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2.1 A E MERGÊNCIA DA E CONOMIA DO C ONHECIMENTO NA TRANSIÇÃO PARA O PARADIGMA PÓS F ORDISTA

2.1.1 Os antecedentes Schumpeterianos

O autor pioneiro no estudo da inovação e do seu papel para o crescimento económico foi Joseph Schumpeter, cujos primeiros estudos (consubstanciados na sua obra de 19396) se distinguiram por uma preocupação marcadamente dirigida ao modo como os fatores microeconómicos poderiam pesar nas ondas longas da economia (Simmie, 2005).

O foco principal deste autor eram, então, as invenções - tidas em larga medida como exógenas às empresas – e os empreendedores, os quais se deparavam com o risco inerente à incerteza quanto aos resultados económicos proporcionados pela exploração comercial dessas mesmas invenções convertendo-as em inovações geralmente de natureza incremental mas pontualmente suscetíveis de romperem com padrões tecnológicos (assumindo, assim, o estatuto de inovação radical). Note-se, porém, que na perspetiva schumpeteriana a inovação tem uma aceção mais ampla que a invenção, “devendo entender-se como algo que se não esgota numa ideia ou técnica nova mas como a aplicação comercial dessa ideia, seja a

5 Vide, por ex., investigadores como Roberta Capello e Roberto Camagni que atualmente exercem a sua

atividade enquanto professores do Politécnico de Milão.

6 Schumpeter, J. A. (1939). Business Cycles: A Theoretical, Historical and Statistical Analysis of the Capitalist Process. McGraw-Hill, New York.

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17 produção de um produto novo, a utilização de um novo processo de produção ou comercialização, ou uma nova forma de organização” (Lopes, 2001: 49).

Quando estas inovações de natureza radical sucedem em catadupa num curto espaço de tempo, em forma de “‘clusters’ temporais” (Schumpeter, 1939; citado por Verspagen, 2005: 498-499), diz-se estar perante verdadeiras revoluções tecnológicas ou “ondas de destruição criativa” – Schumpeter (1942); citado por Pianta (2005: 105) - com reflexos a dois níveis: i) desencadeiam uma significativa redução dos custos dos fatores de produção, tornando-se tais inovações objeto de uma difusão alargada por via da rápida imitação; ii) atuam como catalisadoras de importantes alterações estruturais na economia.

Numa proposta de clarificação conceptual, Bramanti e Senn (1991: 103, nota 3) entendem que a inovação radical possui um impacto considerável, abrindo novos horizontes quer na resposta a problemas de natureza produtiva, quer na emergência de novos setores. A sua ocorrência é rara, temporalmente descontínua e revela-se mais provável em alguns setores de atividade. A este respeito Fagerberg (2005) chama a atenção para aqueles que são baseados na ciência e fornecedores especializados atendendo à taxonomia de Pavitt (1984)7.

Tal taxonomia toma por referência as inovações setoriais de produto e de processo documentadas num estudo realizado na Grã-Bretanha, distinguindo o autor cada uma destas formas nos termos seguidamente enunciados: de processo quando o setor utilizador coincide com aquele onde são geradas (tratem-se de novos processos ou novos produtos na ótica da empresa); de produto quando se trata apenas do uso de inovações geradas noutros setores

7 Segundo Fagerberg (2005: 16) um dos méritos da taxonomia de Pavitt (1984) está na identificação setorial de diferentes fatores determinantes para a inovação; não apenas ao nível da I&D (intramuros e extramuros, como reconhece o próprio Pavitt) como também por via de aprendizagem, destacando as aceções posteriormente sistematizadas por Lundvall (1992) – fazendo, usando, interagindo. No caso particular da fileira agroalimentar, Pavitt classifica a agricultura (à semelhança das manufaturas tradicionais) como setor dominado pelos

fornecedores (“supplier dominated”) ao verificar que as fontes de tecnologia se baseiam em fornecedores especializados em desenvolvimento de novos produtos de que os produtores agrícolas são meros utilizadores (pp. 354 e 356). Quanto ao setor alimentar e de bebidas, o qual abarca as agroindústrias e agroalimentares (capítulo 5), Pavitt atribui-lhes a classificação de produtores de escala intensiva na medida em que a sua “trajetória tecnológica” (Dosi, 1982) – conceito esclarecido na nota de rodapé nº 10, nesta mesma secção - se baseia na busca de economias internas de escala, facilitadas por uma maior intensidade tecnológica em maquinaria instalada geralmente em unidades produtivas de grande dimensão, em resposta ao alargamento do mercado consumidor favorecido pela intensificação do comércio internacional. Esta, por sua vez, é fruto da melhoria das infraestruturas de transportes e do aumento dos padrões de qualidade de vida (Id.: 358). Nesta categoria a inovação é tendencialmente de origem intrassetorial e com base no ‘know-how’ da própria empresa inovadora; não tendo as poucas invenções especial significado, em contraste com a respetiva capacidade de design, conceção e massificação da respetiva produção apropriando-se a empresa da sua inovação com recurso ao segredo industrial e mesmo às patentes (Id.: 347, 359-360).

