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4 CORPO NO PROCESSO DE CRIAÇÃO DE BATATA!

4.1 ORIGEM DA PROPOSTA DE BATATA!

O Dimenti vem trabalhando com cânones e assuntos da dramaturgia universal e brasileira, no percurso de mais de 12 anos. Há muito tempo que o grupo tinha Nelson Rodrigues na mira, porém não uma obra específica, senão a amplitude do universo rodrigueano: sua dramaturgia e suas recorrências. As recorrências são um dos focos de atenção do grupo. No universo de Nelson Rodrigues, isso é distinto das típicas recorrências das telenovelas, televisão ou universo infantil. Em Nelson Rodrigues, elas são repetições revistas, transformadas e retomadas de uma maneira, insistentemente, obsessiva.

se deixar mergulhar no universo de Nelson Rodrigues, situação que ficou clara na concreção da trilogia: O Poste, A Mulher e O Bambu; Sensações Contrarias; e Batata!. Esses são trabalhos que fazem uma leitura das obras de Nelson, pesquisando elementos recorrentes de seus personagens, como por exemplo a confissão; uma confissão de um desejo que pode ser sexual ou ânsias de poder.

Em Sensações Contrárias essas confissões banais levam a um ambiente surreal, extra cotidiano na normalidade, onde as emoções apresentam-se de maneira inusitada, emoções metafóricas e poéticas. Sensações Contrárias traz uma crítica a elementos presentes em Nelson Rodrigues, como no Recôncavo baiano, como o poder do coronel e de sua esposa, a inocência na Lolita com patins e o desejo no rapaz que se contorce, ao olhar uma fanfarra de homens. Essas compulsões são esporádicas e incontroláveis, o corpo reflete as confissões não ditas na sua repressão cotidiana.

Em O Poste, A Mulher e o Bambu, mostra-se um mundo de confissão banal e carnavalesca, baseando-se em um tipo de confissão dos blogs de internet, uma confissão não catártica, dita, expressa e exibida. Uma banalidade frouxa, relaxada, uma confissão que se vê também através do corpo, um corpo com aspectos culturais da cidade de Salvador, uma atitude ébria, uma constante festa do largo/carnaval, um sair a tomar sol, fugir da areia quente, ou falar de uma vagina azeda, levando Nelson Rodrigues a um universo meramente baiano.

Batata! tem como pilares textos inéditos de autores baianos, como pretexto para se aproximar de maneira mediadora de Nelson Rodrigues, contribuindo com um outro olhar do autor, situado em um ambiente meramente baiano. Bairros da cidade, praia, negritude e racismo são elementos que se retomam tanto no autor como na cidade, capital do estado da Bahia.

É assim que surgiram Maldita Infecção, de Adelice Souza; Confissão do Irmão Incestuoso, de Cláudia Barral; Espeto!!!, de Elísio Lopes Jr.; Anjos Pardos, de Fábio Rios; O Escorpião Amarelo, de Kátia Borges; Dedo de Moça, e Céu de Anfetamina, ambos textos de Paula Lice. Os autores conseguiram com seus textos dar outro ponto de vista sobre o caráter confessional. O mistério e as metáforas foram ligados por fios dramatúrgicos instáveis e tensos ressignificados no Amor e na Morte presentes em cada um deles, que entrecruzando à pesquisa do universo de Nelson Rodrigues feita pelo grupo deram como resultado: Batata!.

universo de Nelson Rodrigues. Feito pelo Dimenti desde o processo de O Poste, passando por Sensações Contrárias, levaram a confessar as intenções do grupo de fazer um espetáculo com textos inéditos, referenciando-se na Bahia, em seus corpos e suas informações culturais.

Um exemplo dessa recorrência é como Nelson Rodrigues mantém elementos que são presentes e repetitivos em seu universo, como certa heterossexualidade compulsória, relatos baseados na classe rica e a invisibilidade do pobre. Aqui, o clichê se transforma num elemento repetitivo em constante reconstrução.

O corpo, em Batata!, como em O Alienista, parte do jogo de sair e entrar no espaço, dos personagens e da ação, assim como o comentar as ações da cena geram um corpo pouco nítido, que não tem uma posição definida, que dialoga e que está em constante câmbio, um corpo definido como corpo borrado, um corpo sem foco, que está constantemente desinstalado/instalado (corpo “interrupto”).

Os elementos de C+C estão diluídos em Batata! de maneira que a exibição deles é delicada e pouco evidente, pois as recorrências de Nelson Rodrigues vão dialogando com o conceito de corpo borrado, sem fronteiras e em uma mudança constante. O espetáculo nos brinda com um amadurecimento em relação com os trabalhos passados, no sentido do depuramento dos conceitos C+C, já expostos e inseridos nos corpos dimentianos.

Em Batata!, assim como em O Poste, as rubricas se dão como pistas interessantes de ação corporal, algumas vezes absurdas, metafóricas ou impalpáveis, que modificam os ritmos da cena e o pulso do espetáculo. É como se o mesmo Nelson Rodrigues retomasse e comandasse certas ações, dando uma ordem, já que as rubricas são comandos (que podem ser atendidos ou não).

Esse espetáculo é um dos mais recente trabalho do grupo, mergulhando no universo de Nelson Rodrigues, da Bahia e deles mesmos. Para o espectador oferece-se uma série de petiscos gostosos, em suas partes, e uma delicada fusão, na totalidade. Para mim, esse espetáculo foi especialmente significativo, pois consegui acompanhar várias partes dele como observador durante o processo criativo, a edição e concretização da peça. Um espetáculo feito por baianos e com estreia na Bahia, tendo esse elemento uma grande influência na pesquisa atual do grupo e na minha, pois a Bahia consegue se inscrever nos corpos dos intérpretes sem chegar a ser exposta de maneira folclórica, senão de uma maneira crítica