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Capítulo IV – Redes Sociais: Incidência na cessação do contrato de trabalho

5.3 Redes Sociais: A (in) admissibilidade do despedimento com justa causa

5.3.1 Primeiro nível: Repercussões na esfera do empregador

Como referimos no ponto anterior a forma como as redes sociais se podem repercutir negativamente na esfera do empregador são muitas. De facto, determinadas publicações, seja sob a forma de comentários, de vídeos ou de fotografias, podem assumir relevo disciplinar, ainda que se insiram na esfera da vida privada do trabalhador e sejam, por essa razão, enquadradas no âmbito extralaboral. Assim, existirão publicações que colocam em causa a imagem e o prestígio da empresa; existirão outras que terão como principal consequência a quebra de confiança do empregador tornando a relação de trabalho inviável; outras que afetem o bom ambiente de trabalho e funcionamento da empresa; e ainda outras que violem os deveres de respeito, de urbanidade e de lealdade

não só para com o empregador como também para com os seus representantes. Pode acontecer que, em alguns casos, a mesma publicação se reconduza a todos os grupos anteriormente mencionados ou então apenas a um deles, sendo certo que essa verificação terá de ser apreciada tendo em conta as circunstâncias do caso em concreto, podendo as mesmas configurar, ainda, um ilícito civil ou criminal. Antes de passarmos à análise de alguns casos, reiteramos, uma vez mais, que a regra a seguir nestas situações é a da irrelevância dos comportamentos extralaborais e que só em último caso pode o trabalhador ser sancionado por tais condutas305.

No ordenamento jurídico português, constituiu justa causa de despedimento o caso306 de um trabalhador que publicou na rede social facebook diversos comentários

sobre os representantes da empresa para a qual trabalhava. O trabalhador em causa, que utilizou um perfil falso para realizar tais comentários, começou por enviar mensagens para um dos representantes em que imputava condutas reprováveis sobre os funcionários da empresa. Entre outras mensagens, escreveu o trabalhador “Desculpa o meu atrevimento mas à dias alguém me disse que fazias parte da mesa da s. será que ainda não reparaste na pouca vergonha do p… e do outro mensário que eu não conheço. Segundo diz a senhora da contabilidade que só ele faz mais Km de carrinha a passear que as 4 carrinhas que andam a trabalhar, dizem no centro de saúde uma Dra. que lá esta que quer uma viatura para levar os velhotes e elas andam sempre por fora 1 em vila real e a outra em frente a segurança social o fim-de-semana todo, é essa a contenção que estás a fazer?”. Posteriormente o trabalhador publicou ainda “Sr V… voçe sabe-me dizer como ficou aquele caso em que a funcionaria da s… agrediu um demente? Sabe dizer se o p… ó o sr partecipou ao ministério publico? / (...) Desde quando é que a mesa sabe que o sei: P... anda a usar dois carros por dia em proveito próprio? olhe que o sr sabe que isso é abuso de poder alguém lá de dentro comentou que esse cavalheiro gasta mais gasóleo a passear que os outros a trabalhar”. O tribunal perante tais publicações decidiu julgar lícito o despedimento por considerar que tais publicações violaram de forma manifesta os deveres de respeito, urbanidade e lealdade aos quais o trabalhador está adstrito, por um lado; e por outro por ter colocado em causa o bom nome, o prestígio e a reputação não só dos representantes da empresa como também dos seus funcionários. Quanto a nós, não podemos deixar de concordar com tal decisão, quando é certo que atendendo ao teor de

305Vd., a este propósito o Cap. IV da presente dissertação, pp. 69-92.

306Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/01/2014 (processo nº 8/13.6TTFAR.E1) em que foi relator José Feteira, disponível em www.dgsi.pt.

tais publicações, não se poderia concluir outra coisa se não a de que as mesmas constituem

justa causa de despedimento por violação de deveres laborais importantíssimos. De facto, o conteúdo dos posts acabaram por ter repercussões negativas no seio da empresa, acabando por tornar o vínculo laboral insustentável.

