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Capítulo 1-. Bases teóricas para compreensão dos princípios

1.5 Organização do descritivo

O estudo de Marquesi (2004) apresenta uma proposta de superestrutura, partindo do processo de organização textual do descritivo. Fundamentando-se na Linguística Textual e nos estudos de Hamon (1972, 1981) e de Adam (1982, 1987), a autora define competência descritiva e propõe uma organização do descritivo com categorias e regras.

Marquesi (2004, p.53) declara que a competência descritiva

[...] é levantada por Hamon quando ele situa, no descritivo, o descritor como uma nova imagem do emissor e o descritário como uma nova imagem do receptor, colocando o descritor em oposição ao narrador. Assim, ao definir a competência descritiva, em oposição à competência narrativa, o autor propõe verificar as operações que o descritivo provoca no enunciado.

A autora ressalta a relevância do trabalho de Hamon pelo fato de ele ter iniciado os seus estudos do descritivo abordando ―a descrição como uma unidade a serviço da narrativa‖, mas já prenunciado ―as características de uma organização textual que mais tarde o levariam a propor uma análise do descritivo, mais do que análise da descrição‖ (MARQUESI, 2004, p.50).

Esta relevância pauta-se no fato de o descritivo, antes de Hamon, ser visto apenas como uma sequência de enunciados atrelados à narrativa e, após seus estudos, ser tratado como modelo dotado de organização. O autor, portanto, enfatiza o descritivo como um tipo de texto, e também um texto com diferentes manifestações.

Para Hamon (apud Marquesi, 2004, p.59), é necessário

[...] falar em descritivo em lugar de descrição e... considerar o descritivo como uma dominante construída por certos tipos particulares de texto. Ele relaciona, assim, descritivo à teoria e descrição à prática e essa diferenciação fundamenta o uso que fazemos dos termos descritivo e descrição, servindo o primeiro para designar o tipo de texto e o segundo para designar suas diferentes manifestações.

Nesse sentido, Hamon (1972, 1981), citado por Marquesi (2004, p. 63), propõe o seguinte esquema para o descritivo:

Figura 04 - Esquema do Descritivo

Fonte: MARQUESI (2004).

Marquesi ressalta que, enquanto Hamon (1981) postula a existência de uma competência descritiva e as operações que o descritivo provoca no enunciado, Adam (1987) apresenta o conceito de sequência na organização dos textos. Para abordar a esquematização descritiva, Adam (1987), segundo a autora, recorre à estrutura do descritivo resumida por Apotheloz (1983). Ao assumir tal definição, Adam (1987) retoma cinco operações já anunciadas – ancoragem, afetação, assimilação, aspectualização e tematização –, considerando-as como operações de base. De acordo com o autor, a ancoragem e a afetação estão relacionadas à macroestrutura semântica do descritivo e as demais à superestrutura do texto (MARQUESI, 2004).

As referidas operações são definidas:

1. ancoragem – operação pela qual o tema-título assegura a legibilidade da sequência descritiva, ativando, na estrutura cognitiva do leitor, as representações que lhe concernem;

SD

uma Denominação uma Expansão

um Pantônimo uma Lista uma Nomenclatura um Grupo de Predicados P N Pr

2. afetação – operação pela qual, contrariamente à ancoragem, o objeto descrito pode ser um tipo de enigma ou parte de uma solução;

3. assimilação – operação de ordem metonímica ou metafórica, que consiste em inscrever o objeto descrito numa balizagem do tipo temporal, desenvolvendo os aspectos de um objeto com o auxílio de predicados de um outro objeto;

4. aspectualização – operação central no processo descritivo, pois ela se constrói sobre as partes do todo e este constitui o objeto do discurso descritivo;

5. tematização – operação essencial para pensar a expansão textual descritiva e permitir o desenvolvimento das microproposições descritivas, na estrutura profunda identificável (ADAM apud MARQUESI, 2004, p.73).

Assim, o modelo teórico de Adam pode ser visualizado no esquema a seguir:

Figura 05 - Modelo teórico da Superestrutura Descritiva, segundo Hamon (1981).

Fonte: Marquesi, 2004.

