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Regime disciplinar diferenciado

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA DEIVEISON QUERINO BATISTA

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA HUMANIDADE E DA DIGNIDADE.

REFLEXOS NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Tubarão 2010

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DEIVEISON QUERINO BATISTA

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA HUMANIDADE E DA DIGNIDADE.

REFLEXOS NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador Temático: Alex Sandro Sommariva, Esp.

Tubarão 2010

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DEIVEISON QUERINO BATISTA

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA HUMANIDADE E DA DIGNIDADE.

REFLEXOS NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 24 de novembro de 2010.

________________________________________ Prof. e orientador Alex Sandro Sommariva, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

________________________________________ Prof. Walmor Carlos Coutinho, Msc. Universidade do Sul de Santa Catarina

________________________________________ Prof. Eron Pinter Pizzolatti

(4)

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus, pois apesar de não crer em nenhuma religião, inegável a existência de um ser superior que me acompanha diariamente, guiando meus passos e iluminando meus caminhos.

Em especial, aos meus pais, Marlene e José, pela educação e valores ensinados, principalmente, para lutar por meus objetivos sem jamais utilizar da desonestidade.

Ao amor da minha vida, minha esposa, Dayane, pela adorável companhia, paciência e compreensão. Além disso, sem ela, nunca ingressaria na universidade.

Ao meu irmão, Diógenes, pois não basta somente um vínculo sanguíneo, o que nos faz irmãos de verdade é nossa imortal amizade.

Ao meu afilhado Vinícius, pela alegria proporcionada com sua vinda ao mundo, o que certamente contribuiu para não me deixar desistir.

A Juceir dos Santos, amigo e colega de profissão, que me auxiliou e substituiu profissionalmente, inúmeras vezes, permitindo que atingisse meus objetivos acadêmicos.

Ao professor Alex Sandro Sommariva, orientador desta monografia, pelos sábios auxílios prestados durante a realização desse trabalho.

Por último, mas não menos importante, aos professores e colegas de turma que, de uma forma ou de outra, contribuíram para superar os obstáculos desta caminhada.

(5)

“O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.” (ALBERT EINSTEIN).

(6)

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objeto a análise das violações constitucionais causadas pelo regime disciplinar diferenciado, principalmente nos princípios da humanidade das penas e da dignidade humana. Motivado por várias rebeliões prisionais, comandadas por líderes ou integrantes de facções criminosas, o RDD surgiu em meio à forte pressão exercida pela mídia, visando punir severamente tais criminosos. Foi criado pela Lei nº 10.792/03, que modificou o art. 52 da Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84). As características desse regime, que trata de forma diferenciada os presos envolvidos em facções criminosas ou causadores de subversão à ordem ou disciplina dos presídios, provocaram divergência de entendimentos quanto à sua constitucionalidade, especialmente no tocante ao tempo de isolamento que pode ser imposto ao presidiário. As restrições impostas ao preso recolhido no RDD foram além dos limites estabelecidos pela Constituição Federal. É necessário estabelecer medidas diferenciadas para aqueles presidiários que demonstram maior grau de periculosidade, principalmente integrantes de organizações criminosas, porém é inadmissível a violação de princípios constitucionais, sob o argumento da manutenção da ordem e segurança. Para elaboração deste trabalho foi utilizado o método de abordagem dedutivo. Em relação ao procedimento foi adotado o método monográfico. Ainda, foram empregadas as pesquisas bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Crime organizado. Execução penal. Ressocialização. Segurança pública. Prisão.

(7)

ABSTRACT

The present work of course conclusion has as object the analysis of the breakings constitutional caused by the regimen to discipline differentiated, mainly in the principles of the humanity of the penalties and the dignity human being. Motivated for some prisionais rebellions, commanded for integrant leaders or of criminal factions, the RDD appeared in way to the strong pressure exerted for the media, aiming at to punish such criminals severely. Nº 10,792/03 was created by the Law, that it modified art. 52 of the Law of Criminal Executions (Law n º 7,210/84). The characteristics of this regimen, that deals with differentiated form the involved in criminal factions or .causing prisoners of subversion to the order or disciplines of the penitentiaries, had provoked divergence of agreements how much to its constitutionality, especially in regards to the isolation time that can be tax to the prisoner. The restrictions imposed to the prisoner collected in the RDD had been beyond the limits established for the Federal Constitution. It is necessary to establish measured differentiated for those prisoners who demonstrate to greater danger degree, mainly integrant of criminal organizations, however the constitutional breaking of principles is inadmissible, under the argument of the maintenance of the order and security. For elaboration of this work it was used how much to the boarding, the deductive method. In relation to the procedure the monographic method was adopted. Still, the research had been used bibliographical and documentary.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA EVOLUÇÃO ... 11

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 11

2.2 PENAS CORPORAIS ... 14

2.2.1 Penas cruéis ... 15

2.2.2 Pena de banimento ... 16

2.2.3 Pena de trabalhos forçados ... 17

2.2.4 Pena de prisão perpétua ... 18

2.2.5 Pena de morte ... 18

2.3 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ... 20

2.3.1 Reclusão ... 21

2.3.2 Detenção ... 22

2.4 MOVIMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL ... 22

2.5 DIREITO DE PUNIR DO ESTADO ... 24

2.6 FINALIDADES DA PENA DE PRISÃO ... 25

2.7 FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO ... 28

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CONCERNENTES À EXECUÇÃO PENAL .... 30

3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ... 30

3.2 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA ... 32

3.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA PENA ... 35

3.4 PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE ... 37

3.5 PRINCÍPIO DA HUMANIDADE ... 39

3.6 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 41

4 O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD) ... 44

4.1 ORIGEM HISTÓRICA DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO ... 44

4.2 ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 10.792/2003 ... 47

4.3 CARACTERÍSTICAS E HIPÓTESES DE APLICAÇÃO ... 49

4.4 NECESSIDADE E EFICIÊNCIA ... 51

4.5 LEGALIDADE DO RDD ... 53

4.6 PROPORCIONALIDADE DO RDD ... 56

(9)

4.7.1 Vedação a tratamento desumano ou degradante ... 58

4.7.2 Vedação a penas cruéis ... 59

4.8 DIGNIDADE HUMANA E O RDD ... 60

4.9 REFLEXOS NA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESIDIÁRIO ... 62

5 CONCLUSÃO ... 64

(10)

1 INTRODUÇÃO

Entre os anos 2001 e 2003, as frequentes rebeliões no sistema prisional brasileiro eram comandadas por facções criminosas. No intuito de controlar tal situação, com a justificativa da manutenção da ordem e segurança dos estabelecimentos prisionais, foi elaborada a Lei nº 10.792/2003, que institui o regime disciplinar diferenciado na Lei de Execução Penal. No entanto, o Estado, na busca de repostas imediatas para solucionar o problema, como também para atender o clamor social provocado pela mídia, acabou não observando alguns princípios estabelecidos pela Constituição Federal.

O objetivo deste trabalho é verificar, perante as condutas de facções criminosas, a necessidade, a eficiência e, principalmente, a constitucionalidade desse regime de disciplina carcerária, bem como analisar seus reflexos na reinserção social do preso.

