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A natureza heterogênea e complexa da religiosidade foi delineada de forma a torná-la mais compreensível, uma vez que atos e comportamentos são influenciados por fatores inseparáveis da própria religiosidade que é determinada pelo processo motivacional individual (FLERE; LAVRIČ, 2008). As abordagens funcionais da religiosidade conceberam o paradigma de pesquisa dominante na psicologia da religião denominado orientação religiosa (BELLU; FIUME, 2004).

A orientação religiosa compreende as diferentes motivações individuais que geram envolvimento e participação em determinada religião e envolve discussões sobre sistemas de crenças e a profundidade e alcance do compromisso pessoal, familiar e relacionado ao trabalho com esses sistemas (ZHANG et al., 2019).

Na concepção de Allport e Ross (1967), a religião é caracterizada por dois polos, os quais motivam o indivíduo a vivê-la e a utilizá-la. Dessa forma, os autores classificaram a orientação religiosa sob uma perspectiva bidimensional, compreendendo a orientação intrínseca e a orientação extrínseca.

A orientação intrínseca refere-se a motivações fundamentadas nos objetivos inerentes da tradição religiosa em si (VITELL, 2009), uma vez que, internamente, o indivíduo tem uma identidade religiosa, construída a partir de seus valores, suas crenças e suas atitudes relacionadas à sua religião (NURHAYATI; HENDAR, 2019). É livremente escolhida pelo indivíduo, voluntariamente endossada e importante para sua vida como um fim em si mesmo (SEDIKIDES; GEBAUER, 2010).

A forma intrínseca do sentimento religioso considera a fé como um valor supremo em si mesmo, conferindo significado à vida do indivíduo que se esforça para transcender suas

necessidades autocentradas, visto que a religião não se limita a segmentos únicos de interesse próprio (ALLPORT, 1966).

Indivíduos com essa orientação se envolvem na prática religiosa por si mesmos (SMITHER; WALKER, 2015), concebem suas crenças religiosas como muito importantes, pois a partir de tais crenças é possível compreender o seu propósito de vida, os seus relacionamentos, o significado de atividades e talentos e o seu sucesso profissional (HASSANIAN, SHAVAN, 2019; NURHAYATI; HENDAR, 2019), e se esforçam para internalizar seu credo e segui-lo plenamente, em busca de viver sua fé, atribuindo menor importância as demais necessidades, que devem se harmonizar suas crenças religiosas (ALLPORT; ROSS, 1967).

Por sua vez, a orientação extrínseca reporta-se a motivações utilitárias subjacentes ao comportamento religioso (VITELL, 2009). Uma vez que os valores extrínsecos são instrumentais e utilitários, os indivíduos com essa orientação voltam-se para Deus, mas não se afastam de si mesmos, e estão dispostos a utilizar a religião para seus próprios fins, ao buscarem segurança, consolo, sociabilidade, distração e status (ALLPORT; ROSS, 1967).

Assim, os indivíduos motivados extrinsecamente percebem suas crenças e suas práticas religiosas como meios para alcançar determinado fim (SMITHER; WALKER, 2015), uma vez que tais crenças e práticas religiosas são determinadas e delineadas considerando sua utilidade em prol da satisfação das necessidades pessoais, sociais e primárias do indivíduo (DUNN; SAINTY, 2019). O indivíduo com forte orientação religiosa extrínseca utiliza a religião como um meio para obter reconhecimento dos outros, uma vez que é motivado pela desejabilidade social e pelo autoaperfeiçoamento, e com a finalidade de satisfazer suas necessidades individuais de segurança e posição social (HASSANIAN; SHAVAN, 2019; SEDIKIDES; GEBAUER, 2010, WHITT; GORE, 2019).

A orientação religiosa intrínseca conduz o indivíduo à determinada religião por seus objetivos espirituais particulares, como servir à sua religião ou à comunidade, uma vez que tal orientação associa-se ao compromisso religioso, enquanto a orientação extrínseca motiva o indivíduo para o alcance de objetivos sociais ou de negócios, por meio do estabelecimento de redes de contatos ou da promoção de objetivos e de interesses comerciais, uma vez que tal constructo refere-se à atitude do indivíduo em relação à religião (VITELL, 2009).