SUPERESTRUTURA DESCRITIVA TEMA-TÍTULO

ANCORAGEM

Pd. PROPR

(Qualidades) (Sinédoques) Pd. PART Pd. SIT

Parte 1 Parte 2 etc. Meta. Ref.

Forma

Tamanho

etc. Cor

Sit. Méto. Sit. Loc. Sit. Tps.

TEMATIZAÇÃO (Metonímias) Proposições Narrativas (PN) Aspectualização Colocação em Relação Outros Objetos suscetíveis de serem tematizados Pd. PROPR. etc. Pd. PART. etc. Pd. SIT etc. Pd. ASS etc. TEMATIZAÇÃO Aspectualização etc. Colocação em Relação etc. ASPECTUALIZAÇÃO COLOCAÇÃO EM RELAÇÃO

Pd. ASS

Para Marquesi (2004, p.87),

[...] os estudos apresentados oferecem subsídios para afirmarmos que, assim como o narrativo e o argumentativo, entre outros, o descritivo também pode ocupar um lugar na tipologia textual. A existência de tal espaço deve-se, sem dúvida, a uma competência específica e a um modo próprio de enunciado, bem como categorias e regras que definem sua superestrutura.

A fim de tratar da superestrutura do descritivo, Marquesi (2004, p.93) define competência descritiva como

[...] um conjunto de habilidades: uma habilidade de síntese, quando se designa o todo, ou quando se atribui título a um texto; uma habilidade de análise, quando se designa o todo tematizado por partes, ou quando se expande por blocos um texto.

Ao postular a competência descritiva, a autora descreve como os estudos tratavam o descritivo e seu enunciado. Por isso, Marquesi (2004, p.93) analisa enunciados no plano da narrativa, tendo como fundamento o conceito de enunciado formulado por Bakhtin (1979):

[...] uma reflexão de caráter translinguístico, considerando-o como a frase inserida num contexto de enunciação específico. Nesse sentido, o enunciado pode ser definido como uma forma canônica, apta de dar conta da organização dos discursos. Everaert- Desmedt (1984) [,] diferencia entre os enunciados discursivos, um enunciado descritivo de um enunciado narrativo, sendo que o narrativo é definido como a representação de um acontecimento, implicando, portanto, presença de dois componentes: a representação e o acontecimento. Greimas & Courtés (1979), por sua vez, concebem o enunciado como a relação-função que constitui os termos actantes do discurso. Eles entendem que é possível variar o investimento mínimo da relação e, dessa perspectiva, postulam duas formas de enunciados elementares: enunciados de estado e enunciados de fazer (MARQUESI, 2004, p.93).

Assim, a autora observa que a provável razão de os estudos iniciais, sobre o descritivo, terem sido desenvolvidos em função da narrativa está no fato de eles não focarem a emancipação do descritivo. Tais estudos situavam o enunciado descritivo como submisso à narrativa (MARQUESI, 2004).

Os estudos realizados por Marquesi lhe permitiram propor a superestrutura do descritivo, como veremos a seguir.

1.5.1 Superestrutura do descritivo

Apoiando-se no conceito de superestrurura de van Dijk (1980), para quem ―as superestruturas textuais são definidas por categorias e regras que organizam os diferentes tipos de texto‖, Marquesi (2004), propôs a organização do descritivo por três categorias:

 Categoria da Designação na condensação  Categoria da Definição na expansão  Categoria da Individuação

1.5.1.1 Categoria da designação

A fim de tratar da categoria da designação, Marquesi (2004, p.103) propõe que

a categoria da designação compreende nomear, indicar, ou seja, dar a conhecer, para se determinar e qualificar certas marcas (Ferreira,1975). Assim, designar implica dar nome a, nomear, portanto condensar, num recorte lexical, um conjunto sêmico.

Nesse sentido, Marquesi (idem ibidem, p.103) afirma:

[...] o léxico que se presta, entretanto, para falar de conhecimentos do mundo e das palavras que nos permitem designar e reconhecer objetos, é uma questão complexa. Nosso vocabulário depende de nossa confrontação com o real e das interações

verbais com o outro. No entanto, a experiência do mundo não é universal; ela varia em função do contexto sociocultural e geográfico dos sujeitos. Nomear é reconhecer objetos de mundo de que se tem conhecimento, e esses objetos mantêm entre si certas relações. Então, é necessário verificar as relações entre o léxico e o mundo, pois a palavra é uma representação do referente.