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(Pavitt, 1984: 345-348). Nos setores baseados em ciência – como a indústria química, elétrica e eletrónica – predomina a inovação setorial de processo acompanhando muito de perto o progresso científico originado nas universidades e nos laboratórios públicos (Idem: 363; cf. Tabela 9). O outro conjunto de atividades apontado (fornecedores especializados, incluindo maquinaria e instrumentos de precisão) está vocacionado para fornecer inovações a outros setores, de tal modo que o sucesso da sua atividade inovadora depende criticamente das competências específicas da empresa em causa e da permanente interação com os utilizadores (Id.: 359).

O carácter de descontinuidade temporal é também analisado por Freeman e Perez (1988: 46), que sugerem a sua associação a atividades de I&D – sejam promovidas por empresas ou por universidades e laboratórios públicos - tal como Schumpeter viria a reconhecer anos mais tarde, ao associar a grande empresa ao papel do empreendedor/inventor no que viria a ser designado na literatura por ‘mark II’, em rutura com a ideia vertida na obra de 1939 (‘mark I’) segundo a qual as invenções eram em larga medida exógenas em relação às empresas e aos empreendedores que assumiam os riscos de as converterem em inovações. Acrescentam, também, que este tipo de inovação (radical) poderá combinar diversas formas (produto, processo e organizacional), eventualmente com impacto económico significativo caso se esteja perante uma vaga concentrada no tempo e no espaço de inovações radicais interligadas em termos produtivos a ponto de dar origem a novas indústrias e serviços (ex. o caso da indústria de semicondutores).

Quanto à inovação incremental, Bramanti e Senn (1991) definem-na como a expansão de características fundamentais de um produto, a elevação nos padrões de qualidade, ou a diversificação de um produto enquanto resposta a necessidades parcialmente distintas. A sua ocorrência é mais frequente (face ao caso anterior), podendo ser algo que se verifica de forma contínua em sistemas industriais desenvolvidos. Para Freeman e Perez (1988) essa continuidade também lhe é característica, embora a diferentes taxas em diferentes indústrias e países, dependendo de uma combinação de pressões da procura, fatores socioculturais, oportunidades tecnológicas e trajetórias.

Em suma, percebe-se da literatura de referência que as inovações radicais representam marcos históricos na trajetória de longo prazo das economias de sistema capitalista, ao ponto de permitirem um salto assinalável em matéria de crescimento económico, rompendo com o ‘steady-state’, i.e. um estado de equilíbrio estacionário das economias nacionais, com taxas de

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19 crescimento reais relativamente constantes (e, por isso, previsíveis). Como exemplos de tais fenómenos históricos são de assinalar: a energia a vapor, a eletricidade, a motorização, os materiais sintéticos, as comunicações de rádio - Freeman e Louçã, (2001); citado em Pavitt (2005: 105) – e muito em especial devido à sua contemporaneidade “as reduções massivas e contínuas nos custos de armazenagem, manipulação e transmissão de informação proporcionadas pelo progresso das TIC“.

A respeito da distinção entre invenção e inovação, de acordo com Fagerberg (2005: 4-5): Invenção é a primeira ocorrência de uma ideia para um novo produto ou processo, enquanto que a inovação é a primeira tentativa de os levar à prática. Por vezes, invenção e inovação estão estreitamente ligados, a ponto de não ser fácil os distinguir (a biotecnologia, por ex.). Em muitos casos, porém, existe um hiato temporal considerável entre ambos [duas décadas ou mais]. (…) De modo a ser capaz de converter uma invenção numa inovação, a pessoa ou organização deverá combinar diferentes tipos de conhecimento, capacidades, competências/aptidões e recursos [actuando como um “empreendedor” na terminologia schumpeteriana].8