A justificativa do estudo decorre de divergências de entendimento decorrentes de violações ao texto constitucional provocadas pela criação do regime disciplinar diferenciado, sobretudo a humanidade das penas e a dignidade humana. Isto porque a edição da Lei n° 10.792/2003 ocorreu em momento de total insegurança no sistema prisional brasileiro, em virtude das ações organizadas de facções criminosas atuantes dentro e fora dos estabelecimentos prisionais.

Para tanto, foram utilizados como método de abordagem o dedutivo, como método de procedimento o monográfico, empregando-se ainda a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental na busca dos objetivos previamente definidos.

Assim, no primeiro capítulo, o trabalho inicia com a evolução histórica da pena privativa de liberdade, demonstrando-se cada uma de suas fases até os dias atuais, sendo possível a constatação de que a pena de prisão está em crise, não cumprindo sua função ressocializadora.

Evidente que a pena não pode visar apenas o castigo do criminoso, pois sua função primordial é ressocializar, além de punir proporcionalmente ao bem jurídico violado. Atualmente, a privação da liberdade deve respeitar o princípio da humanidade das penas, para evitar os bárbaros castigos corporais tão utilizados na Antiguidade e na Idade Média.

Neste sentido, no segundo capítulo, será necessário analisar princípios do ordenamento jurídico brasileiro concernentes à execução penal, verificando se o regime disciplinar diferenciado está em consonância com tais princípios que imperam no Estado Democrático de Direito, especialmente o da dignidade humana e da humanidade das penas.

(11)

Por fim, complementando este raciocínio, no terceiro capítulo serão demonstradas as alterações trazidas pela Lei n° 10.792/2003, com ênfase nas características e hipóteses de aplicação do regime disciplinar diferenciado, para, ao final, explanar sobre seus reflexos na ressocialização do preso.

(12)

2 A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA EVOLUÇÃO

Para se chegar ao ponto crucial deste trabalho, ou seja, demonstrar as violações constitucionais provocadas pelo regime disciplinar diferenciado, necessária a abordagem da pena privativa de liberdade desde a sua origem, identificando os principais pontos de sua evolução histórica até os dias atuais.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A pena é uma instituição muito antiga, cujo surgimento se registra nos primórdios da civilização. A vingança privada foi a primeira forma de punição para os crimes praticados. Tudo se resolvia com base na lei do mais forte, não existindo limites na execução da reprimenda, vez que eram aplicadas a pena de morte, a escravidão e o banimento como medidas punitivas, além da possibilidade da pena atingir toda a família do criminoso. O Código de Hammurabi (1680 a.C.) trouxe uma pequena evolução, mesmo prevendo punições inconcebíveis para os dias de hoje, pois amenizou as absurdas e cruéis penas existentes.1

A vingança privada inicialmente ocorria de forma individual, como reação puramente instintiva do ofendido. Posteriormente, o espírito de solidariedade e o interesse comum na proteção da coletividade se colocavam ao lado do vingador, que aplicava a pena através de uma vingança coletiva, com excessos e sem limites.2

O segundo período foi chamado de período da vingança divina. A pena, até então aplicada de acordo com a vontade do ofensor ou de seu grupo, passa a ser imposta baseada na vontade de entidades divinas. A punição existia para acalmar a ira divina e limpar a alma do criminoso, pois assim a paz na terra seria mantida. O Código de Manu (Século XI a.C.) determinava, entre outras barbáries, o corte de dedos dos ladrões e, em caso de reincidência, eram cortados os pés e as mãos. Nesse período, o nome de Deus foi utilizado para justificar a prática de incontáveis monstruosidades.3

1

MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas alternativas. 2. tir. Curitiba: Juruá, 1999. p. 21. 2

OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. 3. ed. rev. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2003. p. 24. 3

(13)

Sobre o período da vingança divina, ensina Oliveira:

A história penal dos povos antigos apresenta reação primitiva de caráter religioso, em conexão com o sistema de talião e o da composição. O Direito aparece envolto por princípios religiosos. A Religião era o próprio Direito, posto que imbuído de espírito místico. Assim, o delito era uma ofensa à divindade que, por sua vez ultrajada, atingia a sociedade inteira.4

A evolução das relações entre os povos fez surgir o período da vingança pública, no qual se buscava a segurança do próprio Estado, sendo que o grupo organizado detinha o poder de estabelecer ao criminoso a respectiva pena, mantendo-se as características cruéis e desumanas das punições. Visava-se assegurar o poder do Estado, que, no entanto, não se preocupava em evitar as variadas formas de crueldades.

Em relação ao período da vingança pública, é oportuna a lição de Oliveira:

Com o evoluir das relações entre os povos, novos conceitos de valores foram surgindo, ensejando a delimitação definitiva dos campos do Direito e da Religião. As leis já não podiam ser aceitas como simples costumes sagrados, reveladas e sancionadas pelos deuses, misturadas com os regulamentos litúrgicos, nos antigos códigos dos templos.5

Até o período da vingança pública as penas existentes eram bárbaras e cruéis. No entanto, deve-se registrar que parte da população não aceitava tais punições. As ideias emergentes já não admitiam que aplicação da pena ocorresse de forma tão abusiva, através de castigos corporais, das diversas formas de suplícios, dos trabalhos forçados e da pena de morte. Assim, na segunda metade do século XVIII, inicia-se o período humanitário da pena, caracterizado pela moderação das punições e proporcionalidade com o crime praticado.6

Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, foi um dos pilares dessa nova realidade. Beccaria editou obra que simbolizou a reação liberal contra o desumano panorama penal vigente, elaborando princípios que foram as bases para o direito penal moderno, alguns presentes na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução Francesa. Em relação às penas, repudiava as de morte e cruéis, defendendo a necessidade da lei estipular as punições, evitando-se a arbitrariedade judicial. Afirmava, ainda, que as penas não poderiam transcender a pessoa do condenado.7

Acerca do período humanitário da pena, colhe-se da lição de Oliveira:

Para tanto, o novo Direito deveria deslocar-se da vingança suprema do soberano e estender-se à defesa da sociedade, abandonar seu caráter retributivo e caracterizar-se

4 OLIVEIRA, 2003, p. 28. 5 Ibid., p. 35. 6 MARTINS, 1999, p. 23. 7 Ibid., p. 25.

(14)

pela intimidação, atenuação da punição, codificação nítida dos crimes e sanções e formar um consenso a respeito da necessidade da prevenção do delito, pois o passado não retorna, mas o futuro será certo, e é para ele que o castigo deve ter função exemplar.8

A transformação da pena foi gradativa. As penas de prisão não eram utilizadas pelos povos primitivos, o que se utilizava eram a pena de morte e os diversos tipos de suplícios como forma de reprimir a criminalidade. Com o passar dos anos, surgiu o encarceramento, que era uma simples medida preventiva, ou seja, o criminoso permanecia aprisionado aguardando a decisão final. Foi a partir do século XVIII que a pena de prisão passou a substituir as demais modalidades de punições. Porém, as condições de encarceramento e o tratamento aplicado aos presos continuavam abusivos e, aos poucos, surgiram as ideias de recuperação do criminoso e sua reinserção na sociedade.9