A autora considera que a categoria da designação relaciona elementos lexicais e semânticos para a nomeação do objeto a ser descrito, sendo necessário que os sujeitos verifiquem as relações dos objetos descritos com o conhecimento do mundo.

1.5.1.2 Categoria da definição

Marquesi (2004, p.105), apoiando-se no conceito da definição (Ferreira, 1975), propõe que

a categoria da definição compreende determinar a extensão ou os limites de, bem como enunciar os atributos essenciais e específicos (de uma coisa), de modo que a torne inconfundível com outra [...] A definição é, pois, entendida como um conjunto de predicações sequenciadas a uma designação, e o que possibilita sequenciar essas predicações é um saber partilhado.

Assim, a definição, segundo a autora, vem a ser um conjunto de características enumeradas para uma designação e o conhecimento de mundo possibilita sua sequenciação.

A estrutura da definição é reconhecida e aceita pelos membros da comunidade linguística como a ―verdade por definição‖. Isso ocorre pelo fato de não se questionar o valor de verdade da predicação contida em y para a designação em x. Nesse sentido, no dicionário, a equivalência entre x e y

diferencia uma predicação da outra, enquanto, no texto, o autor estabelece equivalência entre x e y. Tanto no texto quanto no dicionário há equivalência entre a designação e as predicações contidas. No entanto, existe diferença pelo fato de, no dicionário, a equivalência ser resultado da verdade por definição e, no texto, a equivalência ser construída pelo escritor (MARQUESI, 2004).

1.5.1.3 Categoria da individuação

A individuação é a especificação do que se descreve. No que diz respeito ao conceito, Marquesi (2004, p.108) apresenta breve revisão da literatura:

a categoria da individuação compreende especificar, distinguir, ou seja, especializar, particularizar, tornar individual (Ferreira,1975). Para precisar o termo individuação, Greimas & Courtés (1979:233) recorrem à tradição filosófica e assim escrevem: na tradição filosófica, individuação é a realização da ideia geral em um certo indivíduo (Lalande). Segundo Leibniz, o princípio de individuação é o que faz com que um ser possua não apenas um tipo específico, mas uma existência singular, determinada no tempo e no espaço.

Assim, para a autora, a categoria da individuação estabelece uma relação entre o que é ‗o ser descrito‘ e a sua situação no tempo e no espaço em que é descrito. A categoria da individuação, portanto, compreende o conceito do descritor a respeito do objeto descrito.

Respaldando-se em van Dijk (op. cit.), Marquesi (2004) definiu regras para a referida organização - equivalência e hierarquização.

1.5.1.4 Regras do descritivo

Na visão de Marquesi (op. cit., p. 109–110), o descritivo é um tipo de texto definido em categorias, sendo imprescindível delinear as regras que o organizam. Nesse campo, ―as regras são entendidas como normas que possibilitam a existência de um modelo construído com base em observação mais ou menos rigorosa dos usos sociais, instituindo uma forma global, específica de cada tipo de texto‖. Assim, as regras de equivalência e hierarquização ordenam as categorias do descritivo.

A regra de equivalência, segundo a autora, corresponde a uma identidade parcial entre duas ou mais unidades conhecidas. A regra da equivalência, na categoria da designação, possibilita a produção de parassinônimos e de paráfrases, permitindo que se estabeleça uma ordenação entre todos aqueles que se referem a x. A regra da equivalência na categoria da definição ordena uma designação com a sua predicação, parafrasticamente.

Já a regra de hierarquização, para a autora, relaciona-se às categorias do descritivo e às relações entre as categorias, ou seja, diz respeito à morfologia do texto e à sua sintaxe. Desse modo, as categorias do descritivo passam a ser hierarquizadas pela condensação e expansão. Essa hierarquização ocorre mediante um fio condutor que indica a manutenção temática, na expansão dos blocos, bem como a relação que se estabelece entre eles. Assim, por meio da ordem das topicalizações, tem-se a expansão pela definição e pela individuação (MARQUESI, 2004).

Relacionando as categorias e as regras, Marquesi (op. cit., p.114) propõe a seguinte visualização para o descritivo:

Figura 06 - Relação entre Categorias e Regras que organizam o Descritivo

Fonte: MARQUESI (2004).

