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3. MARIA ADÉLIA: A INFANTICIDA

4.1 A cidade vigiada

4.1.3 Os agentes da Lei

Eram vários os agentes da lei que tentavam “pôr ordem” na cidade. Seria ingenuidade imaginar que estes agentes não defenderiam seus próprios interesses ou os de seus superiores quando agiam em defesa da lei e da ordem. É digno de nota o discurso do Capitão-mor e Juiz de Paz, Joaquim Jozé Barboza,

119 Posturas da Câmara Municipal da Cidade de Fortaleza, aprovadas pela Assembleia Legislativa Provincial, 1835.

publicado no jornal Correio da Assembleia Provincial:

Faço saber a todos os habitantes do districto desta Cidade que passo a entrar no exercício do lugar de Juiz de Paz do corrente anno, e por conseguinte dar execução ás leis, que sendo feitas para manter a Sociedade, e para impedir os homens associados de se prejudicarem; por ellas [as leis] devem ser punidos aquelles que a perturbão, e que commettem acções prejudiciais aos seos semelhantes. As leis penaes são os meios que a experiência tem mostrado, como capazes de conter, ou de aniquilar as impulções, que as paixões dão as vontades dos homens.121

O referido agente da lei argumenta então sobre a importância das leis penais e da forma como elas devem ser usadas para defender a associação entre os homens que é, de fato, a urbe. No correr do discurso, ele defende a “educação, a lei, a opinião publica, o exemplo, o habito e o temor”, como os fatores que poderiam interferir positivamente nos homens e regular as suas ações.

Embora ele não demonstre em sua fala como estes diversos fatores poderiam ser aplicados pelo Estado, fica evidente a sua ênfase no papel das leis, inclusive no valor que ele confere ao temor dos homens à punição. Ainda durante a sua fala, o Capitão-mor traz as instruções às quais os inspetores de quarteirões deveriam guardar observância.

Criado na Província do Ceará, por lei de 17 de maio de 1835, o cargo de inspetor de quarteirão consistia de uma função de vigilância e fiscalização dentro da cidade:

São obrigados os Inspectores a vigiarem sobre a tranquilidade dos habitantes dos seus respectivos Quarteirões. Rondando-os, e fazendo prender á minha ordem, os que forem apanhados em flagrante delicto, os perturbadores, jogadores de jogos prohibidos e bêbados, de que me darão imediatamente parte para serem processados; como também dos que vierem de fora rezidir nos seus destrictos, dos quaes devem exigir seus passaportes, e fazel-os conduzir á minha presença para se lhes fazer as necessárias averiguações.122

Além disso, deveriam fazer o arrolamento dos habitantes dos distritos que estavam sob sua responsabilidade. Neste documento, deveriam constar informações detalhadas (inclusive com informações sobre vadios, bêbados e jogadores já conhecidos) e suficientes para que o referido Juiz pudesse ter mais controle sobre a população, o que deu origem, intencional ou não, a uma prática comum na criminologia, os ensaios estatísticos. Até que ponto estas informações foram realmente usadas para construir mapas da população ou ajudar na elaboração de

121 (HBND) Correio da Assembleia Provincial, nº 5, 1837. p.1.

planos para o combate ao crime, é um dado ao qual ainda não conseguimos ter acesso, nem sabemos se será possível.

Outros agentes da lei vão surgindo conforme a cidade se torna cada vez mais complexa. O posto de guarda municipal é criado em 1858, inicialmente contando com oito agentes responsáveis pela conservação das árvores públicas, limpeza e asseio das fontes, do matadouro e polícia do mercado público123.

Em 1880 passa a ser de responsabilidade da Guarda Cívica o serviço policial da capital. Contando com 3 intendentes, 12 sargentos e 48 guardas, era força apontada como insuficiente para o serviço policial de “uma cidade tão extensa” como Fortaleza, em relatório do Presidente da Província124. Tanto na capital quanto nas cidades do interior, o serviço policial era complementado por membros dos batalhões militares.

