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2.1 A E MERGÊNCIA DA E CONOMIA DO C ONHECIMENTO NA TRANSIÇÃO PARA O PARADIGMA PÓS F ORDISTA

2.1.2 Os fundamentos neo-Schumpeterianos da economia do conhecimento

Os anos 90 do século passado foram marcados por uma evidente alteração do padrão de competitividade das economias da Tríade (EUA, União Europeia e Japão), sob o paradigma de desenvolvimento estruturado em torno da “economia baseada no conhecimento” (OCDE, 1996). Originalmente, tal conceito refere-se a um modelo de economia baseada na produção, distribuição e utilização de forma direta do conhecimento e da informação a ponto de se afirmar que o conhecimento, imbuído nos seres humanos (como capital humano15) e na tecnologia, assume um “papel central no desenvolvimento económico” (OCDE, 1996: 9). Presentemente, está consensualizada na literatura a designação simplificada “economia do conhecimento” (Cooke e Leydesdorff, 2006). No Manual de Oslo é assumido que esta expressão atual designa “tendências nas economias avançadas em direção a uma maior

14 As externalidades negativas, como a ausência de fornecedores locais de peças segundo padrões fiáveis de

qualidade, poderão ser contornadas caso se verifique um processo de integração vertical (Vernon, 1966: 203).

15 De acordo com o relatório da OCDE (2007a: 29-30), o capital humano refere-se ao conhecimento, aptidões,

competências e atributos intrínsecos aos indivíduos que facilitam a criação de bem-estar pessoal, social e económico. Distingue-se do fator trabalho pelo facto de atender à qualidade dos recursos humanos em vez da quantidade, sendo assim objeto de medição consoante o grau de escolaridade do trabalhador. Este conceito encontra as suas raízes históricas no pensamento de Adam Smith (séc. XVIII) ao comparar as aptidões e os saberes de um indivíduo a uma espécie de capital fixo nele imbuído de forma percetível para a sociedade, assegurando-lhe um potencial valor de mercado.

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23 dependência do conhecimento, informação e elevados níveis de qualificações (‘skills’), e a uma necessidade crescente para um pronto acesso a estes por parte dos sectores privado e público” (OCDE/Eurostat, 2005: 28). Para se perceber a aderência à realidade desta conceção importa reter o significado e o contributo da Investigação e Desenvolvimento (I&D): a I&D compreende o trabalho criativo prosseguido segundo uma base sistemática em ordem a aumentar o ‘stock’ de conhecimento, incluindo o conhecimento do Homem, a Cultura e a Sociedade, e o uso deste ‘stock’ para desenvolver novas aplicações (OCDE, 2002: 30). A importância que o capital humano representa para as economias mais desenvolvidas poder- se-á constatar empiricamente no reforço da intensidade em I&D16 ocorrido na maioria dos países membros da OCDE entre 1995 e 2005 (Figura 2.1), não obstante a evidente disparidade de desempenho - em 2005 a média da OCDE (2.25%) era quase 3 vezes superior ao alcançado por Portugal (0.81%).

Figura 2-1: Intensidade em I&D nos países da OCDE (1995-2005).

Fonte: OCDE (2009).

16 Segundo Smith (2005: 155), quando aplicado a um país este indicador tem o propósito de indicar a capacidade

de progresso tecnológico e de compromisso na criação de conhecimento. O autor reflete sobre as suas limitações, dando conta de que a estrutura produtiva de uma dada economia, nacional ou regional, pode enviesar o resultado da sua intensidade de I&D, favorecendo em termos de ‘ranking’ aquelas que revelem uma maior especialização em setores de “alta tecnologia”. Como o autor refere, a OCDE recorre habitualmente a uma grelha de classificação das indústrias (em sentido abrangente, como sucede no idioma inglês) composta por 4 categorias em função de rácios das despesas de I&D em termos de valor acrescentado ou da produção: alta tecnologia para um rácio superior a 5%; média-alta (entre 3% e 5%); média-baixa (entre 1% e 3%) e baixa (menos de 1%). Fagerberg (2005:16) inclui na classe da “alta tecnologia” os setores baseados em ciência e os fornecedores especializados segundo a taxonomia de Pavitt (1984).