Importante estabelecer o que ocorreu no Brasil em relação à evolução histórica da pena privativa de liberdade. Quando Portugal descobriu o Brasil em 1500, adotavam-se as normas previstas nas Ordenações Afonsinas. A prisão era medida cautelar e não existia a previsão de sua utilização como sanção autônoma. Já entre os anos de 1514 e 1603, reinado de D. Manuel, aplicavam-se as regras constantes nas Ordenações Manuelinas, que mantiveram quase idêntica a situação da pena de prisão, onde, como regra, o criminoso aguardava encarcerado a prolação da decisão final. Após esse período, a partir de 1603, passaram a vigorar as Ordenações Filipinas, que em nada se diferenciavam dos regramentos anteriores. Caracterizavam-se pelo uso excessivo das sanções corporais, que poderiam ser empregadas em mais de setenta casos.10

O Código Imperial, de 1830, reduziu as hipóteses de aplicação de pena de morte a somente três delitos, quais sejam: insurreição de escravos, homicídio agravado e latrocínio. O referido diploma legal determinava o aprisionamento do criminoso como o meio mais usual de punição, porém, em alguns casos, existia a obrigação de trabalho dentro dos presídios. Já na República, o Código de 1890 estabelecia a proibição de penas infamantes, bem como que a privação de liberdade não poderia ultrapassar os trinta anos. Com efeito, importante registrar que a prática brasileira em editar múltiplas leis gerou dificuldades na aplicação da lei penal, levando o Governo a promover uma consolidação das leis penais existentes sem, no entanto, revogar as disposições contrárias ao novo texto legal.11

8 OLIVEIRA, 2003, p. 45. 9 MARTINS, 1999, p. 26-27. 10 Ibid., p. 27-28. 11 Ibid., p. 28.

(15)

Em 1940 foi promulgado o Código Penal. Sobre esse texto legal, ensina Martins:

Durante a ditadura Vargas, promulgou-se o Código Penal de 1940, que estabeleceu no rol das penalidades por práticas criminosas, a reclusão - cujo máximo atinge 30 (trinta) anos -, a detenção – com quantificação mais severa em 3 (três) anos -, enquanto a prisão simples ficou relegada à Lei das Contravenções Penais. A pena de multa também integra o elenco das penas principais, criando-se ainda as penas acessórias, consistentes na perda da função pública, interdições de direitos e publicação da sentença, ao passo que nas contravenções penais, se aplicam apenas a publicação da sentença e a interdição de direitos.12

Durante sua história, a pena de prisão passou por várias alterações, sendo progressivamente abrandada. Porém, todas as mudanças não foram suficientes para sanar o problema da criminalidade, no tocante à prevenção e à recuperação do criminoso. Exemplo disso é a superlotação dos presídios e penitenciárias, que deveriam resolver o problema, através da recuperação do preso para sua reinserção social, quando na realidade agravam a situação, pois infratores sem maiores riscos à comunidade são misturados com criminosos de alta periculosidade, ocorrendo a interação entre todos e, consequentemente, formando-se a

faculdade do crime.13

2.2 PENAS CORPORAIS

A antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade como sanção penal. Até fins do século XVIII, a prisão serviu apenas como local para guarda de réus, visando preservá-los até o momento do julgamento. As penas aplicadas na sentença eram a pena de morte, as penas corporais (mutilações e açoites) e as penas infamantes. A prisão tinha a exclusiva função de ser o local onde o preso aguardava a aplicação dos mais diversos castigos.14

Na Idade Média predominavam as penas corporais, também chamadas de suplícios, caracterizadas pela crueldade e pela degradação provocada na personalidade do condenado. As ofensas eram respondidas pela vingança de sangue ou perda da paz, através das seguintes penas corporais: morte, tortura, banimento, pena de trabalho forçado e a prisão perpétua. Sobre as penas de suplícios, ensina Foucault:

12 MARTINS, 1999, p. 29. 13 Ibid., p. 29. 14

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 4.

(16)

O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. O suplício faz correlacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas. Há um código jurídico da dor; a pena, quando é suplicante, não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é calculada de acordo com regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização do ferrete em brasa, tempo de agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez de deixá-lo morrer, e ao fim de quanto tempo esse gesto de piedade deve intervir), tipo de mutilação a impor (mão decepada, lábios ou língua furados).15

Tamanha barbárie levou filósofos e juristas da época a contestarem as penas existentes, contribuindo para o surgimento da corrente de pensamento denominada Escola Clássica, baseada na obra Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria. Contrário à crueldade das penas existentes, Beccaria defendia a pena privativa de liberdade como substitutiva para as penas capitais e corporais. Suas idéias foram adotadas em diversos Países entre os séculos XVII e XVIII, diminuindo a quantidade de delitos sancionados com a pena de morte e as penas corporais, aplicando-se a pena de prisão para vários delitos considerados mais graves.16

2.2.1 Penas cruéis

A crueldade na aplicação das punições está presente desde as mais antigas civilizações. Àqueles que violavam as normas de convivência eram castigados de forma bárbara. Além disso, não existia proporcionalidade entre o crime praticado e a pena imposta, vez que eram utilizadas as mais cruéis punições como morte, mutilação, tortura e trabalhos forçados. Criminosos, quando não condenados à pena capital, eram submetidos a açoites, seus braços ou pernas eram amputados ou seus olhos arrancados.17

No período medieval, a pena capital era a mais utilizada para punir os infratores, sendo executada pelas formas mais cruéis (fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento etc.), visando unicamente a intimidação. Utilizava-se a defesa do Estado e da religião como justificativa para o terror das punições, sendo estas desiguais e dependentes da condição social e política do réu.18

15

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 31. 16 BITENCOURT, 2004, p. 38. 17 Ibid., p. 5-9. 18

(17)

Como já foi dito, as punições eram também conhecidas como suplícios e, segundo Foucault, o suplício penal não corresponde a qualquer punição, pois é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a manifestação do poder que pune.19

No Brasil, atualmente, a Constituição Federal proíbe a aplicação de penas cruéis. No entanto, verifica-se a flagrante contradição entre o que está previsto na Magna Carta e prática cotidiana da maioria dos estabelecimentos prisionais de nosso País. As condições das prisões brasileiras transformam a pena privativa de liberdade em pena cruel, fazendo ressuscitar não os mesmos castigos, mas semelhantes àqueles aplicados na Antiguidade e Idade Média, servindo de exemplo, o regime disciplinar diferenciado, que permite o cruel isolamento do preso por até 360 dias.

2.2.2 Pena de banimento

A pena de banimento foi muito utilizada na antiguidade clássica, na Grécia e em Roma. Era imposta aos cidadãos livres. Tal punição não tinha prazo fixado para o seu término, perdurando, em regra, até a morte do condenado. O banimento consistia no que hoje chamamos de expulsão, sendo o cidadão banido (expulso) de seu País, para onde não poderia mais retornar. Também era chamado de deportação e entre os gregos ficou conhecido como o exílio. Em Roma foi muito utilizado, onde várias pessoas foram deportadas para ilhas na Ásia e para o continente Africano.20

Segundo Sznick, “a deportação tinha duas modalidades: a) deportação simples a relegação, com uma vigilância rigorosa. Essa pena foi imposta a São João Evangelista, na Ilha de Patmos (na Ásia); b) deportatio ad coatos labores: deportação para trabalhos forçados.”21

Com a descoberta das Américas e com o surgimento das colônias, a pena de banimento se desenvolveu e foi empregada em inúmeros casos. Na Espanha, era cumprida nas Canárias e nas Filipinas. Em Portugal, onde foi muito utilizada, era conhecida como deportação (para a África e para o Brasil). Em nosso País, vale registrar que as deportações ocorriam para o Amazonas e para regiões isoladas onde foram construídos fortes: Forte do Desterro e Forte Coimbra (em Mato Grosso). A França foi um dos países que mais utilizou a

19

FOUCAULT, 2004, p. 32. 20

SZNICK, Valdir. Direito penal na nova constituição: terrorismo, pena de morte, tortura - racismo, confisco - banimento. São Paulo: Ícone, 1993. p. 290.

