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ORIGENS E EVOLUÇÃO DO EMPREENDEDORISMO E DE SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO

Em termos históricos, o empreendedorismo, derivado do termo francês entrepreneur, traduzido para o inglês como intrepreneurship, remonta ao século XV e estava relacionado às pessoas de negócios. O termo ganhou maior visibilidade com autores como Cantillon (2002) e Say (1983) que, a partir da consolidação da sociedade capitalista, relacionaram o empreendedor ao empresário, imprimindo, dessa forma, uma vertente forte ao termo, a partir de outros economistas. No século XX, o empreendedor passou a ser alvo de estudos de outros campos do saber, de modo especial, de administradores, psicólogos, sociólogos, fundando outra vertente de compreensão do empreendedorismo, a partir do comportamento empreendedor. Também foi a partir dessa vertente que, em meados do século XX, o tema do empreendedorismo ocupou espaço no campo educacional. Nota-se que vários pesquisadores, notadamente nos Estados Unidos e Canadá se interessaram pelo assunto e, inclusive, foi criada disciplina específica para tratar do tema4.

No caso brasileiro, a educação para o empreendedorismo tem sua trajetória inicial pela educação superior nos anos de 1980, alastrando-se, lentamente, para os outros níveis e modalidades de ensino. Coube,

4 Empreendedorismo como área de ensino ou disciplina começou em 1947, quando a Harvard

Business School, Estados Unidos implantou o curso Gerenciamento de Pequenas Empresas e passou a ensinar noções de empreendedorismo.

inicialmente, à fundação Getúlio Vargas incluí-lo na Escola de Administração de Empresas, no ano de 1981; posteriormente, outras universidades e cursos também seguiram esse caminho, vindo a consolidar-se, nos anos de 1990, a criação de uma rede de ensino de empreendedorismo com o desenvolvimento de metodologias apropriadas a esse fim. Bianchetti (2005) lembra que nos anos de 1990 emergiram fortemente, no campo educacional no Brasil, os discursos sobre a reestruturação produtiva, inovação tecnológica e empregabilidade. Na educação básica e profissional, o processo de consolidação do ensino do empreendedorismo está em curso, notadamente, em projetos organizados a partir da proposta da pedagogia empreendedora5, desenvolvida por Fernando Dolabela6, seja como disciplina ou mesmo conhecimento extracurricular transdisciplinar com presença marcante do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Organizações Não Governamentais (ONGs), ou mesmo de entidades ligadas à divulgação do empreendedorismo, como a JA e Empresa Junior dentro das escolas.

Percebeu-se que há relação entre o início dos projetos da educação para o empreendedorismo e o período histórico de inflexão do movimento político contra hegemônico do capital, em fins da década de 1980 e início da década de 1990, momento de início do movimento denominado por Neves (2005, 2010) de “A nova pedagogia da hegemonia” que intenta concretizar o que denominam de

5 A pedagogia empreendedora refere-se à proposta concebida e criada por Fernando Dolabela e

que visa difundir o ensino de empreendedorismo na educação básica, desde as séries iniciais até o ensino médio. Atinge, portanto, idades de 4 a 17 anos. Dolabela realizou experiências com alunos dessas séries e, posteriormente, escreveu obra específica para tratar do tema e que leva o mesmo título e o subtítulo “O Ensino do Empreendedorismo na Educação Básica, voltado para o Desenvolvimento Sustentável”. A obra será objeto de análise no capítulo terceiro deste trabalho.

6 Fernando Celso Dolabela Chagas é graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais -

UFMG em Direito (1970) e Administração (1971), pós-graduado em Administração, pela Fundação Getúlio Vargas (1976), e Mestre em Administração pela UFMG (1990). É consultor e professor da Fundação Dom Cabral, ex-professor da Universidade Federal de Minas Gerais, consultor da CNI-IEL, do CNPq, da AED (Agência de Educação para o Desenvolvimento) e de dezenas de universidades. Também participa com publicações em congressos nacionais e internacionais. É autor de vários livros, dentre eles: “O segredo de Luísa” (1999); “A Oficina do Empreendedor” (1999); “A vez do sonho” (2000); “Empreendedorismo, Ciência, Técnica e Arte” (2000); “Boa Ideia! E agora? Plano de Negócios, o caminho mais seguro para criar e gerenciar sua empresa” (2000); “Empreendedorismo, uma forma de ser” (2002); “A Viagem do Empreendedor” (2002); “Pedagogia Empreendedora” (2003); e “A Ponte Mágica” (2004). Dolabela também é autor de diversos artigos.

