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2.2 C OMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

2.2.1 Origens sobre os estudos do comportamento do consumidor

Nas diversas ciências, há diferentes teorias e correntes de pensamento que versam sobre os elementos e mecanismos que regem o comportamento humano, em especial, o comportamento dele no papel de consumidor de bens e serviços. Ademais, assim como nas abordagens sobre a decisão humana, vistas na subseção anterior, observam-se essas teorias e correntes sobre o comportamento do consumidor inseridas em um continuum constituído daquelas que consideram que estes elementos e mecanismos sejam, totalmente, intrínsecos ao indivíduo e daquelas em que o ambiente é o influenciador e condutor total ou quase que total dos comportamentos.

De um lado deste continuum, segundo Pereira (2000), está, no início dos estudos da economia sobre o comportamento do consumidor, a teoria neoclássica do consumidor, iniciada,

principalmente, com os estudos de Jevons (1871)1, Menger (1871)2, Walras3 (1874), Marshall (1879, 1890)4 e Pareto (1906)5. Esta teoria, conforme o autor, possui as seguintes premissas: i) individualismo metodológico, em que o consumidor é autônomo em suas decisões e que não é influenciado por fatores externos; ii) racionalismo do consumidor, que acredita que ele sempre tenderá a maximizar a utilidade de um produto ou serviço para si ou sua satisfação; iii) insaciabilidade, que demonstra que o consumidor nunca estará satisfeito e tenderá a comprar mais e mais bens ao longo do tempo; iv) fetichismo da mercadoria, que argumenta que o consumidor sempre terá prazer com a posse de produtos e o consumo de serviços; e v) informação perfeita, em que o consumidor conhece a existência de todos os produtos e serviços ofertados no mercado e tem a capacidade de decidir por aqueles que satisfaçam suas necessidades, sem qualquer dúvida. Assim, considerando a informação perfeita e a racionalidade do consumidor, percebe-se que esta teoria prega a homogeneidade de comportamento para todos os consumidores e que se suas decisões procuram a maximização de utilidade e são baseadas apenas em seu orçamento e no conjunto de produtos que trará o maior benefício.

Ainda neste lado do continuum, conforme Pereira (2000), a Psicologia, também, iniciou suas pesquisas de explicação do comportamento humano por meio de seus propósitos, razões pessoais, em um conjunto de teorias denominadas internalistas. Nesta abordagem internalista, o principal pressuposto é de que está na mente, juntamente com suas estruturas e componentes (físicos), a origem e a causa dos comportamentos. No internalismo, as principais correntes de pensamento são: i) a psicanálise freudiana, em que estruturas como o id, o ego e o superego explicam o comportamento; ii) o mentalismo, em que o aprendizado (aqui considerado apenas como mecanismo cognitivo interno), a genética e a seleção natural, tomando a mente e seus atributos (pensamentos, sentimentos e mecanismos psicológicos) como referencial, constituem o epicentro explicativo do comportamento e; iii) o neurocientificismo, em que as funções e estruturas biológicas e químicas é que estão por trás do comportamento (TEIXEIRA, 2002).

1 Cf. JEVONS, W. S. The theory of political economy: Macmillan, 1871.

2 Cf. MENGER, C. Principles of economics. Translated by James Dingwall and Bert F. Hoselitz. Reprinted.

Auburn: Ludwig von Mises Institute, 2007.

3 Cf. WALRAS, M.-E.-L. Elements of pure economics: or the theory of social wealth. Translated by William Jaffé. London: George Allen & Unwin, 1954.

4 Cf. MARSHALL, A. The Pure theory of foreign trade. The pure theory of domestic values. London: The London School of Economics and Political Science, 1879.

MARSHALL, A. Principles of economics. London: Macmillan, 1890.

5 Cf. PARETO, V. F. D. Manual of political economy. Oxford: Oxford University Press, 2014.

Naturalmente, indo em direção ao outro lado do continuum, estas abordagens foram perdendo espaço para explicações que consideram o ambiente como principal influenciador.

Para Pereira (2000), esta é uma transição natural, já que os fatores externos possuem papel relevante em influenciar e moldar variáveis internas do sujeito, as quais conduzem o comportamento, como a motivação, a satisfação e o medo.

Para March (1978), por exemplo, em estudo que tratou dos diversos tipos de racionalidades, mesmo que o processo decisório seja um processo interno ao indivíduo nas diversas vertentes econômicas neoclássicas, o ambiente é o estopim para a análise e a escolha, pois as consequências e preferências futuras são incertas.