21

(18)

pena de banimento. Em 1848, surgiu a deportação para a Guiana Francesa, punição acompanhada do trabalho forçado, atingindo seu auge em 1885, com aproximadamente 10.127 condenados (deportados) e apenas 3.700 colonizadores.22

2.2.3 Pena de trabalhos forçados

A pena de trabalhos forçados foi marcada pela crueldade de seu cumprimento, vez que alguns condenados realizavam seus trabalhos com os pés presos a correntes. Tinha dupla função: a punitiva, que apenas castigava o apenado; e a função retributiva, que disponibilizava mão de obra para o Estado. Sobre esta modalidade de pena, esclarece Sznick:

Com o surgimento da navegação à vela, no século XVII, a pena de trabalhos forçados nas galés começou a declinar. Mas, mesmo assim, não deixaram de existir os trabalhos forçados. Outro exemplo de trabalhos forçados era o exercício nas minas, trabalho forçado que, ainda na metade do século, era empregado em algumas legislações, entre essas a União Soviética e os Estados Unidos (até a Segunda Guerra Mundial). Entre os condenados, poucos a cumpriram porque a alimentação fornecida não era suficiente.23

Durante o século XVIII, muitos países utilizaram da pena de trabalhos forçados, principalmente França e Inglaterra. Como regra geral, eram trabalhos pesados e de longa duração, pois os condenados trabalhavam com pás e picaretas na remoção de rochas. Além disso, o sistema de vida era precário, vez que moravam em locais insalubres e a alimentação era insuficiente.24

A Constituição Federal de 198825 vedou a aplicação da pena de trabalho forçado, pois tal punição sempre foi utilizada de maneira cruel e degradante à dignidade humana. Contudo, se livre de crueldades e bem utilizada, apresenta-se como uma opção de pena com alto significado ressocializador para o preso e como compensação para a sociedade.

22 SZNICK, 1993, p. 290-291. 23 Ibid., p. 287-288. 24 Ibid., p. 288. 25

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 4 ago. 2010.

(19)

2.2.4 Pena de prisão perpétua

Como o próprio nome indica, é a prisão que se perpetua até o fim da vida do condenado, existindo desde os tempos mais remotos, sendo que foi muito utilizada na Idade Média. No entanto, a partir do período humanitário da pena, perdeu força e deixou de ser utilizada em muitos países.

A prisão perpétua ainda é aplicada em vários países, sendo que muitos deles aceitam o livramento condicional depois de determinado período de cumprimento da pena, dependendo do comportamento do apenado. Sua utilidade é que justifica sua existência, porém, segundo Sznick, não é uma pena aconselhada, ainda que seja menos cruel que a pena capital, devendo ser abolida dos diplomas penais.26

No Brasil, a Constituição Federal27 não permite as penas de caráter perpétuo, sendo impossível sua introdução através de emenda constitucional, haja vista tratar-se de cláusula pétrea. Caso existisse a possibilidade de aplicação da pena de prisão perpétua no ordenamento penal brasileiro, estaríamos diante de mais uma contradição jurídica, pois um dos objetivos da execução penal é reeducar o criminoso para sua harmônica reintegração social. Um condenado à prisão perpétua não teria quaisquer expectativas de retorno ao meio social e isso o torturaria diariamente, o que faz da pena perpétua uma punição tão cruel quanto a pena capital.

2.2.5 Pena de morte

A possibilidade de aplicação desta espécie de pena sempre foi causa de controvérsias jurídicas. Existem aqueles que defendem a ideia de que a solução para a criminalidade seria a condenação à pena de morte. No entanto, além de violar diversas garantias fundamentais do ser humano, a pena capital é ineficiente, conforme os ensinamentos de Sznick:

A verdade é que – e está comprovado – a pena de morte não exerce a intimidação que se pensa possa exercer. Mesmo porque, quem comete um crime – que está

26

SZNICK, 1993, p. 301. 27

(20)

sujeito à pena capital – muitas vezes acaba por cometer mais de um – ou seja, uma série – já que pelo primeiro estava condenado à pena de morte.28

A pena de morte como retribuição a um crime cometido é tão antiga que se perde através dos tempos. Na antiguidade, desde o Egito até a época denominada clássica (Grécia e Roma), existem registros da pena capital. No entanto, é a partir da Idade Média que ocorre um incremento na pena de morte, motivado por duas causas principais: a) o aumento da criminalidade decorrente da criação do regime feudal; b) o crescimento do poder da igreja, que enfrentava a bruxaria com a aplicação da pena capital.29

Admitir sua aplicação seria retroceder no tempo e utilizar novamente das mais bárbaras penas empregadas, principalmente, durante a Antiguidade e Idade Média. Atualmente, considerando as condições dos estabelecimentos prisionais para sua execução, a pena privativa de liberdade encontra-se em estado de falência e, certamente, a solução não está na condenação de criminosos à pena capital.

Nesse sentido, a narrativa de Sznick:

Ademais, a pena de morte pela sua própria natureza não pode ser reeducativa: ela é cruel, desumana, destrutiva e violenta. Portanto, o contrário de qualquer pena de função reeducativa. Ainda que muitos dos aspectos cruéis tenham desaparecido, persistem ainda seus efeitos como, por exemplo, o medo da morte. Se a pena de prisão não está corrigindo o condenado, que dizer da pena de morte, que retira do condenado qualquer esperança que possa ter de emenda? Nem com a possibilidade de arrependimento a pena de morte acena.30

A Carta Magna de 198831 veda a utilização da pena de morte no Brasil, salvo em caso de guerra declarada. Acertou o legislador constituinte em estabelecer tal vedação, pois o Estado não tem o direito de tirar a vida de seus cidadãos. Ao contrário, deve assegurar condições para sua manutenção. Além disso, segundo Beccaria, a condenação à morte é guerra que se declara a um cidadão pelo País, que considera necessário ou útil a eliminação desse cidadão, bem como se comprovou através dos séculos que a pena de morte jamais deteve a vontade humana de praticar o mal.32

28 SZNICK, 1993, p. 214. 29 Ibid., p. 214-225. 30 Ibid., p. 247. 31

BRASIL. Constituição (1988). Loc. cit. 32

(21)

2.3 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

O movimento iluminista e a repercussão das idéias dos reformadores (Beccaria, Howard e Bentham), no final de século XVIII, destacaram a crise das sanções penais existentes. A partir do século XIX, a prisão se tornou a principal resposta à criminalidade e acreditava-se que poderia ser um meio eficaz na recuperação do delinquente. Durante muitos anos, predominou a ideia de que a prisão forneceria condições para reabilitar o criminoso, para que o mesmo voltasse reeducado ao meio social. No entanto, esse otimismo foi aos poucos desaparecendo, conforme nos ensina Bitencourt:

Esse otimismo inicial desapareceu e atualmente predomina uma certa atitude pessimista, que já não se têm muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o

objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das

críticas e questionamentos que se faz a prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado.33 (grifo do autor).

