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Origem do capital investido e retenção da receita

5. RESULTADOS

5.2. Desenvolvimento e sustentabilidade em Vila do Abraão

5.2.1. Sustentabilidade Econômica

5.2.1.1. Origem do capital investido e retenção da receita

Como já foi visto, ao longo de todo o século passado, a economia da Ilha Grande esteve apoiada fundamentalmente na pesca e no presídio, podendo-se afirmar que o segundo era o “carro-chefe”. O Abraão constituía o centro dessa

economia, na medida em que era lá que se localizava o maior núcleo populacional e com ele o pequeno comércio que atendia aos funcionários do presídio, visitantes dos presos, moradores e outros visitantes. Quando o presídio foi desativado, em 1994, o que restou da economia precedente foi a pesca, que já vivera o ponto culminante de seu declínio duas décadas antes do fim do presídio, com o fechamento da fábrica de sardinhas. Assim, pode-se afirmar que não havia capital disponível na Ilha para o investimento no início da atividade turística no Abraão.

Isso não significa, porém, que o antigo morador não tivesse participação no processo de formação do turismo. Teve, mas de maneira indireta. Segundo Roberto Pereira Alves – investigador aposentado da polícia civil, que serviu no presídio durante os anos 70, morador do Abraão há mais de trinta anos, atualmente gerente do restaurante Casarão –, os filhos da maioria dos funcionários do presídio, quando chegavam a uma determinada idade, saíam da Ilha Grande para estudar ou trabalhar. Destes, pouquíssimos voltavam a morar na Ilha. Passavam a morar e trabalhar fora de lá, principalmente em Angra dos Reis, Mangaratiba ou Rio de Janeiro e voltavam à Ilha na condição de visitantes. Quando o turismo deu os primeiros sinais, foram estes filhos da Ilha Grande que retornaram para investir o que havia ganho fora de lá no seu local de nascimento.

É o caso de Luiz Fernando Queiroz, cujo avô foi um dos gregos que imigraram para a Ilha, no princípio do século passado e o pai foi funcionário do presídio. Luiz Fernando, atualmente presidente da Associação dos Meios de Hospedagem da Ilha Grande (AMHIG) e proprietário da pousada e do restaurante Bossa Nova, nasceu na Ilha Grande e saiu de lá na adolescência, retornando mediante a possibilidade de investimento que o turismo lhe ofereceu. Ele revela que as primeiras “pousadas” eram quartos alugados nas casas dos moradores.

Conforme crescia o turismo, quartos passaram a ser construídos, no terreno das casas ou em um segundo andar, instaurando um princípio de desenvolvimento que Luiz Fernando chamou de “lógica do puxadinho”. Segundo informa Marco Antônio Barbosa – consultor do projeto Unir e Vencer (Sebrae/Senac) –, foi como surgiu a maior pousada do Abraão, pousada Juliana, cujo proprietário é um ex-agente penitenciário.

Um outro investidor foi o próprio turista. É o caso de Renato Marques da Mota, que foi proprietário de barco e de pousada, ex-presidente da Associação de Moradores e Amigos da Ilha Grande (AMAIG) e membro do Comitê de Defesa da Ilha Grande (CODIG), atualmente guia turístico especializado nas trilhas da Ilha Grande. Há 16 anos atrás, Renato, que residia no Rio de Janeiro, foi demitido de uma empresa estatal que sofreu processo de privatização. Freqüentador da Ilha Grande, na condição de turista, Renato, mediante sua percepção das oportunidades geradas pelo crescimento do turismo no local e o sonho de fugir da agitação urbana da cidade do Rio de Janeiro, resolveu investir sua indenização na compra de um barco e na construção de uma pousada no Abraão.

Existe, ainda, um terceiro tipo, mais recente, que são empresários de porte variado, nacionais e estrangeiros, que estão comprando pousadas, que não estão conseguindo honrar seus compromissos financeiros.

Portanto, o capital investido no turismo veio de fora da Ilha Grande, mesmo nos casos em que o investidor é nativo do local. Acrescente-se que o investidor mais típico é, em geral, constituído por pessoas que tiveram ou ainda têm uma vida fora e que viram a possibilidade de lá se instalarem através do investimento na atividade turística.