0, 44 0,51 0,58 0,59 0,59 0, 81 0,97 1, 11 1, 13 1,22 1,28 1, 45 1,54 1,58 1, 75 1,79 1,85 1,91 1,93 2, 17 2,25 2, 45 2,49 2,51 2,62 2, 85 2,94 3, 11 3, 38 3,53 3, 81 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 M éx ic o E sl ov áq ui a P ol ón ia T ur qu ia G ré ci a P or tu ga l H un gr ia It ál ia E sp an ha N ov a Z el ân di a Ir la nd a R ep úb li ca C he ca N or ue ga L ux em bu rg o H ol an da A us tr ál ia R ei no U ni do B él gi ca C an ad á F ra nç a O C D E ( m éd ia ) Á us tr ia D in am ar ca A le m an ha E st ad os U ni do s Is lâ nd ia S ui ça C or ei a do S ul Ja pã o F in lâ nd ia S ué ci a D es pe sa s de I & D e m p er ce nt ag em d o P IB pm 1995 2005

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Constata-se, portanto, que a Ciência Regional passa a estar particularmente atenta à dimensão coletiva e interativa no processo de criação de novo conhecimento, potencialmente gerador de valor acrescentado para a empresa inovadora, proveniente de fontes externas à própria empresa por via dos contactos informais com fornecedores e/ou da colaboração com universidades e centros independentes de I&D.

Rompe-se, assim, com uma lógica determinística de cariz puramente científica e tecnológica na qual a inovação é tida como uma mera etapa intercalar entre a invenção (ou I&D aplicada) e a difusão17, integrada num modelo “linear” de inovação, numa sequência que não admite informação de retorno que gere comunicação do tipo bi-direccional entre as diversas etapas (Cowan e De Paal, 2000: 86)18 – tendo cada vez mais relevo uma lógica sistémica, em que a inovação resulta de um processo interativo e cumulativo, com “feedbacks”.

Em consequência, a “caixa negra” da economia do conhecimento encerra a inovação enquanto fruto de um processo sistémico de interação social e aprendizagem coletiva, facilitadas pela proximidade entre pessoas e organizações19, tendo como núcleos geográficos aquelas regiões (ou cidades, dependendo da escala territorial de análise) particularmente bem dotadas de atores e infraestruturas relevantes para a dinamização das atividades inovadoras.

Esta conceção sistémica de inovação assentará em três pilares, de acordo com o modelo da “Hélice tripla” (Etzkowitz e Leydesdorff, 2000):

i) O sistema produtivo (empresas e respetivas relações formais e informais, das tecnológicas às artesanais);

ii) A administração pública (incluindo os diferentes níveis de governo);

iii) Os sistemas nacionais de ciência e tecnologia, de ensino e formação profissional.

17 A difusão (da inovação) pode ser definida como o processo de adoção de uma inovação para emprego na

economia, espalhando-se a partir da fonte ou local originais, para outros locais (Cowan e De Paal, 2000: 86)

18 Em termos da teoria pioneira de Schumpeter, segundo Fagerberg (2005: 9-10) esta conceção linear (referida na

literatura como “mark II”) não é a que genuinamente caracteriza o empreendedor enquanto indivíduo criativo ou genial que, num contexto de “inércia social”, avança com uma novidade (“mark I”). Antes se aplica à “grande empresa” (por ex. as multinacionais na indústria farmacêutica) que mobiliza avultados recursos específicos de I&D (humanos, físicos e financeiros), a par de instrumentos legais (patentes) para proteger a propriedade intelectual. Desta forma ela procura usufruir de um monopólio de mercado, ainda que temporário, por causa da imitação dos concorrentes.

19 No subcapítulo 2.3 discutem-se de forma pormenorizada as diversas aceções do conceito de “proximidade”, no

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25 Da permanente interação entre essas três categorias de atores relevantes para a inovação (tomada em sentido amplo e não estritamente tecnológico20) deverão resultar sinergias na criação do referido “conhecimento novo”, tanto de natureza codificada como tácita, potenciando a capacidade de inovação e de empreendedorismo dos territórios. Tal conceção tem como corolário que o conhecimento se encontra fragmentado entre diversos atores (públicos e privados), pelo que a sua transferência21 requer a criação de redes “formais e informais” (OCDE, 1996: 7) de modo a aumentar a eficiência marginal do capital humano; o que é manifestamente facilitado pelo progresso das Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC).

Também Pavitt (2005: 94-95) assinala a importância dos contactos pessoais e informais no processo de inovação ao proceder a uma sistematização das principais características identificadas na literatura sobre ligações entre a investigação em ambiente universitário e a inovação de cariz empresarial, que resumidamente são as seguintes:

- As relações informais são importantes: permitem aos investigadores aperceberem-se dos problemas fundamentais que afetam uma dada indústria, norteando a investigação científica para projetos de natureza aplicada.