O caso apresentado é paradigmático das situações em que a conduta privada do trabalhador colocou em causa diversos deveres, que encontram a sua forte expressão no dever de lealdade, afetando de forma considerável a relação de trabalho. O STJ já teve oportunidade de se pronunciar quando ao âmbito do dever de lealdade, considerando que “o dever de lealdade, violado por afirmações atentatórias do bom nome dos representantes da entidade patronal, tanto pode ser violado dentro do espaço da empresa, como fora dele, pois que o que importa é o conteúdo do que se afirma”307. No caso sub judice para além

da violação desses deveres, toda a conduta adotada pelo trabalhador teve como consequência direta a quebra da confiança entre as partes.

Outro exemplo é o do caso ocorrido na empresa Virgin Atlantic Airways308 em que

13 tripulantes e funcionários dessa companhia aérea estabeleceram uma discussão no

facebook onde criticavam a segurança da empresa e as condições de higiene, realizando ainda diversos comentários depreciativos em relação aos passageiros dos voos. Tratando- se de uma empresa com um elevado número de clientes em que a atividade que desenvolvem se deve pautar por altos padrões de segurança, os comentários realizados não só colocaram em causa o bom nome da empresa como também toda a sua conduta quanto a regras de segurança. Os funcionários foram despedidos com justa causa, não se conhecendo até à data outros contornos específicos do caso, como por exemplo se os funcionários decidiram impugnar o despedimento. Nesta situação em concreto para além de se terem violado os deveres de urbanidade, de respeito e de lealdade, a imagem e a credibilidade da empresa foram postas em causa.

No ordenamento jurídico espanhol, são já vários os casos que chegaram aos tribunais com questões deste tipo. O TSJ Cataluña309 considerou lícito o despedimento

de uma trabalhadora que no seu blog pessoal ofendeu os seus superiores hierárquicos,

307Apud Diogo Leote NOBRE, A relevância dos comportamentos extra-laborais in Revista Da Ordem dos

Advogados, ob. cit., pp. 937.

308Foi amplamente difundida pelos meios de comunicação espanhóis, a notícia do caso Virgin Atlantic

Airways, a mesma pode ser consultada, em http://backupcomunicacion.blogspot.pt/2008/08/relatora-caso- virgin-atlantic-airways.html, consultada em 07/06/2016.

colegas de trabalho e representantes da empresa. Considerou o tribunal que qualquer trabalhador que utilize um blog310, ainda que na sua vida privada, pode incorrer em falta

disciplinar, quando insulta de forma gravosa e direta os seus representantes.

As decisões e exemplos acabados de enunciar, que constituem uma pequena amostra deste tipo de conflitos laborais, são bem demonstrativos de que algumas publicações, que para os trabalhadores podem consistir em pequenos desabafos, em pequenos comentários, que na sua perspetiva podem parecer inocentes ou ausentes de qualquer relevo disciplinar, podem assumir-se como bastante prejudiciais para o empregador e por esse motivo serem disciplinarmente relevantes. Não obstante, colocamos de lado, desde já, a ideia de que qualquer publicação que vá contra os interesses do empregador será relevante. Consideramos que essas publicações para adquirirem o estatuto de relevantes terão de obedecer a uma determinada lógica de valoração que a nossa ver se pode desenvolver de acordo com três critérios essenciais. O primeiro diz respeito à natureza da publicação. Assim, só serão admitidas as publicações cujo teor se refira expressamente a situações ocorridas na empresa, ao empregador ou à relação de trabalho. Todas as outras serão irrelevantes. Por exemplo, se o trabalhador publica comentários sobre as suas convicções políticas ou religiosas as mesmas não são atendíveis para um possível processo disciplinar311. O segundo critério reporta-se aos

efeitos de tal publicação. Ainda que o conteúdo de uma publicação se possa inserir no âmbito laboral, a mesma só adquire relevância quando os seus efeitos se repercutam negativamente no seio da empresa e será assim em todos os casos. O terceiro e último critério que no nosso atender deve ser aplicado reconduz-se à necessidade de verificação da identificação do empregador nessa publicação. Este é um critério que teve origem na jurisprudência espanhola. Nas decisões espanholas312 referentes ao tema é unânime que

em qualquer caso de despedimento é necessário verificar se o empregador ou colega de trabalho, alvos de comentários disciplinarmente relevantes, estão ou não identificado nas publicações, o que não quer dizer, em caso afirmativo, que o despedimento seja lícito.