A privação de liberdade, apesar de contribuir para eliminar os castigos corporais, não tem correspondido com as finalidades de recuperação do condenado. É pura contradição, pois é praticamente impossível a ressocialização do homem que se encontra preso nas atuais condições do sistema penitenciário nacional. No entanto, não se pode negar que ela continua a ser o único recurso estatal aplicável aos criminosos de alta periculosidade.34

A pena de prisão é um mal necessário e justifica-se por sua necessidade, pois sem ela não seria possível a convivência em sociedade. Constitui uma solução do Estado, utilizada quando necessária para tornar possível a convivência entre os homens, sempre que um bem jurídico é violado. Entretanto, é evidente a crise em que se encontra a maioria dos estabelecimentos prisionais brasileiros, tornando ineficaz a execução da pena de prisão no tocante à reintegração social do criminoso.

A regra geral é que o Estado utiliza a pena de prisão como solução para o problema da criminalidade, encarcerando os praticantes de ilícitos penais. Na realidade, ao recolher um delinquente à prisão, está se resolvendo um problema de forma imediata, porém, cria-se outro, de forma mediata, vez que na atual situação das prisões brasileiras pode-se afirmar, sem exageros, que a problema da prisão é a própria prisão.

33

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 442.

34

(22)

As penas privativas de liberdade estão previstas no Código Penal Brasileiro35, juntamente com as restritivas de direitos e a de multa, sendo divididas em reclusão e detenção.

2.3.1 Reclusão

A reforma penal brasileira de 1984 adotou as penas privativas de liberdade como gênero, mantendo a reclusão e a detenção como espécies. A reclusão é utilizada para os crimes mais graves e, como consequência, o início do cumprimento da pena poderá ser em regime fechado, o mais rigoroso de nossa legislação.36

Nosso Código Penal37 estabelece que a pena de reclusão deve ser cumprida em qualquer um dos regimes de execução da pena, quais sejam: fechado, semiaberto ou aberto.

Para o regime fechado, em regra, são encaminhados os condenados a penas superiores a 08 (oito) anos, iniciando o cumprimento da reprimenda em estabelecimento de segurança máxima ou média. O apenado, de acordo com suas aptidões, fica obrigado ao trabalho em comum e, em tese, sujeito ao isolamento durante o repouso noturno, o que na realidade não ocorre, devido ao problema da superlotação carcerária.38

O regime semiaberto é o regime estabelecido para aquele condenado à pena acima de 04 (quatro) e não superior a 08 (oito) anos, desde que não reincidente, devendo ser encaminhado à colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar para iniciar o cumprimento da punição.

Conforme explica Bitencourt:

No regime semiaberto não há previsão para o isolamento durante o repouso noturno. Nesse regime, o condenado terá direito de freqüentar cursos profissionalizantes, de instrução de 2º grau ou superior. Também ficará sujeito ao trabalho comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou em estabelecimento similar.39

Por fim, o regime aberto é aquele destinado aos condenados não reincidentes, cuja pena seja igual ou inferior a 04 (quatro) anos, sendo cumprida desde o início em Casa do Albergado ou estabelecimento adequado.

35

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940: institui o código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 5 ago. 2010.

36

BITENCOURT, 2007, p. 444. 37

BRASIL, op. cit. 38

BITENCOURT, op. cit., p. 446. 39

(23)

Segundo Bitencourt, o regime aberto baseia-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade do apenado, devendo ele trabalhar, frequentar cursos ou exercer outra atividade autorizada fora do estabelecimento prisional, sem vigilância, proporcionando também o contato do condenado com sua família e com a sociedade.40

2.3.2 Detenção

Ao contrário da reclusão, a pena de detenção é reservada para os crimes de menor gravidade, sendo vedado de início o regime fechado para o cumprimento da reprimenda, estabelecendo-se os regimes semiaberto ou aberto na fixação da pena. No entanto, no caso de cumprimento insatisfatório da pena de detenção, poderá ser instituído o fechado, através do instituto da regressão de regime.41

O Código Penal Brasileiro define quais crimes são punidos com pena de detenção, ao transcrever as tipicidades penais com as sanções correspondentes.

2.4 MOVIMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL

A pena privativa de liberdade, assim como todo o Direito Penal, caracteriza-se por sua constante evolução. No início, era pura vingança desproporcional aplicada ao criminoso. Passou a ser punição proporcional à agressão sofrida. E, posteriormente, foi ocorrendo a diminuição da pena capital. Atualmente, mesmo com as mudanças ocorridas, a pena de prisão está em decadência, pois suas finalidades são alcançadas em raríssimos casos.

Muitas dessas transformações do direito penal e da pena de prisão são motivadas através de estudos e resultados obtidos pela política criminal, assim definida por Batista:

Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem novas ou antigas propostas do Direito Penal, das revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas da criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se política criminal.42

40 BITENCOURT, 2007, p. 447. 41 Ibid., p. 444. 42

(24)

Para Albergaria, “define-se hoje a política criminal como parte da política de desenvolvimento social e a readaptação do delinquente dentro do contexto de respeito aos direitos humanos.”43

Em decisão do IV Congresso da ONU de 1970, recomendou-se aos Estados-membros que a política criminal deve atuar em conjunto com os planos de desenvolvimento nacional. Corroborando com isso, no V Congresso da ONU, foram estabelecidas as seguintes medidas: a) a justiça social constitui o melhor meio de combater a criminalidade; b) a política penal deve coordenar-se em seus múltiplos aspectos e integrar-se na política social do País.44

Segundo Batista, o sistema penal é dividido em etapas. Assim, pode-se afirmar a existência da política da segurança pública (ênfase na instituição policial), política judiciária (ênfase na instituição judicial) e política penitenciária (ênfase na instituição prisional), todas integrantes da política criminal.45 Na atual realidade, a política penitenciária mereceria maior atenção, visando à efetiva aplicação dos direitos dos presos e, consequentemente, o alcance das finalidades da pena privativa de liberdade.

Os atuais movimentos de política criminal defendem a idéia de que a pena de prisão deve ser utilizada somente para os crimes de maior gravidade, pois é evidente a falência da pena privativa de liberdade, conforme ensina Batista:

A constatação, pela pesquisa empírica dos últimos cinqüenta anos, do fracasso da pena privativa de liberdade com respeito a seus objetivos proclamados, levou a uma autêntica inversão de sinal: uma política criminal que postula a permanente redução do âmbito de incidência do sistema penal.46

Os movimentos de política criminal buscam mudanças no sistema penal brasileiro e é evidente a necessidade de modificações, pois não são raras as contradições legislativas que por diversas vezes ferem a dignidade de acusados ou condenados, como é o caso da forma de aplicação do regime disciplinar diferenciado. Além disso, verifica-se a perfeição da execução penal somente em sua teoria, já que a prática demonstra uma realidade de violações a vários direitos dos presos.