- A contratação de investigadores (seja como colaboradores internos ou externos) por empresas com experiência em projetos líderes em investigação pioneira será uma via indireta de aceder a conhecimento potenciador de inovação já que os mesmos se poderão comparar a “transportadores de novas abordagens teóricas, novas técnicas e observações e novas aptidões”.

- Os empresários e os gestores poderão acusar de excessivo o tempo de duração dos projetos de investigação realizados nas universidades na medida em que, enquanto patrocinadores, tendem a associar a eficiência (e a ‘qualidade científica’) das respetivas equipas à velocidade com que os concretizam. Ora, tal postura pode ser

20 Atualmente a literatura contempla outras aceções de inovação. É o caso da inovação social (Moulaert et al,

2007; André e Abreu, 2006), nomeadamente quando se trata de mudança pró-ativa de atitudes e comportamentos de grupos ou classes sociais - por ex., a mudança de mentalidades quanto à integração no mercado de trabalho de cidadãos em risco de exclusão e da maior representatividade das mulheres nos lugares cimeiros da hierarquia nas organizações públicas e privadas - e da inovação institucional (Kirat e Lung, 1999), tratando-se de novas formas de regulação das transações.

21 “A transferência de conhecimentos envolve os processos de captação, recolha e partilha de conhecimentos explícitos e tácitos, incluindo aptidões e competências. Inclui atividades comerciais e não comerciais como as colaborações em investigação, a consultoria, a concessão de licenças, a criação de empresas derivadas, a mobilidade dos investigadores, as publicações, etc. Embora a tónica seja colocada nos conhecimentos científicos e tecnológicos, abrange também outras formas como os processos empresariais de componente tecnológica.” (Comissão Europeia, 2007a: 2).

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contraproducente uma vez confrontada com a natureza fundamental de alguns problemas que se colocam aos investigadores em ação, levando a que muitas vezes sejam as entidades públicas (governos e institutos públicos) a viabilizarem-nos com os imprescindíveis apoios financeiros.

Em sintonia com esta propensão para um certo imediatismo na concretização do ‘output’ dos projetos envolvendo parcerias entre universidades e empresas está a lógica linear (seja explícita ou implicitamente) daqueles programas de transferência de tecnologia que aponta para as universidades e institutos públicos de ciência/investigação básica como ‘fábricas’ das soluções inovadoras (nos domínios da produção, do marketing, da organização e dos recursos humanos) para as empresas – sendo estas duplamente favorecidas beneficiando da inovação e da transferência para o Estado – parcial, em princípio - dos custos de estrutura (pessoal, imobilizado, material) inerentes ao processo.

Numa reflexão subordinada às “redes de inovadores”, Powell e Grodal (2005: 74-75) consideram que a transferência de conhecimento assume um papel central no processo de inovação, podendo dar-se de duas formas distintas:

- Uma primeira forma consiste em tirar partido da complementaridade de ativos na divisão do trabalho inovador, como é exemplo o caso das pequenas empresas na indústria de biotecnologia com laços estreitos a cientistas pertencentes a universidades. Tal cooperação permite ultrapassar as lacunas das primeiras em termos de competências e recursos imprescindíveis para o sucesso do desenvolvimento experimental e ao mesmo tempo constitui uma forma de obtenção de sinergias na aprendizagem para as partes envolvidas (o que não aconteceria no caso de um investigador atuando de forma isolada);

- Uma segunda forma reside em recombinar a informação já existente numa rede; de modo que a inovação pode ser fruto da reconfiguração do conhecimento existente, dos problemas e das soluções.

O êxito desta transferência, em qualquer caso, dependerá do grau de sucesso da permuta de ideias entre os atores, o que levanta a necessidade de uma distinção entre dois tipos de conhecimento: o “explícito” e o “tácito” (Comissão Europeia, 2007a). Mas antes impõe-se esclarecer conceptualmente a diferença entre informação e conhecimento. Assim, tomando por referência Torre e Gilly (2000: 176), a informação refere-se à capacidade de emissão, circulação e receção de fluxos de mensagens, ao passo que o conhecimento se refere às ações dos indivíduos pelas quais se desencadeia um processo de compreensão da informação recebida, implicando mecanismos de aprendizagem.

