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6.2 Currículo, educação e processo de ensino-aprendizagem na Amazônia amapaense a

6.2.5 Relação entre a RCA e a diversidade das escolas da Amazônia amapaense

Tomando como categoria de análise a relação entre o RCA e a diversidade das escolas da Amazônia amapaense, buscamos nesse tópico compreender como a questão da diversidade das escolas e dos múltiplos processos formativos presentes na Amazônia

amapaense estão representadas pelo RCA, na percepção dos participantes. Assim, em meio às narrativas identificou-se que:

O RCA tem uma visão muito amplificada, ele não toca em particularidades, ele menciona as modalidades de educação indígena, educação quilombola, educação de jovens e adultos, mas ele não aprofunda como o currículo deve ser trabalhado em cada uma dessas realidades, então nesse primeiro momento fica prejudicado, essa diversidade que a gente percebe na realidade do Amapá, eu penso que de maneira geral ela não é contemplada (NUMÊNIO).

O RCA deixou muitas lacunas, se for pegar o RCA, se o aluno for estudar o RCA e se o professor for aplicar o RCA na prática, o aluno vai deixar de ver muita coisa regional, não sei por que o redator não incluiu habilidades ou questões regionais. A questão é, que nós têm que trabalhar com o que tem (MIGUEL).

Um dentre os discursos vendido para que professores, alunos e demais profissionais da área da Educação é a ideia de um currículo de base nacional foi o discurso de que os conhecimentos vão incorporar até 40% de aspectos regionais, no entanto, sabemos que o conhecimento regional será algo complementar, a ser ministrado se o tempo escolar permitir, não obrigatório, ao contrário dos demais conhecimentos e das competências apontadas como centrais no novo currículo. Em termos práticos, a partir da narrativa de Numênio o conhecimento voltado para a cultura e saberes da Amazônia Amapaense não foi mencionado de forma específica, apenas genericamente, deixando que os professores sejam responsabilizados por essa construção, caso consigam materiais e tempo para o trabalho.

O RCA replica as condições impostas pela BNCC que devem ser acatadas pelas escolas da Amazônia Amapaense e não avança na discussão sobre as singularidades da educação no estado do Amapá. Nessa sequência, compreende-se que fomenta uma política de currículo que busca criar certa unidade educativa na qual não serão discutidas as especificidades do Amapá, da Amazônia e do Brasil como país continental. Assim, visa-se criar um padrão de educação que não estará preocupado com as desigualdades educacionais em nosso país.

Para Rocha (2016), uma proposta curricular preocupada com a redução das desigualdades educacionais deveria refletir a construção de uma proposta de educação formadora do ser humano e do cidadão, respeitando as culturas e valores e que parte das singularidades locais para a compreensão de aspectos mais gerais. A política de currículo que influenciou a construção do RCA pensa a educação a partir do mercado nas competências exigidas para o trabalhador que atende os grandes centros urbanos, logo, não valoriza saberes de ribeirinhos, quilombolas, indígenas e extrativistas presentes no Amapá, de forma que não

se percebe neste currículo possibilidades de contribuição com a superação das desigualdades educacionais e sociais existentes no Brasil. Pelo contrário, essa desigualdade se exacerbará quando a massa pobre do Amapá se ver diante de uma educação estranha à sua própria realidade.

Neste sentido, Freire (2018) destaca que a educação das massas precisa ser desvestida da roupagem alienada. Educação nesse processo precisa potencializar as forças de mudança e libertação e não manter educandas e educandos em um ciclo de alienação. Para isso faz-se necessário, segundo Marx (2018), resgatamos o trabalho em seu sentido ontológico como elemento central da formação humana.

O silenciamento da diversidade cultural do nosso país é uma característica dos currículos de base nacional. Indo além Rocha (2016), compreende que o currículo nessa perspectiva configura-se como um próprio risco à democracia brasileira, devido ao seu extremo caráter homogeneizador da proposta curricular que busca que associa-se com os mecanismos das avaliações em larga escala e consequentemente com a desqualificação do trabalho docente.

