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Capítulo 3 – Padrão Tecnológico dos Aglomerados da Área Central e Leste do Município

4.1. Organização e Interação Produtiva

As vantagens competitivas do setor vestuário foram plasmadas pelo processo de flexibilização da produção que se aprofundou nas grandes metrópoles, tornando essas regiões uma colcha de retalhos. Na ótica de Scott (1994) a divisão social do trabalho, está fundamentada na especialização e complementariedade do processo de produção entre as empresas sub- contratadas, facilitando o ajustamento da produção diante das flutuações de mercado, podendo ainda proporcionar às empresas melhores condições competitivas, através da focalização de

esforços dos tecnológicos nas tarefas próprias à sua especialização, com efeitos de eficiência coletiva (Schmitz e Nadvi, 1994) em determinados casos de sucesso.

Com o trabalho de campo encetado junto aos produtores foi possível identificar a dinâmica da organização da produção nos aglomerados, assim como a qualidade dos expedientes da sub-contratação, onde a diferença fundamental verificada está na execução das tarefas de produção. Constatou-se que há pelo menos quatro estratégias produtivas nas empresas do vestuário dos aglomerados estudados (Ver Quadro 4.1).

Como forma de simplificação, as firmas que externalizam parcialmente as tarefas do processo produtivo, ou seja, as empresas que sub-contratam tarefas produtivas foram denominadas como produtoras de moda, pois como afirmam os agentes entrevistados “praticamente todas empresas da moda contratam oficinas para realizar etapas de produção, principalmente na costura”. Cabe ressaltar que essas “empresas de moda” estão inseridas nos vários segmentos do setor, principalmente prêt-à-porter, mas recebem tal denominação no setor, por terem relação direta com o mercado final.

As empresas faccionistas (as oficinas) são aquelas que realizam uma única tarefa da produção, na sua maioria relacionada à costura, sendo normalmente sub-contratadas pelas produtoras de moda, ou seja, tem sua produção direcionada para a cadeia do vestuário. Porém foi observada profunda heterogeneidade quanto à estrutura, organização e porte entre estas empresas que vão ao encontro as necessidades dos contratantes.

Como observado no capítulo 2 desse estudo, os aglomerados estudados são formados basicamente por pequenas e médias empresas, fenômeno característico da organização em rede, mas como ressaltam Suzigan et al (2003b), o comando (a hierarquia) no aglomerado é muitas vezes exercido por meio de relações de sub-contratação, o que parece ser o caso dos aglomerados do município de São Paulo.

Neste contexto, foi possível observar que algumas empresas contratantes, normalmente inseridas em mercados mais competitivos, exigem oficinas que sejam formalmente estabelecidas, com CNPJ e local específico para a produção, assim como exigem-se capacidade instalada para o atendimento da escala de produção e os critérios de qualidade.

Nas entrevistas e visitas aos aglomerados verificou-se que existe um mercado muito heterogêneo de unidades faccionistas, fazendo com haja variação de porte das unidades que vai de 1 a 100 pessoas ocupadas (ou mais). A própria formalização dos estabelecimentos é heterogênea, mesclando atividades de putting out (normalmente tarefas relacionadas à costura que são realizadas de forma semi-artesanal na residência do trabalhador), “firmas” precarizadas, onde se enquadram oficinas que trabalham totalmente na ilegalidade, aproveitando de trabalho semi-escravo dos trabalhadores andinos, até empresas mais estruturadas. Pesquisa realizada por Leite (2004), analisou os diferentes arranjos dentro da cadeia de produção do conjunto de empresas do vestuário paulista, e apresentou resultados semelhantes no que se refere à heterogeneidade e à precariedade das relações de trabalho nas oficinas de facção.

Outro ponto crítico diz respeito à escala de produção, pois no ato da contratação exige-se que determinada oficina tenha um mínimo de máquinas ou operadores qualificados. Observou-se que a especialização das unidades é profunda, com a realização de uma única tarefa, fazendo com que estas oficinas se especializem em determinada técnica - a costura reta, o blazer, crochê, bordado, arremate etc. Nesse sentido parece inevitável que esta heterogênea gama de facções apresente um serviço de qualidade, capacidade de produção e preço heterogêneo.

