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Origem histórica e definições da democracia representativa

CAPÍTULO 2 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA MODERNA

2.1 Origem histórica e definições da democracia representativa

A palavra democracia veio da Grécia, especificamente de Atenas e significa literalmente “poder do povo”133. Porém, a definição de democracia é dotada de relatividade e ambigüidade, isto é, “nenhuma definição da democracia compreende seu vasto desenvolvimento histórico”134.

Neste mesmo sentido, Pinto Ferreira preleciona:

A democracia não é uma doutrina imobilizada, petrificada em um dogma eterno, nem tampouco uma forma histórica imutável, porém um sistema de idéias e uma instituição que se retificam constantemente com o progresso ético e científico da humanidade.135

Mas foram nas antigas repúblicas gregas e romanas onde ocorreram as primeiras manifestações concretas de governo democrático. Aquelas experiências foram a semente da democracia, idealizada e praticada sob forma direta, ou seja, o povo governava-se por si mesmo em assembléias realizadas nas praças públicas. Tal sistema foi possível porque o Estado- cidade era pequeno.136

Por outro lado, Maluf assevera que mesmo a antiga democracia, vivida nas cidades gregas e romanas, há mais de vinte e cinco séculos passados, era considerada como governo da maioria e não da totalidade do povo, pois nem todas as pessoas possuíam direitos cívicos. O corpo eleitoral era formado por

133 AZAMBUJA, op. cit., p. 216.

134 VERDÚ, Pablo Lucas. Curso de Derecho político. Madrid: Tecnos, 1986. 2 v., p. 241. 135 PINTO FERREIRA, Luiz. Princípios gerais do Direito Constitucional moderno. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 195.

aqueles que reuniam as qualidades exigidas pela lei.137

Considerando que a vontade eleitoral era apurada pela maioria relativa, ou seja, pela maioria daqueles que participavam do pleito, Maluf, conclui que o governo da maioria é um conceito legal e não real.138

No século XVIII, a democracia surgiu sob forma indireta ou representativa. A complexidade das sociedades modernas, a começar pelas dimensões territoriais dos Estados, não possibilita o exercício da democracia direta. Portanto, democracia e representação política, nos dias de hoje, tornaram-se idéias equivalentes.

Segundo José Joaquim Gomes Canotilho, a democracia representativa acabou por impor-se no final do século XIX e início do século XX, quando o sufrágio passou a ser praticamente universal.139

Sobre a adoção do regime democrático representativo, Paulo Bonavides preleciona que:

O homem moderno, via de regra, ‘homem massa’, precisa de prover, de imediato, às necessidades materiais de sua existência. Ao contrário do cidadão livre ateniense, não se pode volver ele de todo para a análise dos problemas de governo, para a faina penosa das questões administrativas, para o exame e interpretação dos complicados temas relativos à organização política e jurídica e econômica da sociedade. Evidentemente, só há pois uma saída possível, solução única para o poder consentido, dentro no Estado moderno: um governo democrático de bases representativas.140

Hoje, não há onde não se invoque a democracia, sendo que o substantivo democracia vem sempre acompanhado de adjetivo que o faz

137 MALUF, op. cit., p. 280. 138 Ibid., p. 280.

139 CANOTILHO, op. cit., p. 402. 140 BONAVIDES, op. cit., p. 273.

exprimir significado distinto, tais como: democracia liberal, democracia pluralista, democracia aberta, democracia social. Diversas são as maneiras de entender a democracia.

Nesse sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho pondera:

O mundo é hoje unanimemente democrático. Todos os governos e todos os povos pretendem ser democráticos. Todos se declaram pela democracia e, não raro, se entredevoram pela democracia.