Para Freire (2018) uma educação que não leva em consideração as múltiplas realidades nos processos formativos do educando contradiz e compromete a imersão das camadas populares no autêntico processo de participação e emancipação. Para além do silenciamento dos diferentes processos formativos em nível local, identificou também em meio as narrativas o descaso da proposta curricular com as próprias modalidades de educação descritas na LDB - Lei 9394/96:

Bom, eu acho que é algo que ficou um pouco a desejar, na minha opinião, por dois fatores, primeiro o próprio MEC, não veio com essa meta de desenvolvimento para a gente em relação as modalidades, foi nós mesmos que tivemos que nos virar aqui no estado. O MEC só mandou contextualizar.

Só que esse diálogo entre o MEC e a sede foi falha, e nós tivemos que ir atrás, e nem todos os setores da sede permitiram fazer esse estudo de maneira aprofundado, a gente sabe que esses grupos têm muita carência de atendimento (CRISTINA).

Aqui cabe destacar que o RCA faz alusão às diferentes modalidades de ensino. Mas, essa iniciativa partiu dos próprios membros da equipe como um movimento de resistência.

Todavia, o processo ficou apenas nos níveis da conceituação e descrição como podemos evidenciar nos trechos abaixo que explicita a compreensão sobre educação especial e EJA:

Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. [...] A Educação Jovens e Adultos – EJA é uma modalidade primogênita no sistema educacional, resultante das lutas sociais em prol da classe trabalhadora, caracterizada por uma proposta pedagógica flexível, não direcionada apenas à especificidade etária, mas, primordialmente, à questão cultural, às diferenças individuais e aos conhecimentos informais adquiridos pelos alunos a partir das suas experiências de vida. (AMAPÁ, 2019, p. 23-47)

O fato de estar no texto não garante ao documento um caráter regional, pois essas modalidades de ensino fazem parte até o momento da educação nacional. Evidentemente que nesse modelo de currículo até mesmo os diferentes processos formativos dessas modalidades de educação encontram-se comprometidos, uma vez que a própria orientação do MEC, segundo os entrevistados, busca silenciar os processos. Nesse sentido, Freire e Ira Shor (2013) compreendem que o processo educativo torna-se mais controlado quando os sujeitos envolvidos nesse processo seguem o currículo oficial.

Para os referidos autores, garantir aos educadores e educandos os meios necessários para exercerem o poder de produzir conhecimento, implicaria em, reafirmando o poder das classes subalternas, confrontar o poder de refazer a sociedade. Encontra-se de forma clara em meio aos entrevistados que esse é um processo que está para além dos sujeitos locais:

Uma coisa é estar no documento, outra coisa é você colocar isso em prática e aí, eu acho que não depende só dos professores formadores, ao contrário, isso depende do estado, da estrutura que o estado vai dar, por exemplo, para trabalhar com os grupos jovens e adultos, com a educação quilombola, com a educação indígena, tudo isso faz parte de uma estrutura que o estado pode fornecer. (MIGUEL)

Nessa fala podemos perceber um ponto fundamental apontado pelo entrevistado quando problematizamos o processo de criação e implementação de um currículo de base nacional: a questão das condições necessárias para que de fato o currículo venha ser consolidado dentro da escola. Quando falamos em implantação de fato de um currículo de base nacional estamos falando de uma restruturação da educação nacional para garantir as educandas e educandos as condições necessárias para que esses sujeitos não tenha a educação como um fenômeno estranho a sua própria existência humana, o que implicaria em mudanças estruturais, além de outras questões como valorização dos profissionais, investimento em formação continuada, garantia de materiais, entre outros.

Dialogando com a fala do entrevistado, destacamos o pensamento de Freire e Ira

Shor (2013) ao afirmarem que a estrutura do conhecimento defendido como oficial também é a própria estrutura da autoridade social. Por essa razão predominam no contexto brasileiro os programas, os currículos como formas educacionais de restrição dos sujeitos envolvidos no contexto educativo. O currículo passivo, alheio a todas essas especificidades, “não é somente uma prática pedagógica pobre. É o modelo de ensino mais compatível com a promoção da autoridade dominante na sociedade e com a desativação da potencialidade criativa dos alunos” (FREIRE; SHOR, 2013, p. 15).