Verificou-se ainda a existência de pequeno sub-conjunto de firmas que externalizam todas as tarefas da produção, que operam como intermediárias entre distribuidores e confeccionistas, e por vezes entre confeccionistas e facções. Geralmente, essas firmas negociam preço, tempo de entrega e em alguns casos coordenam a produção. Há ainda algumas empresas cuja organização da produção não é especializada, ou seja, não tem estratégia produtiva definida, ora realizando tarefas de facção para outras empresas, ora produzindo peças encomendadas ou ainda peças de baixo valor agregado para venda em mercados de baixíssima dinâmica.

Quadro 4.1

Características da Organização Produtiva das Aglomerações da Área Central e Leste do Vestuário

Tipo de Empresa Tarefas Produtivas Realizadas

na Empresa Tarefas Produtivas Sub-contratadas

Produtora de moda Tarefas Inteligentes:

• Desenvolve projeto • Desenvolve produto • Design

• Corta

• Monta peça piloto • Seleciona as peças prontas • Faz a intermediação entre a produção e distribuição • Etiqueta e vende

• Sub-contratação parcial, essencialmente as tarefas mais rotineiras associadas à costura.

• Em alguns casos sub-contrata atividades relacionadas ao desenvolvimento de projetos

Faccionista Tarefas Rotineiras:

• Costura, ou • Borda, ou • Lava, ou • Arremata etc.

• Na verdade essas empresas são as sub-contratadas • Em alguns casos sub-contrata tarefas de costura

realizadas em domicílio (putting out)

Intermediárias Tarefas de Controle:

• Intermediação entre produtores e distribuidores • Vende a produção

• Sub-contrata tarefas de desenvolvimento e design • Sub-contrata tarefas associadas à costura

Vestuário não-

especializado Tarefas não especializadas • Cópia desenhos • Corta

• Monta peça piloto • Etiqueta e embala • Tarefas Rotineiras • Tarefas de Controle

• Realiza as tarefas de produção internamente • Por vezes estas empresas são sub-contratadas para

realizar tarefas de produção

Fonte: Elaborado pela Autora

Para Scott (1994) a essência da competitividade dos aglomerados localizados nas Metrópoles está amparada na interação entre as firmas organizadas na ótica da especialização e produção flexível. No caso do vestuário tal questão vincula-se à relação das firmas de faccionistas e notadamente às firmas produtoras de moda e em alguns casos com profissionais da moda, mas é exatamente nesse universo que se aprofunda a precarização na contratação de atividades, fenômeno já antigo no setor.

As atividades de putting out, por exemplo, foram verificadas até mesmo em aglomerados ancorados em relações socioeconômicas mais fortes, como os localizados na Terceira Itália, como destaca Lazerson (1992). Leite (2004:1) ressalta ainda que no vestuário “se multiplicam

novas e velhas formas de trabalho, como o trabalho temporário, em domicílio, part time etc, que, em vez de marginais ao desenvolvimento econômico, se mostram altamente funcionais”.

Obviamente que essa complexa e heterogênea gama organizacional tem reflexos significativos sobre a dinâmica produtiva dos aglomerados, além de implicações explícitas sobre a qualidade das interações inter-firmas, introdução de inovações e competitividade dos aglomerados, além da já citada precariedade das relações de produção, já que é comum observar, nos dois aglomerados, empresas operando em todas as formas de organização produtiva.

As informações captadas pela PAEP, sobre as estratégias de sub-contratação na produção, demonstram que tais expedientes são mais intensos no AAC, pois 40% das empresas externalizam parte do processo produtivo, o que significa dizer que estes mesmos 40% sub-contratam as tarefas de produção e 4% externalizam totalmente as tarefas de produção. Já no AAL tais proporções representam 28% e 7% respectivamente (Ver Tabela 4.1).

As empresas que afirmam não externalizar as tarefas produtivas (e por conseqüência não sub-contratar) são a maioria, mas nessa questão é preciso levar em conta que a PAEP aplica as questões a todas as empresas industriais do Estado de São Paulo (todos os setores e todas as regiões), por isso as informações captadas não conseguem traduzir determinadas especificidades setoriais. Tendo em vista as informações coletadas nas entrevistas e análise dos dados, parece correto pensar que as empresas faccionistas entrevistadas na PAEP afirmem não externalizar as tarefas do processo produtivo, já que na verdade essas são sub-contratadas para realizar esse tipo de atividade. Diante de tais considerações o computo das empresas que destinam a maior parte das vendas para a cadeia têxtil-vestuário, 35% no AAC e 20% no AAL, pode ajudar para filtrar a representação da facção nos aglomerados (Ver Tabela 4.1).