43

ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 237. 44 Ibid., p. 237. 45 BATISTA, 2004, p. 34. 46 Ibid., p. 36.

(25)

2.5 DIREITO DE PUNIR DO ESTADO

O Estado, no exercício de sua função punitiva, encontra limitação constitucional, que visa garantir a segurança jurídica formal e material, imposta pelo Estado Democrático de Direito. Esses limites são os princípios constitucionais, que servem de orientação básica para a aplicação da lei penal.

Uma das principais funções do Estado é a proteção dos bens jurídicos de maior relevância para o homem e para a sociedade. Assim, o Estado cria um direito penal objetivo entendido como um conjunto de normas que descrevem delitos e estabelecem sanções, visando à proteção de bens jurídicos.47

Nessa linha de pensamento, pode-se afirmar que ao praticar um delito, o sujeito está infringindo uma norma penal, surgindo para o Estado o jus puniendi, ou seja, o direito de aplicar a punição prevista na norma objetiva e correspondente ao ilícito praticado. Entretanto, apesar de legítimo, o direito de punir do Estado não pode ser arbitrário, vez que existem limites constitucionais que devem ser observados.

Nesses termos, ensinam Côrrea Junior e Shecaira:

As limitações impostas ao poder punitivo do Estado visam a impedir o despotismo do poder público e evitar atrocidades como aquelas ocorridas antes da reforma pena ocorrida no século XVIII. É o direito objetivo que deve consagrar normas e princípios que coloquem o Homem como medida do poder punitivo.48

O jus puniendi estatal encontra limites no seu efetivo exercício, sejam eles estabelecidos pelo próprio direito objetivo ou pelos princípios penais consagrados na Constituição Federal. Tais limites, que devem ser observados pelo juiz na aplicação da pena, encontram-se previstos na legislação penal ordinária, que prescreve as espécies e o quantum da pena, delimitando no caso da pena prisão, um mínimo e um máximo a ser aplicado àquele que, com sua conduta, se adequar ao tipo penal previsto na lei.49

Segundo Côrrea Junior e Shecaira, “também no âmbito constitucional, sob a forma de princípios que devem ser observados tanto pelo legislador quanto pelo juiz, se encontram limites à cominação, aplicação e execução da sanção penal.”50

47

JESUS apud CORRÊA JUNIOR, Alceu; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 124-125.

48

CORRÊA JUNIOR; SHECAIRA, 2002, p. 126-127. 49

Ibid., p. 127. 50

(26)

Por fim, importante relacionar de forma resumida o direito de punir do Estado com o regime disciplinar diferenciado. Tal direito estatal encontra limites também na execução penal, limites estes estabelecidos por princípios previstos na Carta Magna, como o da dignidade humana, por exemplo, diante da possibilidade de isolamento por até 360 (trezentos e sessenta), em caso de aplicação do regime disciplinar diferenciado.

2.6 FINALIDADES DA PENA DE PRISÃO

O Estado utiliza o Direito Penal, mais especificamente a pena privativa de liberdade, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade. Atribui-se à pena a proteção a eventuais lesões de determinados bens jurídicos, sendo o meio de maior intervenção do Direito Penal e justificada por sua necessidade.

“Ainda que se reconheçam fins preventivos – gerais ou especiais – para a doutrina tradicional, a pena é concebida como um mal que deve ser imposto ao autor de um delito para que expie sua culpa. Isso não é outra coisa que a concepção retributiva da pena.”51

Durante muitos anos prevaleceu a idéia que a pena era uma retribuição ao mal praticado por um criminoso. Com a evolução do Estado, a pena ganhou uma concepção preventiva e, para melhor compreensão do assunto, analisaremos as três teorias mais importantes que explicam o sentido, a função e a finalidade das penas, quais sejam: teoria absoluta, teoria relativa e teoria unificadora.

A teoria absoluta, também chamada de retributiva, afirma que a pena restaura a ordem atingida pelo delito. Seus adeptos defendem a imposição de uma restrição a um bem jurídico daquele que violou uma norma penal.

Nas palavras de Côrrea Junior e Shecaira:

Kant entendia que a aplicação da pena constituía-se em um imperativo categórico, resumindo sua posição retribucionista (retribuição moral) da seguinte forma: caso um Estado fosse dissolvido voluntariamente, dever-se-ia antes executar o último assassino que estivesse no cárcere, a fim de que sua culpabilidade não recaísse sobre todo o povo que deixou de exigir a sanção. Se assim não procedesse o povo, poderia então ser considerado partícipe da lesão pública da justiça. Por sua vez, Hegel afirmou, em sua conhecida concepção dialética, que a pena é a negação da negação do direito, o que restabelece o Direito lesado (retribuição jurídica).52

51

BITENCOURT, 2007, p. 81. 52

(27)

A pena é encarada como uma necessidade para restaurar a ordem pública sempre que um bem jurídico é violado. No entanto, não se pode admitir a idéia de retribuição num Estado Democrático de Direito, que respeita a dignidade humana, pois é inconcebível que alguém possa pagar um mal cometido com um segundo mal imposto pelo próprio Estado.53

Contrapondo a teoria absoluta (retributiva), surgiu a teoria relativa, prevendo uma efetiva finalidade para a pena e justificando-se por seus efeitos de prevenção geral e especial, que devem ser entendidos em dois sentidos: um negativo e outro positivo.

A prevenção geral, em sentido negativo, afirma que “a pena deve produzir efeitos de intimidação sobre a generalidade das pessoas, atemorizando os possíveis infratores a fim de que estes não cometam quaisquer delitos”54, o que pode criar um clima de tensão e terror, em desrespeito ao estado democrático de direito, conforme nos ensinam Côrrea Junior e Shecaira:

Destarte, a teoria da prevenção geral negativa (intimidação) não tem conseguindo justificar a aplicação da sanção penal. Se o Estado pune o delinquente para que, com isso, consiga incutir o medo nos demais agregados sociais, a pena não está apoiada na culpabilidade, mas se restringindo a uma ação de intimidação através da punição exemplar daquele que cometeu o ato ilícito. Tal ideia não pode prosperar em um Estado Democrático de Direito.55

Ainda em relação à prevenção geral, esta pode ser encarada no sentido positivo ou de integração, pois o que se busca é o resultado de eficaz atuação judicial e da consciência que a sociedade passará a ter sobre esta realidade, ficando limitado o direito de punir do Estado pelos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade, da ressocialização, da culpabilidade, etc.56

Para finalizar o estudo da prevenção geral, oportuna é a lição de Bitencourt:

Para a teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos. Ante esta postura encaixa-se muito bem a crítica que se tem feito contra o suposto poder atuar racional do homem, cuja demonstração sabemos ser impossível. Por outro lado, esta teoria não leva em consideração um aspecto importante da psicologia do delinqüente: sua confiança em não ser descoberto. Disso se conclui que o pretendido temor que deveria infundir no delinqüente, a ameaça de imposição da pena, não é suficiente para impedi-lo de realizar o ato delitivo.57

No tocante à prevenção especial, esta justifica a aplicação da pena para evitar que o agente volte a cometer fatos definidos como crimes e, atualmente, também se divide em dois sentidos: um negativo (neutralização pela prisão) e outro positivo (reinserção social).