Desta forma, como na Economia, as abordagens internalistas da Psicologia perderam espaço para outras abordagens, ditas externalistas, como a perspectiva behaviorista. Na Psicologia Objetiva, por exemplo, início dos estudos behavioristas, proposta por Pavlov, o comportamento humano é definido por reflexos condicionados pelo meio. No behaviorismo clássico, iniciado por Watson, todo comportamento humano poderia ser explicado pelo condicionamento responsivo estímulo-resposta (do inglês stimulus-response, ou S-R). Já no behaviorismo radical, apesar de haver oposição a elementos externos não observáveis, como o poder e as estruturas sociais, Skinner e seus defensores propõem que o comportamento humano é derivado e moldado por estímulos discriminativos advindos do meio ambiente em que está inserido, gerando uma probabilidade de resposta, e por meio de estímulos reforçadores da resposta, interpretados como punição e reforços positivo e negativo pelo indivíduo (TEIXEIRA et al., 2002). Distanciando-se, moderadamente, do radicalismo destas perspectivas, o neobehaviorismo mediacional de Tolman (1922), com adições em Hull (1943), propõe a primeira iniciativa mixada entre fatores externos e internos como influenciadores do comportamento humano. Esta corrente apresenta um esquema estímulo-organismo-resposta (stimulus-organism-response, ou S-O-R), em que o estímulo interfere em mecanismos e processos mentais e neurofisiológicos, os quais poderiam gerar respostas mais ou menos previsíveis, dependendo de como o indivíduo interpretou o estímulo.

Há, também, a Psicologia Social que, conforme Jacoby, Johar e Morrin (1998), se desenvolveu a partir dos estudos sobre o comportamento do consumidor da década de 1920.

Segundo Allport (1985, p. 5), a Psicologia Social estuda como os pensamentos, os sentimentos e os comportamentos das pessoas são influenciados pela presença de outras pessoas, sendo real, imaginada ou implícita. O significado de uma presença imaginada ou implícita é amplo e abrange desde o assistir um programa de televisão, à internalização de normas culturais. Esta vertente da Psicologia possui, como campo de pesquisa, o comportamento humano considerado

nos aspectos relativos à influência social, sendo resultado da interação de estados mentais e situações sociais imediatas.

Conforme abordado por Friestad e Wright (1994), o principal aspecto influenciado por esta interação são as atitudes e, por consequência, os prováveis comportamentos advindos. Para Allport (1924), é por meio das atitudes que a Psicologia Social procura descrever as percepções de maior significância que determinados indivíduos têm em relação à ordem social ou às suas predisposições comportamentais relacionadas a essa mesma ordem.

Segundo Solomon (2010), a atitude é a base sobre a qual foi constituída a Psicologia Social e reflete a predisposição do indivíduo para comportar-se de maneira singular. Para o autor, as atitudes relacionam-se com os aspectos importantes da vida social do consumidor, incitando expectativas e avaliações referentes ao próprio comportamento e ao comportamento alheio.

Ademais à Economia e à Psicologia, a Antropologia e a Sociologia vêm contribuindo, significativamente, para o entendimento do comportamento do consumidor.

Rocha et al. (1999, p. 10-11) demonstraram que vários autores já observaram a importância do simbolismo no consumo: Veblen, em 1965, demonstrou como o consumo é uma forma de individualização; Baudrillard, em 1968 e 1970, evidencia o consumo como uma forma de relação entre indivíduo e grupos sociais por meio de manipulação de signos; Douglas, em 1978, argumenta que “a posse”; Mauss, 1988, demonstrou o consumo como forma de comunicação de aspectos simbólicos dos indivíduos e grupos.

Em compilado sobre a evolução da Antropologia nos estudos do comportamento do consumidor realizado por Vilas Boas, Brito e Sette (2006), vários aspectos e autores são apresentados evidenciando esta importância. Conforme os autores, Durgee, em 1986, já havia demonstrado a importância de pesquisas qualitativas e de conceitos do simbolismo antropológico para os estudos de significados de produtos. Luthans, em 1992, visualizou os bens materiais como uma forma de simbolismo de status determinante do ranking na hierarquia de uma determinada cultura/sociedade. Levy, em 1959, e Wolff, em 2002, já haviam verificado que o consumo se estendia além das funcionalidades para um ato simbólico, seja por atributo interno do bem/serviço, pelo seu valor monetário, ou mesmo pela marca ou empresa, fazendo com que o comprador utilizasse estes aspectos como forma de retratar sua personalidade.

De forma específica, de acordo com Sheth, Gardner e Garret (1988), os estudos da escola do comportamento do consumidor buscavam, já na década de 1960 e 1970, conceitos e metodologias da Sociologia e da Antropologia. Os autores apontam os estudos de Hall, em 1960, o qual propõe, a partir da Antropologia Cultural, um modelo de barreiras entre negócios

internacionais e negociações de marketing, com base nas denominadas linguagens silenciosas:

tempo, espaço, amizade, posse material e natureza dos contratos. Além disso, apontam, citando Hofstede et al., em 1999, e Vriens e Hofstede, em 2000, não apenas o simbolismo e a cultura como caracterizadores do consumo, mas, também, como aspectos que determinam estruturas de mercados e delineiam valores, crenças e sentimentos intrínsecos a elas, apontando a etnografia como método de entendimento mais amplo destas inter-relações.

Sheth, Gardner e Garret (1988) também demonstram contribuições da Sociologia para o entendimento do comportamento do consumidor, por meio dos estudos de Warner, Meeker e Eells, em 1949, Katz e Lazarsfeld, em 1955, e de Rogers, em 1962, tendo incluído construtos tais como difusão e inovações, classe e estratificação social, liderança e influência pessoal, com a utilização de métodos como grupos focais e entrevistas não estruturadas.

Apesar das diversas correntes e teorias sobre o comportamento do consumidor, a questão que as une, conforme Sheth, Gardner e Garret (1988, p. 110), é a mesma: por que os clientes se comportam da maneira como fazem no mercado?