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O Relatório Brundtland apresenta no seu texto algumas ambigüidades e artifícios. Alguns especialistas têm explicitado os deslizes e alertado para algumas contradições do texto. Kitamura (1994, p. 78) chama a atenção para o aspecto do crescimento econômico e satisfação das necessidades de todos (Norte-Sul), o que parece para ele inviável e contraditório em termos de desenvolvimento, visto que o padrão de consumo das sociedades pós-industriais não pode ser generalizável e nem aceitável como modelo, uma vez que é socialmente e injusto e ambientalmente degradante ao planeta.

Outra contradição marcante no Relatório Brundtland é com relação ao conceito de desenvolvimento sustentável. Este ignora as correlações de forças existentes entre os países industrializados e os em desenvolvimento no plano da economia internacional. Os primeiros, sem dúvida, se sobrepõem em relação aos segundos no que diz respeito à produção e ao comércio internacional, de maneira que as relações de produção e consumo são intrinsecamente desiguais. Portanto, essa relação de desigualdade se aprofunda cada vez mais, quando assistimos a liberalização e a flexibilização das economias em escala internacional.

A esse respeito, Guimarães (1997, p. 12) alerta para duas outras questões fundamentais que merecem especial atenção. A primeira diz respeito à propagação do discurso da sustentabilidade precisamente no momento em que os centros do poder mundial declaram a falência do Estado como motor do desenvolvimento e propõem sua substituição pelo mercado, ao mesmo tempo em que declaram também a falência da regulação e do planejamento governamental. A segunda contradição está relacionada, neste caso, diz respeito aos recursos para a implementação de políticas de conservação do meio ambiente. De acordo com o autor, a partir da Rio-92, o principal gestor financeiro internacional da estratégia de desenvolvimento sustentável tem sido o Bird, principal responsável pela construção da Agenda 21 Global e nos paises. Estudos publicados em 2000 pelo Environmental Defence Fund indicavam que dos 46 empréstimos concedidos pelo Bird para programas de energia, com um total de recursos que ascende aos sete bilhões de dólares, apenas dois incorporaram critérios de conservação ou eficiência energética.

Para Layrargues (1997, p. 5) uma questão que foge da pauta da CMMAD é simplesmente o estabelecimento de um teto de consumo para os países industrializados, visto que estes consomem para além do necessário em detrimento de outros. Assim, deveria haver uma equivalência em busca de um nivelamento médio entre Primeiro e Terceiro Mundo, para se chegar a sustentablidade. Ou seja, enquanto houvesse crescimento dos países em desenvolvimento, haveria uma estabilização dos países desenvolvidos até que se atingisse um nivelamento em escala mundial. Para o autor, a CMMAD evita abordar de toda maneira esta discussão do teto mínimo de consumo. Portanto, ao invés de um teto de consumo, a Comissão Brundtland usou um artifício e preferiu estabelecer um piso material.

Como afirma Layrargues:

Enquanto o ecodesenvolvimento postula com relação à justiça social que seria necessário estabelecer um teto de consumo, com o nivelamento médio entre Primeiro e Terceiro Mundo, o desenvolvimento sustentável afirma que seria necessário estabelecer um piso de consumo, omitindo o peso da responsabilidade da poluição da riqueza (LAYRARGUES, 1997, p. 10).

É preciso enfatizar que, ao se pensar em termos de “uma terra só” da necessidade da solidariedade global, a tomada de decisões no âmbito mundial tem ainda um longo caminho a percorrer. Nesta perspectiva o próprio conceito de desenvolvimento sustentável não

apresenta um consenso. Por isso, várias são as contradições, principalmente, quando se passa da interpretação para as soluções propostas para os problemas ambientais globais. Outra tentativa de enfrentar os problemas foi a criação da Agenda 21 Global.

2 AGENDA 21 GLOBAL

A Agenda 21 transformada em programa de ONU é um plano de ação para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável. Ela é uma consolidação de diversos relatórios, tratados, protocolos e outros documentos elaborados durante décadas na esfera da ONU (Assembléia geral, FAO, PNUMA, Unesco etc.). Vários autores apontam a Agenda 21, como o documento mais importante aprovado na Eco-92. Acredita-se que dentre os cinco principais documentos aprovados no evento, ela é um dos que poderá trazer contribuições para o processo de implementação do desenvolvimento sustentável, apesar de todos os entraves e impasses, quer seja de ordem política e/ou financeira, existentes (nacional e internacional para bancar na prática as deliberações) quanto a sua implementação.

A agenda, no capítulo sobre a promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável, inclui as seguintes áreas de programas: a) Revisão, planejamento e programação integrada da política agrícola, à luz do aspecto multifuncional da agricultura, em especial no que diz respeito à segurança alimentar e ao desenvolvimento sustentável; b) Obtenção da participação popular e promoção do desenvolvimento de recursos humanos para a agricultura sustentável; c) Melhora da produção agrícola e dos sistemas de cultivo por meio da diversificação do emprego agrícola e não-agrícola e do desenvolvimento da infra-estrutura; d) Utilização dos recursos terrestres: planejamento, informação e educação; e) Conservação e reabilitação da terra; f) água para a produção sustentável de alimentos e o desenvolvimento rural sustentável; g) Conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos vegetais para a produção de alimentos e a agricultura sustentável; h) Conservação e utilização sustentável dos recursos genéticos animais para a agricultura sustentável; i) Manejo e controle integrado das pragas na agricultura; j) Nutrição sustentável das plantas para aumento da produção alimentar; k) Diversificação da energia rural para melhora da

produtividade; l) Avaliação dos efeitos da radiação ultravioleta decorrente da degradação da camada de ozônio estratosférico sobre as plantas e animais (Agenda 21 Global, 1995).

A Agenda 21 afirma que a participação popular das comunidades e o desenvolvimento de recursos humanos constituem uma área-programa que faz parte das políticas governamentais e do manejo integrado dos recursos. A idéia é a de que quanto maior for o grau de controle da comunidade sobre os recursos, maior será o estímulo ao desenvolvimento econômico e dos recursos humanos. Este programa deve enfatizar as práticas de manejo, dos direitos e deveres relacionados com o uso da terra e os acordos que modifiquem as formas de utilizar os recursos. Isso envolve atividades para fortalecer e melhorar os serviços e instalações integradas de extensão agrícola; reorientar as medidas existentes para ampliar o acesso à terra, aos recursos florestais, assegurando direitos iguais para mulheres e outros grupos desfavorecidos.

Conforme Acselrad e Leroy (1997, p. 12) a Agenda 21 foi a que mais deu impacto e “fôlego ao velho desenvolvimentismo, visto que o fracasso do pós-guerra, dada a persistência da fome e da pobreza, a idéia de desenvolvimento sustentável seria um recurso utilizado para apoiar a própria ideologia do desenvolvimento”. Para estes autores, a noção de pobre significa, para a civilização ocidental, um indivíduo sem identidade. Aquele que não possui bens materiais, está desprovido e isento da posse individual. Portanto, pobreza torna-se duplamente perigosa: por ameaçar a coesão da sociedade, sitiando-a, infiltrando-a, atacando-a, e por entrar na concorrência pelo uso de bens considerados escassos, como o meio ambiente e os recursos naturais.