“neoliberalismo de Terceira Via”7. Há pressupostos, muito próximos, entre os anunciados na educação para o empreendedorismo e as formulações do neoliberalismo de terceira via. Os mesmos serão postos e comentados, ao longo do texto, de modo especial nos capítulos três e quatro desta tese.

Os tempos que sucederam ao regime militar no Brasil foram marcados por amplos movimentos de redemocratização e disputas por projeto societário, sendo que um dos embates deu-se em torno da elaboração da nova Constituição que foi hegemonizada pelo movimento centrista, articulado em torno do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que passou a se denominar Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, deputados e senadores elaboraram as leis destinadas a regulamentar diversos aspectos da nova carta, dentre eles, os capítulos referentes à educação. Deu-se, então, o início do trabalho de discussão e redação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). O capítulo da educação na constituinte e o novo projeto de LDBEN desenvolveram-se marcadamente dentro de um quadro que se desenhou, nas décadas de 1980 e 1990. A queda do muro de Berlim foi traduzida pelo ideário conservador, dominante por um conjunto de teses marcadas pela síndrome do “fim”, fim do socialismo, da história (FUKUYAMA,1992), das classes sociais, das ideologias, das metateorias e das utopias (BELL,1980).

No Brasil, a década de 1980, no plano econômico, ficou conhecida como a década perdida; no plano político, contudo, houve muitas disputas, embora as forças conservadoras, articuladas ao nascente projeto da terceira via, saíssem vencedoras, de modo especial, com a vitória política de Fernando Collor e, posteriormente, Fernando Henrique Cardoso. O povo lutou pela democratização do Brasil, e ela se consolidou, embora sob o projeto neoliberal da Terceira Via, conforme Neves (2005). O que pode ser percebido é que a burguesia foi incapaz sozinha de costurar sua hegemonia e teve de fazer concessões ao projeto da terceira via. Os dois projetos são, porém, expressões do modo capitalista de produção. Contudo, diversos movimentos sociais, alguns partidos de esquerda e o movimento sindical articulado em torno da

7 Elementos acerca da nova pedagogia da hegemonia e neoliberalismo de Terceira Via serão

apresentados no item 1.4 dessa introdução e, posteriormente, nas análises ao longo do trabalho. A Terceira Via é uma corrente ideológica da social democracia que se apresenta como alternativa tanto ao capitalismo, bem como, ao socialismo. No campo acadêmico, seus representantes mais expressivos são Giddens, Putnam, Winter e Lyon (NEVES, 2010).

nascente Central Única dos Trabalhadores (CUT), também, conseguiram divulgar o programa de concepção socialista que, posteriormente, também sucumbiu ao projeto neoliberal da terceira via (NEVES, 2005, 2010).

No campo educacional, viveu-se, nos anos de 1980, relativa efervescência teórica, com a incorporação às análises de autores marxistas, bem como, obras do próprio Karl Marx que tiveram um papel importante na crítica ao economicismo, ao tecnicismo e às posturas positivistas e funcionalistas até então dominantes na educação. Grupos organizados em torno das ideias socialistas constituem um fórum de entidades e instituições para influenciar nas decisões constitucionais e, posteriormente, na definição da LDBEN. A evidência mais candente dessa influência é que o primeiro projeto de LDBEN, apresentado na Câmara Federal pelo então deputado por Minas Gerais, Otávio Elísio, teve como base o texto de Demerval Saviani escrito para a reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd, realizada em Porto Alegre, em 1988, no qual apresenta subsídios para o debate em prol da nova LDBEN, tomando, como eixo de análise, a concepção de educação politécnica em contraposição à tradição tecnicista e fragmentária de educação. Contudo, após longo período de discussões, em torno das proposições para a redação do texto da nova LDBEN, o governo de Fernando Henrique Cardoso introduziu os princípios educacionais que defendia, baseados nos princípios do projeto da terceira via, por meio de um substitutivo encaminhando pelo senador Darcy Ribeiro (PDT – RJ) que acabou sendo vitorioso. Promulgada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso – (FHC), em 20 de dezembro de 1996, a nova LDBEN continha dispositivos que apontavam para a perspectiva neoliberal com a consequente desresponsabilização do governo para com o financiamento da educação. As consequências da vitória desse projeto político já foram objeto de diversas pesquisas, como Aveiro (2002); Cury (1992) e Lombardi (2005).