53

CORRÊA JUNIOR; SHECAIRA, 2002, p. 130. 54 Ibid., p. 131. 55 Ibid., p. 131. 56 Ibid., p. 132. 57 BITENCOURT, 2007, p. 90-91.

(28)

Nas palavras de Bitencourt:

Sob o ponto de vista político-criminal, por exemplo, a prevenção especial justifica-se uma vez que – justifica-se afirma – também é uma forma de prevenção o evitar que quem delinquiu volte a fazê-lo novamente, e nisto consiste a função preventivo-especial e, de certa forma, a do Direito Penal em seu conjunto. Ao mesmo tempo que com a execução da pena se cumprem os objetivos de prevenção geral, isto é, de intimidação, com a pena privativa de liberdade busca-se a chamada ressocialização do delinquente.58

No entanto, alguns pontos da prevenção especial devem ser analisados com mais atenção, principalmente no que se refere à ressocialização. Existem criminosos que não necessitam de medidas de reeducação, como os homicidas passionais, por exemplo. Dessa forma, como justificar a imposição de penas visando a ressocialização de tais delinqüentes? Porém, como deixar de puni-los? Assim, os fins da prevenção especial seriam ineficazes, pois, há agentes que não necessitam de intimidação ou reeducação.59

Apesar de algumas críticas à prevenção especial, “suas qualidades, por outro lado, são inescondíveis. Esta teoria tem um caráter humanista, pois põe um acento no indivíduo, considerando suas particularidades, permitindo uma melhor individualização do remédio penal.”60

Como resultado dos diferentes sentidos das teorias anteriores, surge a teoria mista ou unificadora, que visa agrupar em um único conceito os fins da pena, pois para os defensores desta teoria, a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são aspectos distintos de um mesmo e complexo fenômeno que é a pena. A teoria unificadora aceita a retribuição e o princípio da culpabilidade como meios de limitar a intervenção da pena, pois esta não pode ir além da responsabilidade do autor do delito.61

Sobre a teoria unificadora leciona Bitencourt:

Inicialmente essas teorias unificadoras limitaram-se a justapor os fins preventivos, especiais e gerais da pena, reproduzindo, assim, as insuficiências das concepções monistas da pena. Posteriormente, em segunda etapa, a atenção da doutrina jurídico-penal fixa-se na procura de outras construções que permitam unificar os fins preventivos gerais e especiais a partir dos diversos estágios da norma (cominação, aplicação e execução). Enfim, essas teorias centralizam o fim do Direito Penal na idéia de prevenção.62

Assim, as finalidades da pena de prisão estão diretamente ligadas ao momento social de cada Estado, gerando reflexos da forma de organização deste. Tais finalidades

58

BITENCOURT, 2007, p. 94. 59

CORRÊA JUNIOR; SHECAIRA, 2002, p. 133. 60

Ibid., 133-134. 61

BITENCOURT, op. cit., p. 95-96. 62

(29)

devem ser a preventiva e a ressocializadora, pois o que se busca são meios para evitar o cometimento de crimes e não a simples repressão destes. Entretanto, para aqueles crimes que a função preventiva não foi eficaz, bem como a função ressocializadora será desnecessária, deve-se aplicar a finalidade retributiva.

2.7 FALÊNCIA DA PENA DE PRISÃO

O principal aspecto da pena privativa de liberdade é sua execução, porém, em virtude da flagrante crise em que se encontra o sistema prisional brasileiro, o cumprimento da pena de prisão está muito distante dos princípios e fins previstos na Lei de Execução Penal.

Ensina Bitencourt:

Igualmente se tem debatido no campo da interpretação das diretrizes legais, do dever-ser, da teoria, e, no entanto, não se tem dado a atenção devida ao tema que efetivamente a merece: o momento final e problemático, que é o cumprimento da pena institucional. Na verdade, a questão da privação de liberdade deve ser abordada em função da pena tal como hoje se cumpre e se executa, com os estabelecimentos penitenciários que temos, com a infra-estrutura e dotação orçamentária de que dispomos, nas circunstâncias atuais e na sociedade atual. Definitivamente, deve-se mergulhar na realidade e abandonar, de uma vez por todas, o terreno dos dogmas, das teorias, do deve-ser e da interpretação das normas.63

Como vimos, uma das funções da pena de prisão é a ressocialização do condenado, ou seja, sua efetiva recuperação para o retorno ao meio social. No entanto, nas atuais condições da maioria das prisões brasileiras, pode-se afirmar que o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade está em crise, vez que não existem formas concretas para a realização de trabalhos reabilitadores com os encarcerados, gerando apenas a estigmatização do condenado.64

Dessa forma, pode-se afirmar que o principal problema da pena privativa de liberdade é sua execução, pois o que se verifica na realidade são situações contrárias e distintas ao que está previsto em lei. Essa contradição resulta na crise das prisões nacionais, motivada por inúmeros fatores, como a falta de vagas e de estabelecimentos adequados, os problemas psicológicos sofridos pelos presos, os casos de violência sexual entre os próprios presidiários, a subcultura carcerária, etc.

63

BITENCOURT, 2004, p. 153-154. 64

(30)

Segundo Bitencourt, a falência da prisão está diretamente relacionada ao seu efeito criminógeno, pois em vez de frear a delinqüência, parece estimulá-la e aperfeiçoá-la, haja vista a influência de fatores materiais (precárias condições dos estabelecimentos prisionais), psicológicos (hábitos de tirar vantagens de situações através de mentiras) e sociais (difícil reinserção social do delinquente).65

Outro problema que contribui para o fracasso da pena de prisão é o alto índice de reincidência. Não existe na realidade carcerária a separação de presos provisórios e condenados, assim como não são separados presos com alto grau de periculosidade daqueles que, em tese, demonstram menor perigo. Essa falta de condições para aplicar a efetiva individualização da pena acaba influenciando nos índices de reincidência, pois, em muitos casos, a prisão se torna uma verdadeira “faculdade do crime”.

Por fim, apesar da evidente falência da pena de prisão, não está se defendendo sua abolição. No entanto, são necessárias urgentes modificações, pois se deve aplicá-la aos crimes de efetiva necessidade e não como ocorre nos dias atuais, quando qualquer crime leva o praticante do ilícito para dentro de uma cela com inúmeras pessoas, pois não se pode admitir que traficantes, homicidas, sejam colocados juntos de praticantes de pequenos furtos ou estelionatos, por exemplo. Além disso, é necessário o investimento dos governos federal e estadual para o cumprimento do preceituado nas legislações penais, propiciando reais condições para a harmônica reintegração social dos presidiários.

65

(31)

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CONCERNENTES À EXECUÇÃO PENAL

Estão previstos em nossa Constituição Federal inúmeros princípios de fundamental importância para o direito penal brasileiro, pois são eles que limitam a intervenção do poder estatal, seja na fase de criação, aplicação ou execução da lei penal. Por óbvio que se torna importante verificar a observância de tais princípios, sobretudo na execução penal ou a partir do encarceramento do criminoso, vez que o regime disciplinar diferenciado pode ser aplicado a presos provisórios e condenados, sendo sempre necessária a aplicação dos princípios constitucionais concernentes à execução penal.