Fica ainda uma diferença importante entre as empresas que responderam que não externalizam as tarefas do processo produtivo (56 % no AAC e 65% no AAL) e aquelas que vendem para a cadeia têxtil/vestuário (35% no AAC e 20% no AAL). Parece razoável pensar que tal diferença represente as empresas do vestuário Não-Especializado, que ora vendem para a cadeia, ora vendem para o mercado ou distribuidores.

Tabela 4.1

Sub-Contratação das Tarefas de Produção e Destino das Vendas dos Aglomerados da Área Central e Leste do Município de São Paulo, em 2001 (em %)

Padrões de Externalização da Produção e Destino das Vendas Central Leste

Externalizam parcialmente 40 28

Externalizam integralmente 4 7

Não externalizam 56 65

100 100

Vendem a maior parte da produção para a cadeia têxtil-vestuário 35 20 Vendem a maior parte da produção para o Atacado ou Varejo 65 80

100 100

Fonte: Paep/01. Elaboração própria

Com base nas informações de campo e nos indicadores de sub-contratação é possível dizer que a maior parte das empresas do AAC são produtoras de moda, ou seja, firmas que tem acesso ao mercado e tendem a se especializar nas funções inteligentes, com elevados padrões de sub-contratação de tarefas produtivas. As firmas faccionistas apresentam fração importante nesta localidade, representando o segundo maior grupo.

As empresas que não têm especialização definida representam parcela mais modesta desse aglomerado, em torno de 21%. Assim pode-se afirmar que o AAC tem sua dinâmica produtiva voltada para a especialização, onde as firmas centram esforços em funções específicas, inclusive no segmento de facção, o que possibilita melhores condições de interação entre firmas do aglomerado, levando em conta que há complementariedade produtiva, cuja coordenação, como colocam Suzigan et al (2003b) é estabelecida pela sub-contratação.

No AAL as empresas produtoras de moda têm participação mais modesta na dinâmica de funcionamento deste aglomerado. As faccionistas “puras” aparentemente representam uma parcela pequena, o que não deixa de ser surpreendente, mas se associarmos ao fato de que as características do produto do AAL são reconhecidamente mais simples e de menor preço, oferecendo baixíssimas barreiras de entrada ao mercado, é plausível que uma parcela das faccionistas ofereça partes da produção diretamente ao mercado, características que são mais adequadas às empresas não-especializadas podem chegar a 45% no AAL.

É importante destacar que a estratégia produtiva de baixa especialização utilizada pelas empresas do AAL contraria os pressupostos da produção flexível (Scott, 1994) e não revela

padrões superiores de competitividade ou trajetórias sustentáveis de esforço tecnológico, influenciando negativamente a dinâmica produtiva.

Comparando as características da organização produtiva das empresas dos aglomerados, foi possível notar que o AAC tem um conjunto especializado e dinâmico, delineando elementos potenciais que estão mais próximo da estratégia de produção flexível, com ganho de competitividade apoiando-se na complementariedade entre as firmas envolvidas no processo de produção, possibilitando uma estratégia de mudança contínua e cada vez mais rápida dos produtos e do design. O AAL apresenta características de organização mais internalizada, o que sugere certo atraso no que se refere à relação inter-firmas no processo podendo comprometendo a capacidade de produção deste aglomerado.

A interação entre os agentes locais, seja ela precária ou de sucesso, tem implicações de ordem interna à atividade principal do aglomerado, retratado na forma e qualidade das relações de sub-contratação nos aglomerados estudados como pode ser observado neste item, mas são crescentes os fatores de interação associados ao “meio” em que as aglomerações estão localizadas, ou seja, a interação relacionada às atividades que complementam direta ou indiretamente a atividade principal, no caso o setor vestuário local. Dessa forma o próximo item tratará dos mecanismos de interação que se relacionam com a atividade do vestuário através das instituições locais, para em seguida avaliar a interação com o mercado.