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I. 2.2.3.1 Migração por obras de barragem

II.4 A legislação ambiental brasileira

II.4.1 Os índios e o direito no Brasil

A indústria das barragens e a política energética do governo brasileiro se localiza em espaços não só de comunidades tradicionais, mas de tribos indígenas que vivem em ligação íntima com os rios e a selva. O impacto do deslocamento desses povos envolve o âmbito dos valores espirituais e o patrimônio imaterial da sociedade como um todo.

Cabe ressaltar que os povos indígenas têm direitos assegurados na Constituição Federal e nas constituições estaduais, como no Estatuto do Índio, conforme a Lei nº 6.001, de 19.12.1973. Neste ponto, salienta-se que a Constituição Brasileira veda o deslocamento de populações indígenas:

“É vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população ou no interesse da soberania do país, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco” (Constituição Federal, Artigo 231, § 5º).

A participação da população indígena nos processos decisórios relacionados à implantação de projetos que os afetem, também está prevista na Constituição:

“O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas35

<...>” (Constituição Federal, Art. 231,§3º).

35 Grifo da autora

50 Paralelamente, esse direito também ficou explícito pela Comissão Mundial de Barragens:

“Quando os projetos afetarem povos indígenas e tribais, tais processos deverão ser guiados pelo consentimento livre, prévio e esclarecido dessas populações” (Comissão Mundial de Barragens, 2000, p. 29).

Igualmente, a Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (OIT 169, 27/06/1989), aprovada pelo Congresso Nacional em 20/06/2002, promulgada pelo Decreto 5.051, de 19/04/2004, também coloca a consulta às comunidades indígenas como princípio:

“Artigo 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Artigo 7º

1. Os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural.

Além disso, esses povos deverão participar da formulação, execução e avaliação de planos e programas de desenvolvimento nacional capazes de afetá-los diretamente.

51 2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação desses povos, deverá, com sua participação e cooperação, ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões que habitam. Os projetos especiais de

desenvolvimento para essas regiões deverão também ser elaborados de forma a promover essa melhoria”.

Em relação à proteção jurídica às populações indígenas, cita-se outro documento, de nível internacional, que é a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 200736. Por meio dessa Declaração, a comunidade internacional assume relevante compromisso com a promoção e proteção dos povos indígenas no mundo todo. Objetiva funcionar como uma “interpretação autêntica” aos direitos já assegurados em tratados, acordos e outros pactos construtivos dos povos indígenas com os Estados. O documento do direito internacional dos direitos humanos, portanto, é voltado à proteção desses grupos, conforme o disposto no Artigo 32, um dos seus 46 Artigos destinados à proteção desses povos:

1. Os povos indígenas têm direito a determinar e elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos.

2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados para a condução de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete as suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação com o desenvolvimento, a utilização ou a exportação de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo.

3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa por estas atividades, e adotará medidas adequadas para mitigar suas consequências nocivas de ordem ambiental, econômica, social, cultural o espiritual.

A proteção às terras indígenas é fator primordial com relação ao respeito aos povos indígenas brasileiros e a sua preservação enquanto minorias culturais. Por isso, a constituição reconheceu ao índio os direitos originários às terras tradicionalmente ocupadas.

36

Aprovado pela Assembléia Geral da ONU, em 7 de setembro de 2007. Disponível em

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-dos-Povos-Ind%C3%ADgenas/declaracao-das-nacoes- unidas-sobre-os-direitos-dos-povos-indigenas.html. [Consul. 22 jul.2012]

52 A proteção ao direito fundamental é que vai possibilitar a preservação cultural e a identidade coletiva dos povos indígenas (Anjos Filho, p. 9).37

Quanto ao estabelecimento de políticas de leis internas atinentes à proteção dos atingidos pelas barragens, sejam indígenas, quilombolas ou comunidades tradicionais, a figura nº 11 retoma, resumidamente, as leis e decretos no período entre 1981 e 2007.

Figura 11-Leis internas relativas à proteção ambiental e aos atingidos pelas barragens, no período entre 1981 e 2007.