Essa unanimidade releva, sem dúvida, que só se aceita como legítimo o governo que provém do povo e que visa ao interesse social. Entretanto, muito contribui para essa unanimidade a obscuridade inerente ao termo democracia. Muitas são as maneiras de se entender a democracia. Por isso, raramente se emprega a termo desacompanhado de um qualitativo. Contudo, a qualificação freqüentemente acentua a obscuridade.141

Bobbio também afirma que, atualmente, “Não há regime, mesmo o mais autocrático, que não goste de ser chamado de democrático. A julgar pelo modo através do qual hoje qualquer regime se autodefine, poderíamos dizer que já não existem no mundo regimes não-democráticos”142.

Paulo Bonavides assevera que a palavra democracia, nos dias correntes, domina com tal força a linguagem política, que raro governo, Sociedade ou Estado que não se proclamam democráticos. No entanto, conclui que “raros termos de ciência política vêm sendo objeto de tão freqüentes abusos e distorções quanto a democracia”143.

141 FERREIRA FILHO, op. cit., p. 84.

142 BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política; In: BOVERO, Michelangelo (org.). Afilosofia

política e as lições dos clássicos. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus,

2000. p. 375.

ainda em elaboração, tendo em vista que, diante da “profunda e extensa crise moral e intelectual que a humanidade atravessa, seria prematuro afirmar que ela se fixou neste ou naquele conceito”, mas concorda que é possível assinalar algumas tendências, tais como, que “a democracia não deve ser apenas político, e sim político e social”144.

J. J. Canotilho, ao tratar sobre democracia, também ensina que o conceito de democracia bem cedo passou de um conceito literário para um conceito político-social, verdadeiro indicador de movimentos sociais, em busca de justiça social e igualdade.145

Nesta mesma esteira doutrinária, Touraine pondera que, “a democracia tem como objetivo principal criar uma sociedade política cujo princípio central deveria ser a igualdade”146. Afirma ainda:

Enquanto a sociedade civil [...] é dominada pela desigualdade e pelos conflitos de interesses, a sociedade política deve ser o espaço da igualdade: portanto, a democracia tem como objetivo principal garantir a igualdade não só dos direitos, mas também das oportunidades e limitar o quanto possível a desigualdade dos recursos.147

Segundo Norberto Bobbio, são muitas as definições de democracia, mas, entre todas as definições, prefere aquela que apresenta a democracia como o “poder em público”. Poder em público, para ele, é uma expressão

144 AZAMBUJA, op. cit., p. 219-220. 145 CANOTILHO,op. cit., p. 408. 146 Ibid., p. 160.

sintética que serve para indicar os “expedientes institucionais que obrigam os governantes a tomarem as suas decisões às ciaras”148.

Bobbio concorda que a democracia como poder em público pode ser caracterizada de outras maneiras, mas essa definição capta um aspecto pelo qual a democracia representa uma antítese de todas as formas autocráticas de poder, porque o poder tem uma irresistível tendência de esconder-se do olhar do público, e “continua sendo verdade que saber é poder, que quanto mais uma pessoa sabe, mais pode”149.

Assim, segundo o entendimento de Bobbio, se os governantes tomarem as suas decisões às claras, para o povo tomar conhecimento, consequentemente, o povo exercerá o poder e estará caracterizada a democracia, porque uma das principais regras do regime democrático atribui o direito do conjunto de indivíduos de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas.

Jair Eduardo Santana diz que a representação política apresenta um processo lento em sua evolução e ainda não cumpriu com os seus propósitos teóricos, considerando que a maioria do eleitorado sequer se aproxima do núcleo das decisões do poder político.150

148 BOBBIO, Teoria..., p. 386. 149 BOBBIO, Teoria... p. 390.

150 SANTANA, Jair Eduardo. Democracia e cidadania: o referendo com instrumento de participação política. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 41.

No caso brasileiro, mesmo existindo mecanismos constitucionais de participação direta do eleitor na gestão da coisa pública, como o plebiscito151, o referendo152 e a iniciativa popular153, ainda assim, nos dias atuais, prevalece a democracia representativa, considerando que é bastante restrito o rol de matérias que podem ser decididas pelo povo de forma direta.