310Os blogs e as redes sociais têm formas de funcionamento distintas. Todavia, decidimos referir na dissertação um caso judicial relacionado com blogs por considerarmos que são muito próximos às redes sociais.

311Não será assim, por exemplo, e em princípio, nos casos dos trabalhadores de tendência.

312Como refere Vanessa Núñez ABOITIZ, Uso Extralaboral de Nuevas Tecnologias De Internet: Efectos

sobre la relacíon Laboral, ob. cit., pp. 19, “Os tribunais de Justiça, na ausência de uma doutrina específica

dos Tribunais Superiores, têm decido, na sua maioria, como improcedentes os despedimentos disciplinares dos trabalhadores que tenham publicado informações escritas ou audiovisuais dos seus companheiros de trabalho ou empregadores, para os quais prestavam serviço, sempre que tais publicações não continham uma identificação específica dos mesmos.”

Somos da opinião de que tal critério se reveste de enorme importância, uma vez que certos tipos de publicações, ainda que injuriosas, difamatórias ou que ponham em causa o bom nome e prestígio do empregador, serão irrelevantes se os membros da rede social não consigam identificar a pessoa ou empresa em causa. Não obstante, consideramos que tal critério não será aplicável em todos os casos. Assim, poderá não ser necessário fazer tal verificação quando a publicação em questão não coloque em causa o bom nome do empregador mas sim e, por exemplo, tenha como principal consequência a quebra de confiança no vínculo. É ainda necessário realçar que em tais publicações não é necessário que a empresa ou funcionário estejam especificamente identificados, quando no perfil do trabalhador que as realizou possam ser encontrados dados acerca da sua profissão, como o local de trabalho. A ideia é que a pessoa que tem acesso às publicações não fique com duvidas acerca de quem a publicação é dirigida, máxime, empregador, representantes ou colegas de trabalho.

Para além da análise destes critérios é necessário contextualizar313 os concretos

factos e circunstâncias de tais publicações. Não deixou de nos causar espanto uma recente notícia314 que dava conta do despedimento de um trabalhador por publicações realizadas

no twitter. No caso em apreço, o trabalhador era um jogador de futebol que acabava de ser contratado para uma nova equipa. Depois de assinar o contrato com o novo clube, veio a ser despedido, quatro horas depois, quando o empregador teve acesso a tweets que o mesmo tinha publicado. Consideramos este caso bastante curioso no sentido em que essas mesmas publicações foram realizadas três anos antes do dia da contratação, o que nos leva a questionar desde logo se, por exemplo, estávamos perante um perfil falso ou não, atendendo ao facto de que o trabalhador em causa se enquadrava nas denominadas figuras públicas e nestes casos a probabilidade de existirem réplicas dos perfis verdadeiros é maior comparativamente ao comum cidadão. Além de que não conseguimos acompanhar o entendimento do empregador quer quanto à relevância das publicações, quer quanto às repercussões negativas que poderia vir a ter na relação de trabalho. Não se conhecem até data contornos deste caso, não se sabendo por isso se tal despedimento foi impugnado. Todavia, este caso é bem demonstrativo da importância da

313Como refere Maria Regina REDINHA, Redes Sociais: Incidência Laboral, ob. cit., pp. 34, a informação publicada numa rede social não é “insuscetível de alteração ou adulteração, pelo que erros de análise e julgamento são prováveis”.

consagração do direito ao esquecimento e mostra-nos que o problema da descontextualização virtual é real.

5.3.2 Segundo nível: Admissibilidade dos Posts como prova: o problema da (i)