Além da obra de Schumpeter (1939, 1942), pioneira ao destacar o papel do empreendedor enquanto agente dinamizador do crescimento económico e, bem assim, na explicação do surgimento de um novo “paradigma tecnológico” (Dosi, 1982 e 1988a,b; Dosi et al., 1988)9, outros marcos históricos na ciência económica foram os trabalhos de Marshall (1890)10,

8 Esta citação traduz a perspetiva científica sobre a origem da inovação, normalmente identificada como “modelo

linear” na literatura especializada. Esta perspetiva do processo de inovação não espelha, porém, o facto de esta poder resultar de um fenómeno de imitação pura. As abordagens contemporâneas em que a investigação se apoia enfatizam este ponto fundamental para a compreensão da génese territorial da inovação, indo aliás ao encontro da interpretação oficial contemplada no Manual de Oslo (OCDE/Eurostat, 2005).

9 Nestes textos verifica-se que um paradigma tecnológico define contextualmente as necessidades que estão por

preencher, os princípios científicos utilizados para a tarefa, a tecnologia material a ser usada. Também pode ser entendido como um padrão de resolução de problemas tecno-económicos selecionados induzindo os esforços de inovação segundo trajetórias tecnológicas particulares: i.e. a mudança tecnológica está dependente de um

percurso iniciado no passado em termos de seleção de uma dada tecnologia face a um conjunto de opções cujos resultados à partida são imprevisíveis para um agente individual (dotado de racionalidade limitada), implicando múltiplas interações mercantis e não mercantis entre utilizador-produtor e utilizador-utilizador que se vão reconfigurando no tempo e no espaço, sendo certo que condicionarão decisivamente o modo de resposta no futuro a problemas de natureza produtiva resultando numa irreversibilidade (salvo alterações de natureza radical). Portanto a escolha da tecnologia será feita mediante a informação disponível (limitada) e irá influenciar decisivamente a capacidade de a empresa competir no mercado. Na ortodoxia neoclássica (espelhada, por exemplo, no modelo de Solow – secção 2.1.2) o progresso tecnológico é tido por alterações exógenas aos mercados com efeitos nas elasticidades-rendimento dos fatores, modificando os parâmetros das funções de produção (tipicamente do tipo Cobb-Douglas) induzindo de forma determinística novas escolhas ótimas em termos de combinações fatoriais estilizadas num mapa de isoquantas baseado em pressupostos como: a racionalidade dos agentes económicos, a substituibilidade técnica e a flexibilidade de preços dos ‘inputs’, e a ausência de incerteza nos mercados respetivos (ponto a retomar na secção 2.2.3). As escolhas tecnológicas dependeriam, assim, apenas de um problema de minimização dos custos de produção (ou de maximização do lucro) dados os parâmetros das funções de produção e os preços dos ‘inputs’ e do ‘output’ final.

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Hoover (1937 e 1948)11,12 e Perroux (1955)13 em torno da importância das vantagens económicas externas associadas à localização geográfica.

Também a Teoria do Ciclo de Vida (Vernon, 1966) merece uma especial atenção para uma melhor compreensão das dinâmicas de inovação que antecedem o declínio de um qualquer produto no mercado. Em alternativa à abordagem neoclássica das vantagens comparativas estáticas (vertida no modelo Hecksher-Olin), o autor propõe-se interpretar os padrões de comércio internacional a partir do ciclo da inovação, dos efeitos das economias de escala e dos “papéis da ignorância e da incerteza” (p.190). Vernon encara três estágios de evolução para um processo de crescimento industrial desencadeado por uma importante inovação: i) novo produto, ii) produto em maturação; e iii) produto estandardizado.

Num registo particularmente relevante para se perceber a relevância teórica da diferenciação espacial das dinâmicas de inovação, Vernon (1966: 192) começa por afirmar a necessidade de se abandonar a noção altamente simplificadora de que o conhecimento se trata de um bem universalmente gratuito. A avaliação ex ante da probabilidade de sucesso comercial de um novo produto dirigido a uma clientela de rendimento elevado ou menos intensivo em trabalho (‘labour saving’ no texto original) é condicionada decisivamente pelo grau de proximidade geográfica dos empreendedores face ao respetivo mercado. Daí que, no primeiro estágio, exista uma atração dos empreendedores por localizações metropolitanas como Nova Iorque para minorar os problemas de comunicação e beneficiar das economias externas (sem natureza especificada) sendo que tais razões são tidas como “poderosas forças locacionais” - apesar dos custos relativos de trabalho mais elevados comparativamente com outras localizações, inclusive no resto do mundo (p.194). Ainda com respeito a esta primeira fase, Vernon destaca que a preferência locacional é fruto das especificidades do processo de desenvolvimento do novo produto; designadamente (p.195):

Flexibilidade na combinação dos ‘inputs’ atendendo não apenas ao seu custo mas também a localizações alternativas para efeitos de cálculo do custo económico do investimento;

Fraca elasticidade procura-preço por via do elevado grau de diferenciação na produção ou do monopólio temporário neste primeiro estágio;

11 Hoover, E. M. (1937). Location Theory and the Shoe and Leather Industries. Harvard University Press,

Cambridge MA.