A orientação religiosa detém forte poder explicativo na relação com a variáveis referentes à cultura e ao comportamento empresarial (DRAKOPOULOU-DODD; SEAMAN, 1998) que se manifesta com intensidade variada (FARMAKI et al., 2020), às oportunidades e

aos ganhos no mercado de trabalho (LINDLEY, 2002) e aos valores do trabalho (PARBOTEEAH, PAIK; CULLEN, 2009).

Em relação às pesquisas empíricas envolvendo orientação religiosa e comportamento empreendedor, Noble et al. (2007) declaram que tais investigações são elusivas, pela carência de pesquisas de campo e à complexidade que envolve a relação entre os constructos: orientação religiosa, atividade empreendedora e conquista econômica. Esses autores acrescentam que os pesquisadores deveriam investigar, com mais afinco, as percepções, as atitudes e as crenças dos empreendedores sobre o mercado e as instituições econômicas; e como tais percepções, atitudes e crenças influenciam o comportamento econômico.

Pesquisa de Bellu e Fiume (2004) investigou a relação entre a orientação religiosa, o materialismo e o comportamento empreendedor com uma amostra de 44 empreendedores norte-americanos. Os achados da pesquisa indicaram que a orientação religiosa contribuiu para o sucesso dos empreendedores e que a busca por riquezas materiais, considerando a religiosidade pessoal, provocou alto grau de satisfação com a vida (BELLU; FIUME, 2004).

Galbraith e Galbraith (2007) investigaram a relação entre orientação religiosa, atividade empreendedora e crescimento econômico de 23 países cristãos. Os achados da pesquisa evidenciaram que os países com indivíduos com níveis mais altos de orientação religiosa intrínseca se correlacionam com atitudes econômicas conducentes à renda e ao crescimento per capita mais altos, por meio do empreendedorismo. Os autores inferiram que níveis mais altos de orientação religiosa intrínseca conduzem a níveis mais altos de atividade empreendedora, que, por sua vez, relacionam-se ao crescimento econômico.

Estudo empírico de Noble et al. (2007) analisou a relação entre percepção de justiça de mercado, orientação religiosa e atitudes empreendedoras com uma amostra de 141 estudantes de graduação em Administração. Os resultados sugerem uma relação entre tais constructos que varia de acordo com o locus da orientação religiosa, e que a orientação religiosa intrínseca, associada à autodeterminação e à estima individual, incentiva a atividade empreendedora, enquanto a orientação religiosa extrínseca aparenta desencorajar a atividade empreendedora (NOBLE et al., 2007).

Pesquisa empírica de Nwankwo e Gbadamosi (2013) examinou como os membros do movimento pentecostal negro utilizavam sua orientação religiosa para lidar com a atividade empreendedora. Os resultados indicaram conexões entre motivação, orientação e aprendizagem empreendedoras e orientação religiosa, evidenciando um efeito moderador da orientação religiosa no contexto em que as relações de confiança e a compatibilidade étnico-

religiosa geram capital social que auxiliavam a promover e a sustentar o empreendedorismo (NWANKWO; GBADAMOSI, 2013).

Parboteeah, Walter e Block (2015) examinaram a relação entre o perfil religioso de indivíduos de 27 países cristãos e a atividade empreendedora. Os resultados apontaram que o ambiente cristão desempenha um papel importante para o empreendedorismo nos países que investem em inovação, sob o argumento que a religião estimula o empreendedorismo quando um país investe em inovação tecnológica, ao passo em que são criadas oportunidades de negócios que motivam os indivíduos a explorá-las.

A partir da revisão de literatura já apresentada, evidencia-se que há convergência entre os constructos valores pessoais e orientação religiosa, que permitem explorar o empreendedorismo sob a perspectiva da intenção empreendedora, também, objeto desta pesquisa.