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ORIGEM HISTÓRICA DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

No documento Regime disciplinar diferenciado (páginas 45-48)

As diversas rebeliões ocorridas no interior de estabelecimentos prisionais no Estado de São Paulo, especialmente uma rebelião de fevereiro de 2001, motivaram a edição de várias resoluções que visavam assegurar a ordem e a disciplina do sistema prisional paulista, entre elas, foi editada pela Secretaria de Administração Penitenciária, a Resolução SAP nº 26, de 04/05/2001, que instituiu o regime disciplinar diferenciado, como resposta aos

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seguidos motins e sob a argumentação da existência de facções criminosas e organizadas no interior dos presídios.

Dessa forma, em meio à realidade de uma crise prisional e como resposta estatal imediata à desordem provocada pelos presidiários, o Governo Paulista, através da referida resolução, instituiu o modelo de regime disciplinar diferenciado, determinando a instalação de prisões de segurança máxima e aumentou o poder dos diretores de penitenciárias.

Registra-se que, na mesma época, outros Estados brasileiros também enfrentavam problemas com organizações criminosas atuantes dentro de estabelecimentos prisionais, evidenciando-se a necessidade de uma norma de caráter nacional para reprimir a desordem provocada por presos no sistema prisional brasileiro, vez que tal problemática, mesmo de forma diferenciada, comprometia todas as unidades da Federação.

Sobre a origem do regime disciplinar diferenciado ensina Magalhães:

As origens mais remotas de um regime mais rigoroso para presos incomuns são apontadas ainda na Antiguidade, embora fossem empregadas denominações diversas. No Brasil, há referências ao instituto no período imperial de nossa história. Em fase mais recente, já vinham sendo discutidas propostas de implantação de medidas nesse sentido até que, em 15 de março de 2003, a sociedade foi surpreendida com o trágico homicídio que vitimou o então Juiz-Corregedor da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente/SP, Dr. Antônio José Machado Dias, vindo posteriormente a se descobrir ter sido esta mais uma obra de uma facção criminosa insatisfeita com a atuação honesta e exemplar do referido magistrado no trato de presos de reconhecida periculosidade. A partir de então, foram incrementados os esforços no sentido do endurecimento das regras prisionais em face de indivíduos cujo comportamento no cárcere punha em risco a sociedade e as próprias autoridades estatais que atuavam na repressão criminal.2

Houve a realização de audiências públicas pela Comissão de Constituição e Justiça, com a participação da Comissão Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que era contrária à criação do RDD em âmbito nacional, afirmando que tal medida violava a Magna Carta em vários aspectos. No entanto, no início de dezembro 2003, foi publicada a Lei n° 10.792/20033, que alterou a Lei de Execução Penal e instituiu o regime disciplinar diferenciado em todo o Brasil.

Nas palavras de Nunes:

A morte de dois Juízes de Execução Penal, no mês de março de 2003, em São Paulo e Espírito Santo, fez ressurgir no âmbito do Congresso Nacional o Projeto de Lei 7.053, enviado em 2001 pela Presidência da República. Em 26-03-2003 o PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal agora

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MAGALHÃES, Vlamir Costa. Breves notas sobre o regime disciplinar diferenciado. Uol. Disponível em: <jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9828>. Acesso em: 9 out. 2010.

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BRASIL. Lei n. 10.792, de 1° de dezembro de 2003: altera a lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - lei de execução penal e o decreto-lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - código de processo penal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2003/L10.792.htm>. Acesso em: 4 out. 2010.

modificando vários dispositivos da Lei de Execução Penal, criando, com força de Lei, o Regime Disciplinar Diferenciado.4

Nessa esteira de raciocínio, pode-se afirmar que o nascimento do regime disciplinar diferenciado foi motivado pela necessidade de maior segurança nos estabelecimentos prisionais e para preservar a ordem pública, que estava ameaçada pela atuação de organizações criminosas, sendo que seus líderes ou integrantes, mesmo encarcerados, comandavam ou participavam das ações relacionadas às suas facções, representando um alto risco para a segurança do sistema prisional e, consequentemente, para o meio social.

Oportuno registrar que as ações da facção nascida no Estado de São Paulo e denominada Primeiro Comando da Capital (PCC) motivou a instituição do RDD na Lei de Execução Penal, vez que o PCC demonstrava poder e organização, possuindo estatuto próprio que era seguido por seus integrantes, o qual é exposto na íntegra:

1. Lealdade, respeito, e solidariedade acima de tudo ao Partido. 2. A Luta pela liberdade, justiça e paz.

3. A união da Luta contra as injustiças e a opressão dentro das prisões.

4. A contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos dentro da prisão

através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate.

5. O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja

conflitos internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado do Partido.

6. Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais, contra pessoas de fora.

Porque o ideal do Partido está acima de conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre leal e solidário à todos os seus integrantes para que não venham a sofrerem nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.

7. Aquele que estiver em liberdade ‘bem estruturado’, mas esquecer de contribuir

com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão.

8. Os integrantes do Partido têm que dar bom exemplo a serem seguidos e, por isso,

o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.

9. O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse

pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse como ao Bem de todos, porque somos um por todos e todos por um.

10. Todo integrante tem que respeitar a ordem e a disciplina do Partido. Cada um vai

receber de acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.

11. O Primeiro Comando da Capital PCC fundado no ano de 1993, numa luta

descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de concentração ‘anexo’ à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, tem como tema absoluto a ‘Liberdade, a Justiça e Paz’.

12. O partido não admite rivalidades internas, disputa do poder na Liderança do

Comando, pois cada integrante do Comando sabe a função que lhe compete de acordo com sua capacidade para exercê-la.

13. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra

novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992, onde 11 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do

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NUNES apud MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 73.

Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas e massacres nas prisões.

14. A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado a

desativar aquele Campo de Concentração ‘anexo’ à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do comando, no meio de tantas lutas inglórias e a tantos sofrimentos atrozes.

16. Partindo do Comando Central da Capital do QG do Estado, as diretrizes de ações

organizadas simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado, numa guerra sem trégua, sem fronteira, até a vitória final.

17. O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do

Comando se espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidamos à nível estadual e à médio e longo prazo nos consolidaremos à nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o terror ‘dos Poderosos’ opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros.

Conhecemos nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será vencido.

LIBERDADE! JUSTIÇA! E PAZ!

O Quartel General do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com Comando Vermelho CV.

UNIDOS VENCEREMOS.5

Evidente que a conduta e ideais desta facção contribuíram para a criação do regime disciplinar diferenciado, primeiramente no Estado de São Paulo, em 2001, e incluído na Lei de Execução Penal, através da Lei n° 10.792/2003. Desta forma, busca-se demonstrar que a criação do RDD está diretamente ligada à atuação de facções criminosas, em especial o Primeiro Comando da Capital que, por sua vez, aproveitou-se da crise no sistema prisional para disseminar idéias como ações de resgates de seus integrantes presos, criando um clima de insegurança e levando o Estado a uma resposta imediata, rigorosa e consequentemente questionável, sob os aspectos constitucionais.

No documento Regime disciplinar diferenciado (páginas 45-48)

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