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6.3 Memórias do processo de construção do referencial curricular amapaense a partir da

6.3.2 Organização do componente antes do RCA

Nesta categoria de análise buscamos evidenciar algumas singularidades de cada componente. Neste sentido, pedimos para os professores falarem um pouco de como o seu componente curricular estava organizado antes do RCA. Em meio às narrativas foi possível

evidenciar que houve perda de espaço de alguns componentes curriculares e outros foram legitimados, como podemos observar na fala abaixo:

Antes do RCA o componente estava ligado à área de linguagem e códigos, ele não era uma área autônoma, havia muito mais dúvidas em relação ao que deveria ser trabalhado e como ele poderia ser colocado dentro do sistema e a BNCC e o RCA propuseram uma legitimidade para esse componente curricular. Essa legitimidade veio porque houve um movimento muito grande, entre certas entidades que trabalham no Brasil (NUMÊNIO).

A fala de Numênio é riquíssima em informações. O primeiro ponto a destacar seria a suposta autonomia que foi dada ao componente pós-RCA. Em seções anteriores evidenciamos que o conceito de autonomia no âmbito da BNCC é dotado de discurso convincente, porque se utiliza de expressões que parecem valorizar a diversidade, no entanto, ancora-se na política neoliberal que pressupõe a negação das desigualdades sociais e impõe redução de investimentos no setor público, o que certamente não contribui para que as escolas possam receber condições adequadas para implementar a BNCC da forma como é apresentada.

Ao se pensar em autonomia, percebemos que no modelo político ela é controlada, tolhida, pouco ou nada tem a ver com a vontade dos sujeitos que estão no chão das escolas.

Nas palavras de Costa (2018), as mudanças que chegam à escola são fruto da vontade de organizações nacionais e internacionais que buscam uma nova modelagem para a política educacional. Nessa continuação, a introdução de padrões educacionais e a inclusão de novos autores tais como econômicos e sociais são traços da perda da autonomia escolar.

Outro aspecto importante na fala de Numênio diz respeito à legitimidade que o RCA deu ao seu componente. Evidentemente, essa suposta legitimidade veio como, ele próprio relata, por meio de um movimento de muita resistência, que não foi local, mas nacional, para que o componente pudesse fazer parte da própria BNCC.

Na fala de Numênio ainda encontramos a questão do reconhecimento do componente por meio da criação da diretriz de formação de professores alinhada à BNCC. Em um primeiro momento pode parecer que realmente constitui-se como um grande avanço para certos componentes, no entanto, o processo de implementação de um currículo de base nacional também afeta de forma direta os cursos de formação de professores. Assim, Nascimento (2018) explicita que todos os direcionamentos realizados no âmbito da elaboração dessa política afetará diretamente o processo de formação afetando consequentemente a aprendizagem dos educandos.

Dando seguimento às análises, encontramos um pequeno elemento que nos indica como se deu a forma inicial de elaboração do RCA:

Na verdade nós fizemos uma pesquisa pra produção do RCA, nós tínhamos o currículo da Secretaria de Educação que ele estava mais voltado para a questão cronológica. Se eu vou trabalhar Artes, por exemplo, primeiro eu trabalhava a arte antes da escrita, a arte rupestre, aí caminhamos para a arte egípcia, arte grega, chegamos até a Idade Média, passamos pela Arte Moderna aí chegamos à Arte Contemporânea. Aí quando você trabalha nesse sentido, até você chegar no Brasil, no Amapá, o aluno já vai entrar em outro ano, a ideia da BNCC é quebrar essa questão cronológica de ensino.

(MONALISA)

Aqui, é importante explicitar que a Portaria 333 de 5 de abril de 2018, que instituiu o ProBNCC e deu outras providências, delegou aos seus sujeitos envolvidos na comissão ProBNCC as competências de revisão ou elaboração de currículos. Nessa perspectiva, podemos compreender que, no que diz respeito ao RCA, alguns componentes curriculares foram elaborados e outros foram revisados à luz da BNCC. Nascimento (2018) evidencia que a BNCC como documento regulador constitui-se como uma referência para a elaboração ou adequação dos currículos e das propostas pedagógicas para as escolas.

Neste cenário, Costa (2018) destaca que os discursos em torno de um currículo de base única não é recente, pois a própria CF de 1988 abriu espaço no nosso ordenamento jurídico para o debate. Essa discussão, segundo Costa (2018), passou pelos PCN que consequentemente operacionalizavam as Diretrizes Curriculares Nacionais DCN, nas quais estava presente um intenso movimento em favor da centralização do currículo como forma de garantir a regulação do Estado.

Desta forma, Costa (2018) explicita que inúmeros mecanismos foram criados na tentativa de adequar as políticas curriculares às exigências e demandas econômicas mundiais e que, na prática, não existiam referências nessa proposta de currículo, apenas modelos prescritivos, racionalistas, centralizados em objetivos e formas de avaliar; características estas que também encontramos na BNCC.

Dando sequência a essa categoria, foi possível destacar das entrevistas dos professores que alguns componentes, mesmo com o processo de elaboração do RCA, foram pouco modificados. Neste sentido, quando pedimos para a professora Shely narrar a forma como se encontrava o seu componente antes do RCA, tivemos nas entrelinhas de sua narrativa a seguinte questão:

Ele não estava tão diferente, o que mudou foi a organização de blocos e anos e a inclusão de algumas unidades temáticas que a gente nunca viu dentro do componente como, por exemplo, as práticas corporais de aventura. Tivemos ainda muitas modalidades esportivas incluídas dentro do que já tínhamos que apenas ganharam nomenclaturas novas (SHELY).

Na BNCC e no RCA a organização por blocos e anos constitui-se como a forma de apresentação das unidades temáticas, dos objetivos e das respectivas habilidades defendidas para cada ano. Segundo Nascimento (2018), essa organização é vista pelos defensores dessa proposta de currículo como um processo contínuo, no entanto, quando voltamos nossa atenção para o aspecto metodológico de ensino percebemos que as orientações são as mesmas em diferentes blocos. Nesse sentido, essa proposta de currículo tem dentre suas entrelinhas um forte apelo pela homogeneidade dos processos formativos que perpassa pela unidade de currículo.

Uma dentre as justificavas para o silenciamento dessas diferentes propostas educacionais é a suposta busca pela redução das desigualdades educacionais. Em meio ao discurso é preciso cuidado, segundo Nascimento (2018), pois colocamos a BNCC como um documento regulador dos currículos municipais e estaduais que influencia diretamente nas práticas escolares dos diferentes processos formativos.

Nessa continuidade, Silva (2018) evidencia que uma proposta aberta e flexível, preocupada com a transformação da realidade educacional, deveria propor diferentes caminhos e não a padronização e sistematização sem levar em consideração o contexto histórico, social e cultural dos sujeitos envolvidos no processo educativo.

6.3.3 Principais alterações realizadas nos componentes curriculares pós-orientações da