12 Hoover, E. M. (1948). The Location of Economic Activity. McGraw-Hill, New York.

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21 − Necessidade de comunicação rápida e eficaz com os diversos agentes mercantis (clientes, fornecedores e concorrentes) para reduzir a incerteza (e a ignorância) quanto a aspetos críticos como a dimensão do mercado, a reação dos rivais, as especificações de ‘inputs’ e dos produtos a lançar no mercado que ofereçam maior probabilidade de compensação.

Em síntese, a escolha de uma localização para lançar um novo produto deve ir além da mera análise em termos de custo dos fatores de produção e de transporte – contrariando, assim, a perspetiva típica das teorias da localização abordadas na subsecção 2.2.2.1; particularmente no que respeita ao primeiro tema então identificado. Com o passar do tempo, o produto tende a ser estandardizado, realçando-se o papel da inovação de produto conjugada com a inovação de processo (na transição para a respetiva maturidade) em busca da máxima eficiência produtiva, das economias de escala (internas às empresas de produção em massa) e da competitividade-custo nos fluxos de investimento direto estrangeiro. Tal depreende-se das palavras do próprio Vernon (p.196):

Primeiro de tudo, a necessidade de flexibilidade [de ‘inputs’] diminui. Um compromisso com algum conjunto de padrões de produto abre possibilidades técnicas para que se alcancem economias de escala através de produção em massa, e encoraja compromissos de longo prazo com alguns processos estabilizados e instalações fabris fixadas. Ainda que não esteja presente uma competição crescente pelo preço, a redução de incertezas envolvendo o processo [de maturação] proporciona a utilidade das projeções de custo e faz aumentar a atenção dedicada ao custo.

Este foco na competitividade-custo pode, pois, vir a traduzir-se na transferência de tecnologia do país (ou região) inovador(a) (de elevado rendimento) para outros países (ou regiões) com mercados de maior dimensão e/ou de custos de produção menores - nomeadamente, no respeitante a mão-de-obra pouco especializada, apta para o desempenho de tarefas simples e rotineiras nos moldes Fordistas de produção.

Face ao exposto, pode-se concluir que a fase do ciclo do produto realmente crítica em matéria de criatividade, empreendedorismo e exposição ao risco será efetivamente a primeira (a fase da inovação de produto). A distinção entre os estágios do ciclo da inovação reside no tipo de intensidade fatorial e no local em que a produção tem lugar, podendo a vantagem competitiva vir a transferir-se do país onde a inovação tem lugar originalmente para um outro país (na fase de estandardização).

O ciclo de vida do produto revela-se, assim, de uma enorme relevância pois que demonstra a natureza dinâmica da relação entre o tipo de inovação, a adaptação da tecnologia a ponto de permitir a obtenção de economias de escala (no estádio de estandardização) e, bem assim, a

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localização da produção preferencialmente em regiões relativamente mais abundantes em fator trabalho apto para realizar tarefas estandardizadas, ou em recursos naturais (usufruindo de economias de localização) – ainda que, porventura, menos favorecidas na dotação de capital humano e de infraestruturas de ciência e tecnologia14. Essa transferência poderá facilitar o desenvolvimento industrial desses territórios menos bem dotados de ‘inputs’ estratégicos para o desenvolvimento de novos produtos, melhorando a sua posição na hierarquia regional do desenvolvimento à escala global, dependendo do grau de aprendizagem local.

Estes trabalhos pioneiros viriam a lançar as sementes de múltiplas conceções teóricas em torno da relação entre inovação e crescimento regional polarizado. De facto, a perspetiva schumpeteriana sugere que empreendedor e inventor não têm que ser forçosamente a mesma pessoa ou entidade; ora, sendo assim, então o empreendedor deve ter interesse em estar localizado próximo da fonte geradora desse novo conhecimento, “não sendo, todavia, preocupação de Schumpeter a repartição espacial das inovações” (Simmie, 2005: 790).

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