Paralelamente ao trabalho de elaboração da LDBEN, e, posteriormente a ela, o governo federal empenhou-se em levar a cabo as diretrizes políticas consubstanciadas no projeto neoliberal de terceira via, como, por exemplo, o projeto de lei nº 1603/96 que objetivava reformular a educação profissional no Brasil e desvincular a educação profissional do ensino médio, situação que se concretizou, posteriormente, com a publicação do decreto nº. 2208/97. A política educacional implementada pelo governo FHC e continuada, posteriormente, pelo governo Lula, de modo especial no que se refere à

educação profissional, estava e está muito alinhada com a preocupação em formar técnicos para o mercado, com a introdução de novos cursos que contam com financiamentos diversos, como do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Banco Mundial (BM), parcerias com a iniciativa privada8, entre outras. Em todas as reformas educacionais, desde o governo FHC até a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs), a temática da educação para o empreendedorismo assume papel de destaque. No entanto, mesmo diante do quadro que aponta para a crescente expansão e consolidação da educação para o empreendedorismo, Araújo et al. (2005) consideram as ações insuficientes e apontam para a necessidade de mais incentivos e formas de apoio que permitam despertar o lado “empreendedor dos estudantes”, assim como, a criação de uma “cultura mais empreendedora”, principalmente, em razão de os mesmos estarem sendo formados para buscar um emprego, e não para gerarem seu próprio trabalho. Nota-se que os autores entendem que o estímulo ao empreendedorismo proporcionaria aos estudantes a possibilidade de produzirem sua própria ocupação, não dependendo do oferecimento de postos de trabalho.

No contexto da União Europeia, de modo especial em Portugal, a educação para o empreendedorismo encontra-se bem consolidada, tanto no que diz respeito à documentação, como também, por meio de implantação de diversos projetos práticos, como o PNEE. A análise documental sugere entender a educação para o empreendedorismo como processo bastante diversificado e que pretende atingir todos os níveis e modalidades de ensino com diversas proposições, sendo que a principal delas parece ser a de conformar os indivíduos às mudanças do mundo

8 A esse respeito, ver a Lei nº 9649, de 27 de maio de 1998, na qual o governo federal

introduziu novas regras para a expansão da rede de educação profissional no Brasil, que só se daria por meio de parcerias entre o governo federal, governos estaduais e a iniciativa privada. O Programa de Reforma da Educação Profissional – PROEP é outro exemplo. Iniciativa do Ministério da Educação e do Desporto – MEC, em parceira com o Ministério do Trabalho - MTb e visava desenvolver ações integradas da educação, com o trabalho, a ciência e a tecnologia e previa a implantação de um novo modelo de educação profissional. "Apoiar o desenvolvimento da Educação Profissional dentro dos novos marcos legais, por meio de ações nas áreas técnico-pedagógica, gestão e integração com o mundo do trabalho" (BRASIL. PROEP MEC/ SEMTEC,1997, p. 5). O PROEP foi financiado com recursos externos do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, previsto em 50% do montante total do Programa, recursos do orçamento do MEC que respondia com 25% do total, além dos recursos financeiros do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, que comporia os 25% restantes. Compromissos imediatos assumidos com as Agências Internacionais, como o Banco Mundial, a principal instância de formação da política educacional dos chamados países em desenvolvimento, os governos de FHC e Lula implementaram uma série de reformulações jurídicas que redesenharam a área educacional, de modo especial, a educação técnica profissional. Ver Lima Filho (2003).

capitalista, caracterizado por rápidas mudanças tecnológicas, precarização das relações de trabalho, mundo informatizado, necessidade permanente de novas qualificações, problemas gerados pelo desemprego estrutural, entre outras. Pode-se dizer que se evidencia uma série de problemas que os indivíduos devem saber enfrentar sem que suas causas sejam problematizadas.