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27 Ora, o conhecimento tácito torna-se mais problemático de ser transferido na medida em que segundo Polanyi (1956), citado por Powell e Grodal (2005: 75), os indivíduos frequentemente sabem bem mais do que aquilo que são capazes de exprimir verbalmente. A ponto de, muitas vezes, ser necessário um esforço considerável para adquirir o conhecimento valioso acerca de tecnologias complexas de produção na medida em que o mesmo seja dificilmente codificável, contrariamente ao que acontece com o conhecimento explícito (expresso em esquemas, receitas, manuais ou através de formação). Daí que o conhecimento explícito seja vulgarmente designado na literatura por conhecimento codificado, por contraste com o conhecimento tácito.

Note-se que não sendo codificável (pelo menos, no imediato), o conhecimento tácito não deixa de ser transferível mas levará naturalmente mais tempo. Em suma:

A distinção entre conhecimento codificado e tácito é crucial porque este último exige consideravelmente mais aprendizagem por tentativa e erro para aplicar o novo conhecimento a um contexto novo. (Powell e Grodal, 2005: 75)

Para Soete (2000), as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) proporcionam justamente a possibilidade de uma maior codificação do conhecimento facilitando o seu acesso a uma distância e em tempo real muito superiores. Deste ponto de vista as infraestruturas de conectividade revelam-se fundamentais para a distribuição do conhecimento, alimentando a investigação e a inovação; mas também para a disponibilidade a longo prazo de uma força de trabalho altamente qualificada, dotada de elevada capacidade intelectual que não pode ser codificada. Afirma, por isso, que “o capital humano e a tecnologia constituem dois aspetos inseparáveis da acumulação do conhecimento”.

Acerca da importância da geografia para as dinâmicas de competitividade e inovação regionais, e atendendo à distinção atrás efetuada quanto aos tipos de conhecimento, os núcleos anteriormente referidos deverão destacar-se no panorama global da competitividade regional pela sua capacidade de reprodução de conhecimento inovador enquanto nós de redes de transferência do conhecimento (Amin e Thrift, 1992), funcionando como palco da “fertilização cruzada” de conhecimento codificado e tácito graças à sua dotação em agentes produtores e utilizadores de conhecimento novo, relevantes para a criação e difusão de novas ideias, novas técnicas e novos modelos. Afigurar-se-ão, em suma, como verdadeiros polos de excelência na investigação aplicada e desenvolvimento experimental, e de empreendedorismo.

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Procedendo a um resumo dos contributos teóricos das diversas abordagens de pensamento refletidas nesta secção, pode-se pois deduzir que pela sua natureza interativa e coletiva (envolvendo múltiplos atores, públicos e privados) a inovação assume necessariamente uma ligação ao território (região), pois que a transferência de conhecimento tácito – por definição, não codificável e não transferível sem que haja comunicação bidirecional – depende criticamente da confiança entre emissor (detentor do conhecimento novo) e recetor (um indivíduo, uma organização). Esta constrói-se na base da intensidade de contactos formais e informais em ambiente profissional e social entre indivíduos e organizações cooperando em rede (‘networking’), o que deverá ocorrer com maior probabilidade entre aglomerações espaciais que funcionem como “centros de representação, interação e inovação” (Amin e Thrift, 1992).

Os autores explicam o seu ponto de vista acerca do papel crucial desse género de aglomerações a que chamam “nós neo-Marshallianos” nos seguintes termos. Enquanto centros de representação são o foco de criação e disseminação de discursos, crenças coletivas e debates acerca da lógica de funcionamento das fileiras produtivas a nível mundial e seus desenvolvimentos futuros (incluindo novas tendências no âmbito do design, do desenvolvimento de produtos e das práticas de gestão). Esta centralidade beneficia do incremento massivo da quantidade e qualidade de informação relevante em circulação proporcionada pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, materializada em publicações de imprensa especializada no domínio dos negócios à escala global e em artigos académicos que se têm vindo a multiplicar no que concerne a investigação orientada para o desenvolvimento de negócios.

