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Capítulo IV – Redes Sociais: Incidência na cessação do contrato de trabalho

5.4 A Prova Digital: abordagem processual

De acordo com o art. 340º do CC a prova tem como principal função a demonstração da veracidade dos factos e no caso da prova obtida nas redes sociais a mesma enquadra-se na denominada prova digital. Para BENJAMIM SILVA RODRIGUES351 a prova digital pode ser descrita como “qualquer tipo de informação

com valor probatório, armazenada em repositório eletrónico-digital de armazenamento, ou transmitida em sistemas e redes informáticas ou redes de comunicação eletrónicas, privadas ou publicamente acessíveis, sob a forma binária ou digital”. Assim, toda a prova que seja retirada de um perfil de uma rede social é antes de mais uma prova digital por ter origem num dispositivo eletrónico ou então numa rede de comunicação virtual. Este

349Para um estudo mais aprofundado vd., Teresa Coelho MOREIRA, Controlo do "messenger" dos

trabalhadores: anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2012, Coimbra Editora, 2012.

350Teresa Coelho MOREIRA, A privacidade dos trabalhadores e a utilização das redes sociais online, ob.

cit., pp. 90.

351Benjamim Silva RODRIGUES, Direito Penal - Parte Especial - Tomo I - Direito Penal Informático-

tipo de prova, que tem sido fundamentalmente discutida no domínio penal352, é um tipo

de prova melindrosa na medida em que é, essencialmente, uma prova imaterial e por ser essa a sua natureza serão acrescidas as dificuldades na sua valoração. A prova digital é admissível quer estejamos perante um litigio penal, civil ou laboral e se o ordenamento jurídico português não a admitisse seria, em termos gerais, negar a realidade jurídico- social dos dias de hoje. Se é verdade que este tipo de prova é mais frequente e objeto de um estudo mais intensivo no Direito Penal, onde encontra consagração expressa, não é menos verdade que detém, também, uma importância fulcral nos domínios civil e laboral, bastando pensar, por exemplo, no tema que temos vindo a debater na presente dissertação. Com efeito, as dificuldades que nos são colocadas quando estamos perante uma

prova digital, e no caso em específico, obtida a partir das redes sociais são muitas, sendo várias as razões que nos permitem fazer tal afirmação. Em primeiro lugar, não podemos negar o seu caracter efémero pois, em termos gerais, as mesmas poderão deixar de existir de um momento para o outro. Deste modo, um perfil numa rede social pode ser desativado a qualquer momento, podem ser modificadas as configurações de privacidade, podem ser eliminadas determinadas publicações ou até mesmo serem alteradas para deixaram de ter o sentido inicial, com o intuito de não serem consideradas, por exemplo, injuriosas ou difamatórias. Pelo que, sendo um tipo de prova instável e alterável é essencial que a partir do momento em que se tem conhecimento de tais publicações seja desde logo retirada a publicação para que dessa forma possam ser sustentados todos os factos que levam ao desencadeamento do processo disciplinar. Outro problema que pode surgir prende-se com a existência de perfis não identificáveis, isto é, perfis criados única e exclusivamente com o objetivo de realizar publicações dirigidas ao empregador. Foi exatamente o caso do acórdão do TRE, em que o perfil do trabalhador não era identificável, tendo-se perante tal facto apresentado a respetiva queixa-crime353. Ou então, perfis falsos, em que nos é

apresentada uma determinada pessoa como sendo detentora desse perfil, quando na realidade é alguém que usou indevidamente a sua identidade. São essencialmente problemas deste tipo que as provas obtidas nas redes sociais enfrentam na atualidade e perante os quais não pode ser dada uma resposta em concreto.

352Vd., a título de exemplo, João Conde CORREIA, Prova Digital: as leis que temos e a lei que devíamos ter, in Revista do Ministério Público, nº 139, pps. 29-59;

353Nestes casos estaremos perante uma migração da prova obtida em sede processo penal para o meio civil ou laboral.

Quando um trabalhador decida impugnar o despedimento uma das principais dificuldades que se colocam aos julgadores de direito passa exatamente por esta questão processual. Não se trata da admissibilidade das provas, mas sim da sua autenticidade e veracidade, tal como refere ARMANDO DIAS RAMOS, a prova digital “para além de ser admissível deve ser, também, autentica, precisa e concreta”.354

Para INÉS RÍOS GARCÍA e MARIA ÁNGELA ÁLVAREZ VÁZQUEZ355, um

dos principais problemas processuais que se encontra neste tipo de casos reporta-se à escolha do meio idóneo para transportar a prova para o processo disciplinar ou judicial, e tal escolha, na sua perspetiva, reveste-se de uma enorme importância do ponto de vista prático. De acordo com as autoras, uma das soluções possíveis seria a de reproduzir tais publicações em plena audiência de julgamento, ou seja, acedia-se à rede social em causa e mostrava-se ao juiz a publicação que motivou o despedimento, por exemplo, a reprodução de um vídeo ou de uma fotografia. Tal solução não nos parece, do ponto de vista prático, viável até porque a tendência dos trabalhadores, que são alvo de um processo disciplinar, é a de apagar o seu rasto e tais publicações com um grande grau de probabilidade já não existiriam nesta fase do processo. Para as autoras a solução também não será a melhor devido ao longo espaço de tempo que decorre entre o processo disciplinar e a sua, eventual, impugnação nos meios judiciais e por essa razão consideram que uma solução mais eficaz seria a de capturar em imagem (print screen) os comentários e fotografias publicados. Além de que e que em alguns casos será necessário, ainda,

realizar provas periciais para certificar a titularidade da conta e o IP do computador. A técnica que tem sido amplamente utilizada para extrair este tipo de prova

identifica-se com o famoso print screen que consiste basicamente na captação, em imagem, de todo o conteúdo que se encontra no ecrã de um computador ou telemóvel podendo ser posteriormente guardado e usado como prova. Não consideramos que esta seja a técnica ideal, basta, por exemplo, estarmos perante um perfil falso, perante publicações realizadas que não foram efetuadas pelo dono do perfil mas por outra pessoa que tenha acesso à password ou então perante contas que foram pirateadas, para que o

print screen não seja suficiente. Todavia, também não adotamos uma posição radical ao ponto de o excluir, tendo em conta a temível origem da prova. Então, se por mera hipótese

354Armando Dias RAMOS, A Prova Digital em Processo Penal: O Correio Eletrónico, Chiado Editora, 2014, pp. 86.

355Inés Ríos GARCÍA, Maria Ángela Álvarez VÁZQUEZ, Las redes Sociales en las relaciones laborales, in

o empregador usar como prova o print screen no caso de estarmos perante um perfil falso, de que forma pode o trabalhador se pode defender? Antes de mais, no ordenamento jurídico português e por força do art. 4º do DL. 88/2009, de 9 de Abril, “as cópias de documentos electrónicos, sobre idêntico ou diferente tipo de suporte, são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil e pelo artigo 168.º do Código de Processo Penal, se forem observados os requisitos aí previstos.”, pelo que o uso do print

screen é perfeitamente válido e admissível. Todavia, consideramos que tais documentos que atestam a veracidade das publicações deveriam ser autenticados em termos notariais para uma maior certeza jurídica. O trabalhador poderá defender-se perante a falsidade dos

perfis ou das publicações constantes no print screen através da ilisão da autenticidade ou da força probatória, nos termos do disposto no art. 446º do CPC.