Lei / Resolução Ano Estabelece/ Dispõe sobre

Lei 6.938 1981 Política Nacional do Meio Ambiente

Resolução

CONAMA 01 1986

Estudo de Impacto Ambiental (critérios básicos e diretrizes gerais)

Resolução

CONAMA 09 1987 Dispõe sobre a necessidade de audiências públicas

Resolução 237 1997 Regulamenta aspectos do licenciamento ambiental

estabelecidos na Política Nacional do Meio Ambiente

Lei 9.433 2000 Política Nacional de Recursos Hídricos

Lei 9.985 2000 Sistema Nacional de Unidades de Conservação

Decreto 6.040 2007 Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável dos

Povos e Comunidades Tradicionais/ PNPCT.

Fonte: Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Relatório da Comissão Especial (Brasília – DF), “Atingidos por Barragens”. 2006. Quadro elaborado pela autora

desta pesquisa.

Nesta direção, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) define hoje como requisito para apoiar a implantação de barragens o respeito aos direitos de “comunidades étnicas de baixa renda cuja identidade é baseada no território que têm ocupado tradicionalmente”, exigindo, em todos os casos, o “consentimento informado às medidas de reassentamento e compensação” (Interamerican Development Bank, 1988).

Assim também, o Decreto 6.040, de 7/02/2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, fixa, dentre seus objetivos:

I. garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica; IV. garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados diretamente ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos”.

37 http://www.fau.usp.br/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/aulas/6link-

53 As injustiças cometidas pela indústria da energia elétrica têm sido especialmente intensas quando relacionadas aos índios.

“Dada a negligência e incapacidade de assegurar a justiça, por causa das desigualdades estruturais, dissonâncias culturais, discriminação e marginalização econômica e política, as populações indígenas e tribais têm sofrido desproporcionalmente os impactos negativos de grandes barragens, ao mesmo tempo em que são freqüentemente excluídos da participação dos benefícios” (World Comission on Dams, 2000, p.110).

Ainda conforme o relatório da WCD, principalmente quando relacionado à comunidades étnicas, o deslocamento induzido pela barragem pode provocar uma espiral de eventos que vão muito além da área submersa. Viana (2003, p.46) relembra o caso da população Chakma, deslocada pela barragem hidrelétrica de Chittagong Hill Tracts, em Blangladesh, que alagou 2/5 de suas áreas cultiváveis.

“Como consequência, 40.000 Chakmas foram deslocados para Índia e outros 20.000 para Arakan em Burma. A parte da população deslocada para Índia nunca conseguiu obter cidadania para si ou para seus filhos. O conflito instaurado entre a população Chakma budista e a população mulçumana de Bengali custou 10.000 vidas desde a finalização do projeto em 1962” (Viana, 2003, p. 46).

Conforme dito na introdução, este capítulo pretendeu apresentar a importância da energia hidrelétrica no contexto da demanda de energia elétrica no Brasil, explicando assim a aposta do Governo Federal na construção de hidrelétricas no país nos próximos anos, aposta que tende a ampliar a categoria dos migrantes deslocados por barragens. Este capítulo também pretendeu apresentar alguns pontos da legislação brasileira relacionados ao direito dos atingidos por projetos de desenvolvimento.

Cabe ressaltar, no entanto, a dificuldade de um consenso jurídico-legal de reparação estabelecido que sirva de base para toda e qualquer construção que afete populações. Tal conjunto de regras permanece em construção, refletindo assim na diferença dos tratamento à populações afetadas, conforme é analisado no capítulo 3 a seguir.

54 CAPÍTULO III

55 O capítulo 3 desta pesquisa objetiva analisar as consequências que hidrelétricas de Itá, na divisa dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul e Tucuruí, no Pará, uma das maiores capacidade geradoras instaladas no Brasil hoje, causaram em termos de deslocamentos. Foram escolhidas estas hidrelétricas por serem casos que apresentam uma quantidade razoável de dados publicados que possam servir de fonte para esta pesquisa e também por serem grandes projetos que deslocaram quantidade considerável de pessoas – no caso de Itá foram gerados mais de 12 mil migrantes e em Tucuruí mais de 30 mil pessoas deslocadas.

Antes de analisamos os casos específicos eleitos, faz-se necessária uma visão geral sobre os atingidos por barragens, além de nomear os tipos de compensação que normalmente irão determinar a forma de deslocamento de tais pessoas e alguns dos fatores que envolvem a migração.