Os agentes de polícia tinham a responsabilidade de sair à caça dos foragidos da justiça. Este cargo, criado pela Lei nº 51, de 23 de Dezembro de 1836, teve suas atividades bastante detalhadas dentro das leis provinciais e em alguns jornais da cidade. Seja por sua incompetência ou pelo excessivo zelo em cumprir seus mandatos, aparentemente a função de agente de polícia causou mais danos do que benesses e acabou sendo extinta em 1838. Suas funções compreendiam:

Art. 2 Este empregado [o agente de polícia] terá a especial incubencia de prender os criminosos de morte, dissolver os séquitos e bandos de homens armados, que vagarem na província, aprehender as armas da nação que estiverem em mãos dos particulares sem ordem do governo, e velar na segurança individual dos cidadãos; exercendo cumulativamente com os juízes de paz todas estas funções policiaes.125

Um dos elementos mais interessantes que envolviam o trabalho do agente de polícia era o das gratificações por prisões e mortes. Havia, por exemplo, uma gratificação de 100$000 réis por cada criminoso de morte preso, além disso, havia uma gratificação de 10$000 réis por cada arma da nação recuperada e ainda uma gratificação duplicada quando “o criminoso de morte for morto em resistência aos casos do Art. 118 do Código Criminal”126. Esta gratificação por homem morto em resistência à prisão ocasionou um grande número de mortes durante as diligências pela província, o que reflete bem certo apreço pelo emprego da violência pelos

123 Lei nº855 de 26 de Agosto de 1858. Leis Provinciais, p. 222. 124 (CRL) Relatório do Presidente Satyro D’Oliveira Dias, 1883, p.7. 125 Lei nº 51 de 23 de Setembro de 1836, Leis Provinciais. p.97. 126 Regulamento nº 7 de 7 de Janeiro de 1837. Leis Provinciais. p. 180.

agentes da lei. De fato, a violência das diligências motivou uma retificação da lei127 pelo então presidente da província, José Martiniano de Alencar, na tentativa de coibir o alto índice de mortes nestas ações de captura.

Dentro de todas estas estruturas de controle social, as rondas da polícia, que eram três durante a noite e uma durante o dia, tinham como obrigação maior prender,

a aquelles, que encontrarem com armas prohibidas; aos perturbadores, e bebados, que desenquietarem o publico; correr as pessoas de desconfiança; despersar ajuntamentos ilícitos; e batuques, quando estas encomodem o publico; não consentir nas tavernas, e agoadas ajuntamentos de negros captivos, fazendo-os despersar com chibatadas (...)128

Aparentemente os agentes da lei não tinham o respeito da população, como demonstram vários casos noticiados na Repartição de Polícia do jornal O Cearense, como insultos à patrulha, desobediência etc. Estes casos e diversos outros como brigas, bebedeiras, desordens, festas com batuques e violações das posturas, como arremesso de sujeiras na rua129, deixam em evidência um cotidiano que não se mantém sob o controle da polícia.

A própria polícia é alvo de muitas críticas, por servir para acomodar “afilhados”130, ou pelos custos de manutenção de um grande número de oficiais na força policial que servem às forças políticas da província ao invés de prender bandidos131.

As reclamações sobre a violência na cidade também são uma constante nos jornais. Embora saibamos que o público consumidor dos jornais não fosse a grande maioria da população, é possível imaginar como as notícias corriam de boca a boca pelas ruas (PEDRO, 1995, p.71). Chegavam efetivamente às páginas dos jornais aqueles casos que chocavam pela violência ou por vitimarem membros da elite urbana, ou ainda aqueles que atingiam grupos urbanos organizados, como os próprios editores dos jornais:

Ainda roubo! Um dia deste consta que fora acomettido as 11 horas da noite a casa de Bernardo...Impressor do Saquarema por 5 ou 6 homens. Aos

127 Portaria de 30 de junho de 1837, Leis provinciais, p.195. 128 Idem, p. 7.

129 Todos estes casos podem ser encontrados em vários números do jornal O Cearense no ano de 1848: nº115 a 172. No ano de 1849 a seção Repartição de Polícia não aparece mais no jornal. Posteriormente os casos de polícia vão compor o quadro de Noticiário.

130 (HBND) O Cearense, Noticias Locaes, 1851. p. 2. 131 (HBND) O Cearense, Carta, 1849. p.2.

gritos, e tiros que deo a victima fugirão os assaltantes. He para notar-se que a casa deste individuo fica á menos de cem passos do quartel da tropa de linha, no coração da cidade. E toda via as folhas do governo não cessão de dizer que o presidente tem dado as mais enérgicas providencias contra os faccinoras.132

A tentativa de manter a ordem era uma constante, mas ordem não era exatamente o que se via nas ruas da cidade.