Segundo Luiz Fernando, presidente da AMHIG, a maioria dos investidores em meios de hospedagem é composta por pessoas que não são nascidas ou que não moravam na Ilha no início do turismo e esta desproporção vem crescendo. Fora, porém, do setor de meios de hospedagem, a presença de nativos é maciça nos negócios existentes no centro do Abraão, como atesta o seguinte depoimento de Renato Marques, guia turístico:

Começando ali da sorveteria, é de filha de nativo, ela nasceu por aqui. Aí você vem para o lado de cá, a loja Amazônia está alugada para um argentino, mas ela é de nativo. O Gilson do Casarão da Ilha e da Pousada Porto Abraão e o irmão dele, o Wilsinho são daqui, o pai deles é daqui, e o local onde fica o [restaurante] Casarão ele comprou de um nativo, da dona Mirtes. Do lado dele, o César [pousada Recreio da Praia] é daqui. Depois vem a Água Viva [pousada] que é daqui. A Bossa Nova [pousada] é de gente daqui. O Tabas [lanchonete e restaurante] é do Carlão e da mulher dele, ele é nascido na Ilha. Todos os pequenos estabelecimentos ali atrás da igreja são de nativos, o bar do Dudu, com os computadores, é de nativo. O dono da Pousada Juliana é nativo. Os donos de camping... Os negócios concentrados aqui no centro mesmo do Abrão são todos de nativos ou filhos de nativos.

Muitas pessoas, com as quais se conversou de maneira informal ao longo da pesquisa, revelaram encontrar-se em um período intermediário: ainda tendo uma vida no Rio ou outra cidade grande, aguardando resultados de seus empreendimentos no Abraão para completarem o processo de mudança para lá.

Este modo de investimento revela, porém, um problema. Pois a maioria dos investidores não vem do ramo de turismo. Por conta disso, certos problemas vão se formando e afetando negativamente a prática turística, principalmente no Abraão. Segundo Marco Antônio Barbosa, do projeto Unir e Vencer, pousadas falidas por não terem sabido considerar a baixa temporada no seu plano de orçamento, expectativas de curto prazo que têm levado a um agressivo turismo de massa e a baixa qualidade dos serviços são alguns dos problemas decorrentes da “novidade” que a atividade turística representa para a maioria dos proprietários de meios de hospedagem.

Por outro lado, não existem formas de retenção da receita gerada pelo turismo na própria Ilha. O mercado existente no Abraão não tem porte para abastecer as pousadas e os restaurantes que se abastecem em Angra dos Reis. Segundo José Carlos MacCormick, proprietário da lanchonete Tabas, o que existe no Abraão não chega a ser suficiente para atender sequer à demanda dos moradores que mantêm a prática, desde os tempos do presídio, de fazer compras em Angra dos Reis. Isto inclusive está motivando José Carlos a transferir o capital que ainda mantém investido no Rio para o Abraão. O empresário pretende abrir uma padaria e um mercado. Acrescente-se, ainda, que o problema repete a mesma estrutura quando outros gêneros são considerados como o de materiais de construção, vestuário ou produtos de farmácia. O que existe na Ilha é caro e não apresenta variedade.

No caso da Ilha Grande, essa questão da ausência de formas de retenção do capital deve ser considerada sob, pelo menos, dois ângulos. O primeiro refere-se à produção agro-pecuária, que não se dá porque praticamente toda a Ilha encontra-se sob a condição de reserva ambiental, o que torna proibido o desenvolvimento de qualquer produção desse tipo. O segundo ângulo diz respeito a uma questão que será desenvolvida mais detidamente na dimensão cultural, que é o fato de até mesmo o artesanato à venda no Abraão vir de fora.

Além da ausência de formas que permitam o efeito multiplicador do turismo, existe, segundo Marco Antônio Barbosa, do projeto Unir e Vencer, a questão de parte da receita ser drenada para fora do País, visto que existem proprietários de pousadas que “só permanecem na Ilha e no Brasil no período da alta temporada”, finda a qual eles retornam aos seus países de origem, levando consigo parte da receita.