não terá seu turno assaltado, mas precisará antecipar, em seu discurso, a reação do outro para, assim, criar uma argumentação forte. É necessário que os estudantes percebam, para a produção de um júri simulado, que a situação comunicacional em que ocorre esse gênero não entrevê um diálogo realizado de maneira espontânea, mas apresenta regras rígidas de organização de contribuições linguísticas.

Em uma situação de troca interlocutiva, a interação Ocorre face a face com o sujeito, detentor do direto à fala, precisa lutar por ela. Ele deverá perceber, através dos signos que o outro emite, se está agradando, se está sendo compreendido, se está prestes a ser submetido a um “ataque de turno”. Em sessões de julgamento de Tribunal do Júri, apesar de não haver um diálogo, no sentido corrente do termo, em alguns momentos, os Advogados assaltam o turno de outro Advogado, estabelecendo, mesmo que temporariamente, uma interlocução. Em situações monolocutivas, o outro não está presente ou não pode ou não deveria se pronunciar durante a troca. Porém, mesmo não podendo se manifestar verbalmente, é possível antecipar, como ocorre no Tribunal do Júri, argumentos do outro e simular um diálogo efetivo ou mesmo uma refutação por antecipação. (LIMA, 2006, p. 57).

Nos esclarecimentos apresentados no livro ao professor, há o objetivo geral da proposta de produção do texto oral: “a finalidade principal do júri simulado é envolver todos os alunos em uma atividade de argumentação oral, operando as informações que

eles tiveram em aulas do Arcadismo e em pesquisas.” (2011, p. 331). Percebe-se, aqui, que a finalidade dessa atividade não é a de ensinar sistematicamente a produzir o gênero, mas a de utilizá-lo como pretexto para o estudo da argumentação e do contexto ideológico do século XVIII.

Não há, na proposta, a apresentação das etapas de construção do júri simulado, apenas a orientação sobre a necessidade de pesquisa como etapa de preparação e a realização do júri simulado, considerando-se papéis sociais e registro e postura adequados para o contexto de produção do gênero. Não há, também, esclarecimento sobre recursos linguísticos que precisam ser utilizados em cada etapa do júri simulado. A estrutura

COLEÇÃO 01

composicional do gênero não é revelada. Compreende-se a escolha pela omissão dessas informações, uma vez que a função da atividade é a de exercitar a argumentação. No entanto, seria necessário, em um capítulo destinado aos gêneros textuais, explorar mais detalhadamente o gênero júri simulado para que, posteriormente, os estudantes pudessem fazer a atividade de maneira mais competente, pois conheceriam os recursos linguísticos e a estrutura composicional adequados ao gênero. O conteúdo temático é, portanto, o elemento mais explorado na proposta de produção de júri simulado. Utilizar filmes para despertar a consciência do estudante para a forma e para as funções de um júri é uma maneira de iniciar o trabalho com o gênero, mas não pode ser a única forma de apresentação da estrutura textual. É necessário haver esclarecimentos mais precisos para que, inclusive, o aluno esteja mais seguro de sua realização linguística no momento de apresentação do trabalho em aulas de português.

Certamente, não é difícil para o professor lembrar situações em que seus alunos foram mal avaliados num seminário ou num júri simulado porque não souberam apresentar oralmente o trabalho. Mas cabe perguntar se eles foram adequadamente orientados sobre o funcionamento desses gêneros. Muitas vezes, pedimos aos alunos que desenvolvam um seminário, mas não nos preocupamos em esclarecer o que é um seminário. Terminamos esquecendo que a forma de apresentação de um conteúdo tem um papel importante na construção do sentido. Ao final, acabamos avaliando mal o aluno que não soube apresentar bem o trabalho oralmente ou atribuímos a nota exclusivamente (ou com peso maior) pela avaliação da parte escrita, já que é frequente um texto escrito acompanhar a apresentação oral. (CAVALCANTE & MELO, 2006, p. 184).

O projeto “Capitu no tribunal” se inicia com uma figura, cena do filme O julgamento final, e, abaixo da figura, o esclarecimento de que se fará um julgamento de Capitu, personagem de Dom Casmurro. A mesma página possui um box que esclarece a mudança, ao longo do tempo, da lei sobre o adultério no Brasil. Na proposta de produção do júri simulado, o livro Dom Casmurro é percebido como “os autos”, por ser a única prova existente do possível crime. Como na proposta anterior, são elencados os personagens que participarão do júri simulado e lhes são dados os papéis no contexto de interação (ré, testemunhas, etc). A proposta apresenta a necessidade de se estabelecerem regras para o andamento do júri, a organização das réplicas e das falas dos sujeitos na produção do gênero. A preparação da sala, assim como na proposta anterior, é alvo de preocupação da coleção. É apresentada a disposição dos lugares na sala e a necessidade de que cada figura do tribunal esteja no seu lugar. O livro apresenta, ainda, alguns argumentos apresentados por supostos advogados de defesa e de acusação e por

testemunhas sob o caso de Capitu, em júri simulado promovido pelo jornal Folha de São Paulo em 1999.

Essa proposta, assim como a anterior, não utiliza como pressuposição o conhecimento do estudante sobre a interação linguísticas e as partes de um júri simulado. No entanto, a nova proposta tem como elemento motivador a reprodução de trechos de discursos produzidos por sujeitos que interpretavam papéis em um júri simulado de mesmo tema. Esse material, se bem explorado pelo professor, pode apontar recursos linguísticos interessantes para a produção do júri simulado em sala de aula. Os protocolos linguageiros também podem ser analisados a partir da construção textual expressa nesses textos apresentados na proposta.