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Capítulo IV – Redes Sociais: Incidência na cessação do contrato de trabalho

5.5 Orientações Jurisprudenciais: A expetativa de privacidade

Ao longo do presente estudo fomos fazendo referência às poucas decisões conhecidas dos tribunais portugueses em relação a esta matéria. Na verdade, a jurisprudência portuguesa, comparada com a jurisprudência de outros ordenamentos jurídicos356, não é

nem abundante, nem consolidada quanto a estas questões. Não obstante, da sua análise357

parece ser uniforme que o ponto de partida dos julgadores de direito nestas questões em que existe um conflito laboral entre os direitos de personalidade do trabalhador e os interesses do empregador devido a publicações nas redes sociais se prende com a

expetativa de privacidade que os trabalhadores tinham aquando da publicação de determinado post, fotografia ou vídeo. É o que resulta desde logo, por exemplo, da análise do sumário do Ac. do TRP em que é notório o recurso à expressão expetativa da

privacidade, quando é referido que, da análise de determinados aspetos como a parametrização da conta se pode “concluir-se se na situação sub judice havia uma legítima expectativa de que o círculo estabelecido era privado e fechado.” Também o Ac. do TRL adotou esta posição, onde se pode ler “o recorrente não podia deixar de levar em conta

356Por exemplo o ordenamento jurídico Espanhol, cujos tribunais já tiveram oportunidade de se pronunciar acerca de conflitos laborais que tiveram origem nas mais diversas redes sociais: facebook, twitter, My

Space, whatsapp, entre outros. Enquanto o ordenamento jurídico português as decisões, pelo menos as conhecidas, se reportam apenas ao facebook.

357Para a análise tivemos em linha de conta os três acórdãos conhecidos até à data: Ac. do TRE de 30/01; Ac. do TRP de 08/09/2014; Ac. do TRL de 24/09/2014;

todos estes factores e, logo, não poderia, nem é credível que o tenha suposto, ter uma expectativa minimamente razoável de reserva na divulgação do conteúdo.”

Parece-nos que a adoção do critério da expetativa de privacidade não será um critério que esteja isento de críticas. Na verdade, este critério não se trata de uma inovação dos tribunais portugueses, sendo antes uma inspiração retirada de alguns ordenamentos jurídicos como o espanhol ou o americano. E dizemos que não é um critério que está isento de criticas pois consideramos que a expectativa jurídica, em sentido em geral, se trata de um conceito débil. A jurisprudência358 tem entendido e

definido esta expetativa como um “mero conteúdo psicológico ou quando muito económico – é um simples esperar, prever ou admitir acontecimento futuro como mais ou menos provável, não possuindo conteúdo jurídico porque a lei não a rodeia de tutela especial, não adotando providências tendentes a assegurar a sua efectivação -, é uma esperança fortalecida pela intervenção do legislador que procura abrir-lhe caminho criando condições para que se torne realidade.” Na esteira de MENEZES CORDEIRO359

as expetativas jurídicas são marcadas e caracterizadas por uma forte imprecisão e ocorrem, em princípio, em “factos jurídicos complexos de produção sucessiva, isto é, em conjunções nas quais o direito requeira, para o aparecimento de determinado efeito jurídico, uma sucessão articulada de eventos, que se vão produzindo no tempo.” É certo que a expetativa de privacidade tem uma lógica de funcionamento diferente da expetativa em sentido geral. Esta lógica, a nosso ver, tem sido entendida pela jurisprudência como um juízo de probabilidade, isto é, de acordo com este critério, a pergunta que se coloca é a de saber com que grau de probabilidade pode o trabalhador, legitimamente, esperar que as publicações que realiza se circunscrevam estritamente na esfera privada, ou se pelo contrário extravasam essa esfera e são acessíveis a todos. Concretizando, um trabalhador que faz publicações no perfil de um outro utilizador não pode esperar que essa publicação se circunscreva apenas à sua rede de contatos, pois com um grau acrescido de probabilidade esta irá ser visualizada ainda pela rede de contactos da pessoa a quem tal publicação foi direcionada. O mesmo se diga para as publicações realizadas em perfis públicos, sem qualquer tipo de restrição ao acesso e até mesmo para

358Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/04/2006, em que foi relator Amaral Ferreira, (processo nº: 0632167), disponível em www.dgsi.pt.

as publicações em que o utilizador incentiva à partilha360. Só conseguimos acompanhar o

entendimento da jurisprudência quanto à expetativa de privacidade se a lógica subjacente for esta, até porque se assim não fosse estaríamos a deixar para segundo plano o direito à privacidade e a concordar com eventuais violações e limitações. Afirmamos, uma vez mais, que aferir acerca da licitude ou ilicitude do despedimento é apreciar as circunstâncias de cada caso em concreto e por essa razão também a expetativa terá de ser apreciada em cada caso e em alguns deles não terá de ser aplicada porque não se coaduna com as circunstâncias e factos em análise.

Não podemos deixar de mencionar, ainda que não se enquadre totalmente na temática em análise, a recente decisão do TEDH, Bărbulescu v. Romania361 em que a

logica de raciocínio do tribunal se fundou, também, na expetativa de privacidade. O caso: um trabalhador por ordens do empregador criou uma conta no Yahoo Messenger com o intuito de estabelecer uma relação mais próxima com os clientes e a partir dai responder a eventuais dúvidas e questões. O empregador decidiu despedir o trabalhador porque ao monitorizar a referida conta constatou que para além das comunicações profissionais, foram também estabelecidas comunicações pessoais, referindo que era absolutamente proibido usar computadores e telefones para fins pessoais. O trabalhador decidiu impugnar tal despedimento com base na violação do direito à reserva da correspondência, que encontra proteção na Constituição Romena. O TEDH acabou por decidir pela licitude do despedimento o que, a nosso ver, colca em causa, em sentido geral, o direito à reserva da vida privada, constante no art. 8º da CEDH. Não pretendemos analisar integralmente o conteúdo desta decisão, no entanto, e dado que estamos a discutir neste ponto em concreto o critério da expetativa de privacidade devemos apreciar de que forma foi aplicado pelo tribunal. O TEDH sustentou sucintamente que o trabalhador sabia que estava a ser controlado e nesse sentido não poderia ter qualquer expetativa quanto á privacidade das suas comunicações. A nosso ver, entender o critério desta forma é errado, na medida em que qualquer despedimento será lícito, sempre que o empregador logre

360Foi o caso do Ac. do TRE em que o trabalhador escreveu especificamente na publicação “partilhem amigos”.

361A decisão em causa pode ser consultada em www.echr.coe.int. Para uma visão mais aprofundada acerca desta decisão vd., João Zenha MARTINS, Comentário ao Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem, Bărbulescu v. Romania de 12 de Janeiro de 2016 processo nº 61496/08, in Revista do Ministério

Público nº 145, Jan-Mar 2016, pág. 177-205. E ainda Teresa Coelho MOREIRA, Limites de controlo

eletrónico do empregador: comentário à decisão do TEDH, de 12 de Janeiro de 2016 – Bărbulescu v. Romania, in Estudos de Direito do Trabalho, vol. II, Almedina, 2016.

provar que divulgou na empresa, que as comunicações dos trabalhadores estão a ser monitorizadas ou que são totalmente proibidas. Este critério ao ser perspetivado desta forma varia consoante a vontade do empregador e isso não pode ser aceite do ponto de vista da proteção dos direitos do trabalhador. Na verdade, o trabalhador terá sempre direito à garantia do seu núcleo de privacidade que não pode em qualquer circunstância ser posto em causa. A decisão em apreço não tem qualquer tipo de efeitos vinculativos no ordenamento jurídico português, e até acaba por contrariar o estipulado no art. 22º do CT. Nesta conformidade e como nos ensina GUILHERME DRAY362 “o incumprimento

das regras de utilização fixadas nos termos do nº2 consubstanciam uma infracção disciplinar, mas não legitima a violação, pelo empregador, do direito à confidencialidade a que se refere o nº 1”.