Pela socialização que proporcionam, tais “nós” possibilitam a interação necessária à recolha de informação, estabelecimento ou preservação de alianças estratégicas e monitorização da confiança e contratos implícitos. Por último, eles são necessários para desenvolver, testar e monitorizar as inovações:

Os centros produzem uma massa de discursos suficiente para gerar inovações; os contactos com numerosos indivíduos detentores de conhecimento facilitam a identificação de janelas de oportunidade no mercado, de novas aplicações tecnológicas (…). (Idem, p. 576)

E concluem que para o sucesso do ‘teste de mercado’ – na fase crítica que antecede o investimento massivo na produção padronizada e comercialização de um novo produto – é

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29 importante a existência de redes sociais que produzam rápidas reações e funcionem como uma clientela representativa (prevenindo eventuais logros financeiros por fracasso nas vendas)22. No âmbito desta reflexão que se entende ser significativa da importância da dimensão social no processo gerador da inovação (particularmente na forma de um novo produto ou de um novo processo) os autores sublinham a “valorização do meio” como elemento-chave para a atratividade de empresas inseridas em indústrias intensivas em conhecimento nas quais a busca permanente de novas tecnologias é fator determinante para a competitividade empresarial. Para tal recorrem às noções marshallianas de atmosfera industrial e economias externas de aglomeração (Marshall, 1890 e 1990)23.

A atmosfera industrial manifesta-se numa “oferta permanente de informação, ideias, ‘inputs’, maquinaria e serviços específicos a uma indústria” (Amin e Thrift, 1992: 579). Também Becattini (2006: 3) refere que a comunidade local se encontra nela embrenhada a ponto de “se um homem inicia uma nova ideia, esta é tomada por outros e combinada com sugestões destes” tornando-a “fonte de novas ideias”. De acordo com Pezzini (2003: 16) é precisamente a existência da atmosfera industrial que vai permitir a acumulação e a difusão das competências técnicas no mercado local de trabalho, incluindo a capacidade de lidar com os mercados internacionais, e do conhecimento que suporta os processos de inovação.

Quanto às “economias de distrito” percebe-se que estas consistem em vantagens decorrentes da aglomeração espacial de empresas ligadas a uma indústria específica (o “distrito industrial”), externas às unidades de produção individualizadas mas internas à indústria espacialmente concentrada, a ponto de favorecer uma elevada especialização produtiva. Segundo Amin e Thrift (1992: 572), elas são: i) construção de uma base local de sabedoria e “know-how” e de uma cultura de flexibilidade laboral e cooperação graças a uma densa

22 Reconhece-se nesta abordagem os estágios segundo a Teoria do Ciclo de Vida (Vernon, 1966), referida na

secção 2.1.1, transposta para o domínio da relação entre inovação e espaço.

23 A seguinte passagem é ilustrativa da distinção entre economias de localização geográfica e economias

associadas ao aumento da escala de produção, quer internas quer externas: “Many of those economies in the use

of specialized skill and machinery which are commonly regarded as within the reach of very large establishments, do not depend on the size of individual fatories. Some depend on the aggregate volume of the kind in the neighborhood; while others again, especially those connected with the growth of knowledge and the progress of the arts, depend chiefly on the aggregate volume of production in the whole civilized world. And here we may introduce two technical terms. We may divide the economies arising from an increase in the scale of production of any kind of goods, into two classes – firstly those dependent on the general development of the industry; and, secondly, those dependent on the resources of the individual houses of business engaged in it, on their organization and the efficiency of their management. We may call the former external economies, and the latter internal economies.” (Marshall, 1990: 220-221)

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interação social e confiança; ii) redução dos custos de transporte e de transação; iii) emergência de uma infraestrutura local de serviços especializados, redes de distribuição e estruturas de oferta.

Essa intensa especialização produtiva em determinadas regiões, nas quais se acaba por manifestar a presença de uma comunidade industrial24 que partilha valores, código de conduta e tradição industrial vinculados ao território de suporte, pode resultar em tais dinâmicas de inovação e aprendizagem coletiva que Amin e Thrift (1992) chegam a referir a possibilidade de se desencadear um processo de “causalidade cumulativa” que faça acelerar o desenvolvimento dessas mesmas regiões, a ponto de se tornarem pólos claramente destacados de redes globalizadas de produção e distribuição.

Cautelosamente os autores afastam-se de uma visão excessivamente “localista”, tentada a generalizar os “complexos locais de produção”, como se a globalização não colocasse em causa a sua coesão (nomeadamente, dos distritos industriais); tanto mais quando os estados nacionais perdem capacidade de regulação para as grandes empresas multinacionais, que aparentemente se têm desintegrado através de processos de subcontratação mas ao mesmo tempo controlam os canais de distribuição, com poder reforçado por processos de fusão e aquisição que se intensificaram ao longo dos anos 80 e 90 do século passado (Idem: 575). Uma ilação que se permite, então, retirar – em linha com uma visão dualista de que as assimetrias regionais parecem ser uma inevitabilidade decorrente do progresso económico e

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