3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Segundo Silva, “atribui-se o surgimento do princípio da legalidade à Magna Carta Inglesa do Rei João Sem Terra, no ano 1215 (art. 39), que proibia a prisão do indivíduo e a privação de seus bens, salvo por um juízo de seus iguais ou pela lei do país.”1

Com efeito, salienta-se que, segundo, Corrêa Junior e Shecaira, “pode-se afirmar com tranqüilidade que o princípio da legalidade transformou-se em grande aforismo político apenas através do surgimento e difusão do ideário iluminista, proposto por diversos pensadores e filósofos do século XVIII.”2

No Brasil, o princípio da legalidade encontra-se estabelecido no artigo 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, com a seguinte redação: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”3 No mesmo sentido é o art. 1° do Código Penal. Dessa forma, pode-se concluir que alguém só pode ser punido pela lei penal quando o fato praticado tenha sido anteriormente definido como crime e, consequentemente, só aquelas condutas tipificadas podem ensejar condenação.

1

SILVA, Marisya Souza e. Crimes hediondos e progressão de regime prisional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 53.

2

CORRÊA JUNIOR, Alceu; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Teoria da pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 74. 3

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 2 set. 2010.

(32)

Conforme se verifica na doutrina mais moderna, o princípio da legalidade sofreu ampliações, desdobrando-se em três outros princípios: o da reserva legal, o da taxatividade e o da irretroatividade da lei penal.

Sobre o princípio da reserva legal ensina Silva:

O princípio da reserva legal assegura que somente será punida conduta em perfeita consonância com o tipo penal incriminador, tanto que a conduta atípica não pode ser apenada. Além dessa garantia, a reserva legal promove a seleção das condutas graves que precisam ser punidas com rigor jurídico. Por outro lado, é imperioso reconhecer que o Legislativo, com tamanho poder e inobservância dos princípios limitadores, tem aprovado normas de natureza criminal inconstitucionais. [...].4

Nesse sentido, deve-se entender o princípio da reserva legal como exigência de lei para criminalizar condutas ou impor penas, sendo proibida a aplicação dos costumes e dos princípios gerais do Direito, como fontes do Direito Penal, no que tange às normas incriminadoras. Da mesma forma que a analogia não pode ser usada para criar normas penais, pois é exigência legal a previsão escrita, abstrata e genérica para definir quais condutas são passíveis de sanções penais.5

No tocante à taxatividade do princípio da legalidade, deve-se ao fato de que as normas penais incriminadoras devem ser claras, certas e precisas, no intuito de proteger o indivíduo das arbitrariedades, bem como evitar erros decorrentes de normas confusas e mal-elaboradas, pois o que está em apreciação é o direito fundamental à liberdade do cidadão.

Nas palavras de Côrrea Junior e Shecaira:

De acordo com o princípio da taxatividade, as normas penais devem ser claras e objetivas, a fim de evitar formulações vagas e imprecisas. Destarte, rigorosamente considerado, o princípio da taxatividade acarretaria a inconstitucionalidade de tipos penais muitos vagos (ou abertos) e de determinadas normas penais em branco.6

O princípio da irretroatividade da lei penal, diretamente ligado ao princípio da legalidade, afirma que condutas praticadas e posteriormente consideradas ilícitas não podem ser punidas, sendo passíveis de sanções somente aquelas praticadas após a publicação da lei penal. Tal regra é derivada do conceito de anterioridade, que estabelece que a lei posterior não pode punir ou servir para agravar a situação de fato antes praticado.7

Com efeito, cabe registrar o estabelecido no art. 5°, inciso XL da nossa Carta Magna: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”8 Corroborando isso,

4

SILVA, 2009, p. 54. 5

CORRÊA JUNIOR; SHECAIRA, 2002, p. 77. 6

Ibid., p. 77. 7

SILVA, 2009, p. 54. 8

(33)

se o preceituado pelo art. 2° do Código Penal: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.”9 Conforme se verifica, a regra é que a lei penal não retroagirá, salvo para aqueles casos que gerar algum benefício para o acusado ou condenado.

Nesse sentido, a narrativa de Silva:

A questão da irretroatividade tem ensejado regulamentação inadequada em alguns países como a Itália, onde a retroatividade da lei mais benéfica somente se aplica antes da sentença definitiva. O mesmo não ocorre no Brasil, uma vez que a lei posterior mais favorável pode retroagir até após sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, quando o processo já se encontra em fase de execução da pena.10

Entre outras vedações, o princípio da legalidade não permite a elaborações de leis penais dúbias e confusas, passíveis de diferentes interpretações. Devem ser claras, taxativas e precisas, garantindo a aplicação justa da sanção penal. Assim, será demonstrado no capítulo seguinte, entre outras violações, que o regime disciplinar diferenciado também atinge o princípio da legalidade penal, principalmente no tocante à sua taxatividade.

3.2 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

Individualizar a pena significa tornar individual a situação do condenado segundo suas características e crime praticado, ou seja, particularizar o que está previsto de forma genérica, buscando especificar o estabelecido em abstrato para cada caso concreto.

Nesse sentido, os ensinamentos de Nucci:

A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena, da “mecanizada” ou “computadorizada” aplicação da sanção penal, que prescinda da figura do juiz, com ser pensante, adotando-se em seu lugar qualquer programa ou método que leve à pena pré-estabelecida, segundo um modelo unificado, empobrecido e, sem dúvida, injusto.11 (grifo do autor).

9

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940: institui o código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 2 set. 2010.

10

SILVA, 2009, p. 55. 11

(34)

Segundo Silva, a individualização da pena deve ocorrer na cominação, na aplicação e na execução da pena, com a devida adequação à realidade do condenado, isto é, às suas condições pessoais, à necessidade da medida punitiva e os fins de sua aplicação.12

Sobre o referido princípio, estabelece a Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens; c) multa;

d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.13

Nessa esteira de pensamento, pode-se afirmar que a individualização da pena divide-se em três etapas diferentes, ou seja, nos momentos legislativo (cominação da pena), judicial (aplicação da pena) e executivo (execução da pena).

De acordo com esse sistema, primeiramente, cabe ao legislador definir os tipos penais e estabelecer as penas a eles cominadas, em qualidade e quantidade, observando a relevância do bem jurídico protegido e gravidade da ofensa ao respectivo bem.14

Outro aspecto importante que deve ser ressaltado, diz respeito ao rol de sanções previsto no art. 5°, inciso XLVI, da Constituição Federal. Tal rol é meramente exemplificativo, permitindo-se ao legislador a criação de outras sanções, desde que compatíveis com as finalidades da pena e de aplicação permitida no Estado Democrático de Direito. Além disso, devem ser observadas as vedações constitucionais estabelecidas pelo art. 5°, inciso XLVII, que não permite a existência de penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e de penas cruéis.15

No segundo momento, verifica-se o caráter judicial da individualização da pena, assim lecionado por Silva:

A segunda particularização da pena é a sua fixação pelo julgador, nos termos do disposto no art. 59 do Código Penal, numa primeira fase, a pena-base, após análise individualizada das circunstâncias judiciais que são: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do infrator, os motivos, as circunstâncias e consequências do fato criminoso e o comportamento da vítima. Após estabelecida a pena-base, o magistrado deve verificar se existem circunstâncias

12

SILVA, 2009, p. 85. 13

BRASIL, Constituição (1988). Loc. cit. 14

SILVA, op. cit., p. 85. 15

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