Com base nesse esquema, a autora afirma que a regra de equivalência ―organiza as relações categoriais e predicativas nos diferentes níveis, a partir de uma linha horizontal, ao passo que a regra de hierarquização as organiza a partir de uma linha vertical‖ (MARQUESI, op. cit., p.114).

1.5.2 O descritivo na leitura

O tratamento da leitura é uma prática, na qual devem ser consideradas as experiências, os conhecimentos do leitor acerca do gênero e as estratégias de

Fio condutor do texto

(Condensação) “y” (Expansão) “x” Individuação Definição Designação .a .b .c .n (Bloco)

1 (Bloco) 2 (Bloco) 3 (Bloco) n .a .b .c .n .a .b .c .n .a .b .c .n .a .b .c .n

leitura6, uma vez que o conhecimento do código linguístico não é o único pré-

requisito para o ato de ler.

Assim, na interação com o texto, o leitor faz antecipações e elabora hipóteses, baseadas em seus conhecimentos prévios sobre o gênero, o título e as informações contidas no texto. Tais antecipações e hipóteses, por sua vez, serão rejeitadas ou confirmadas, de acordo com os conhecimentos arquivados na memória, ou seja, a partir do título é possível situar o tema e resgatar, na memória do leitor, o conceito do gênero textual.

Por meio das previsões motivadas pelo gênero e confirmadas pelo título, o texto oferece, ao leitor, um contexto que permite a ativação do conhecimento prévio, acerca do gênero, e o levantamento de hipóteses, por meio das experiências prévias.

Assim, sendo, como uma unidade constitutiva do gênero textual, pautada na coerência, o descritivo organiza-se na perspectiva sociocognitivo-interacional por meio das categorias de designação, definição e individuação. Isso significa dizer que, por meio dos elementos lexicais e semânticos, observa-se a caracterização dos personagens e, mediante a enumeração das atitudes dos personagens, é possível, na perspectiva sociocognitivo-interacional, acionar o conhecimento prévio do leitor e as estratégias de leitura.

Cabe ressaltarmos que, durante a leitura, dentre outros conhecimentos, o leitor ativa valores que são verificados na materialidade linguística do texto. O ―sentido não está apenas no leitor, nem no texto, mas na interação autor-texto- leitor‖ (KOCH & ELIAS, 2006, p. 21). Assim, as relações implícitas na materialidade linguística do texto apresentam quem é descrito e como esse texto se apresenta no tempo e no espaço em que é descrito.

Pensando especificamente na leitura do descritivo, Marquesi (2007) observa que, em seu primeiro trabalho sobre o descritivo (Marquesi, 2004), sua preocupação estava direcionada para a organização do descritivo, por meio das

categorias de Designação, Definição e Individuação e que, nos últimos estudos, tratou o descritivo como evento comunicativo, sob o ponto de vista sociocognitivo- interacional, ou seja, a autora, mediante estudos focados em diferentes práticas discursivas, passou a considerar o descritivo em diferentes gêneros textuais7.

Ao concluirmos este capítulo, destacamos que os pressupostos teóricos sobre os quais pudemos refletir oferecem importantes subsídios para a proposta de atividades de leitura do descritivo que faremos no terceiro capítulo. Antes, porém, no segundo capítulo, a seguir, apresentaremos estudos sobre a leitura e algumas abordagens para o ensino.

7 Os gêneros textuais caracterizam-se por seus aspectos comunicativos e funcionais. São

Capítulo 2 – Leitura e construção dos sentidos: abordagens para o ensino

Neste capítulo, apresentamos estudos teóricos sobre o processo de leitura, bem como os princípios orientadores para o ensino de leitura de acordo com os PCN8. Para tanto, organizamos a exposição em três seções: 1. A leitura na concepção sociocognitivo-interacional; 2. Leitura: sistemas de conhecimentos e processamento textual; e 3. A prática de leitura: abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

As principais referências teóricas do capítulo são: Koch (2002, 2006), Koch & Elias (2006), Koch & Travaglia (2008), Solé (1998), Moita Lopes (1996), Kleiman (1998, 2004), Manguel (1997), Geraldi (2006) e os PCN (1997, 1998, 1999, 2000, 2002).

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