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Os atos de Deus em relação ao mundo

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2.1 DECLARAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE DE DEUS

2.1.2 O Deus Que Cria

2.1.2.2 Os atos de Deus em relação ao mundo

Se por um lado se identifica a preocupação do autor em evidenciar que a pre- sença de Jesus no mundo é uma constituição divina, por outro lado observa-se que o autor também se preocupa em evidenciar que a ação de Deus não se restringe à realidade da presença do Filho. Uma série de declarações deixa transparecer a con- cepção que o autor possui sobre o Deus criador. São elas:

a. o]n e;qhken klhrono,mon pa,ntwn( diV ou- kai. evpoi,hsen tou.j aivw/naj “a quem consti- tuiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (1,2). O argumen- to sobre a atividade de Deus em relação ao Filho apresenta a posição do Filho no processo criacional. Aqui, a ênfase é para a postura do autor, que parece não ter dúvidas sobre a ação e posição de Deus diante da criação. Os dois aspectos desta declaração aqui destacados apontam para a propriedade de Deus sobre todas as coisas e a criação dos mundos (o universo) com a presença do Filho e, particular- mente, com a ação do Filho (diV ou “por quem”, “através de quem”). Uma das impli- cações do Filho herdar todas as coisas é o fato de Deus ser o proprietário dessas coisas. O autor não entra em discussão como Deus se apropriou de todas as coisas, senão pelo fato de assumir que Deus fez tou.j aivw/naj “os mundos”, “o universo”. Ao comentar tou.j aivw/naj em 1,2, Delitzsch (1871/1978, v. I, p. 43) afirma:

Ele expressa na forma plural a mesma noção de ko,smoj no singular, não os sistemas ou as ciências da história do universo, mas o sistema cósmico da real criação [...]; e aqui expressa o mesmo sentido de pa,nta da cláusula pre- cedente. O Criador deste universo de mundos é Deus (o` Qeo,j): Mediador desta criação é o Filho (ui`o,j).

b. su. katV avrca,j( ku,rie( th.n gh/n evqemeli,wsaj( kai. e;rga tw/n ceirw/n sou, eivsin oi` ouvranoi, “No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obra das tuas mãos” (1,10). Esta é parte da citação de Sl 102,25-27 feita pelo autor em 1,10-12. No Salmo, estas palavras se referem a Deus e em Hebreus estão sendo atribuídas ao Filho e por isso esta declaração será analisada no capítulo sobre as declarações da divindade de Cristo. Entretanto, observa-se que há aparente preocu- pação do autor em embasar a sua explanação sobre a superioridade do Filho dentro da perspectiva da criação do universo, aqui mencionado como terra e céus.

c. e;prepen ga.r auvtw/|( diV o]n ta. pa,nta kai. diV ou- ta. pa,nta “Convinha de fato à- quele para quem e por quem tudo existe” (2,10 – TEB). Esta seção sobre os atos de Deus foi iniciada com esta declaração em referência, sob o argumento que ela en- cerra em si mesma a declaração formal de que Deus é realmente o criador de todas as coisas. A opção em se achar que esta declaração refere-se a Deus e não ao Fi- lho, deve-se pela declaração final do versículo, onde o Filho, o autor da salvação, é aperfeiçoado mediante sofrimentos por “aquele para quem por quem tudo existe”. Neste sentido, a declaração está apontando para a posição proprietária ou receptiva de Deus, visto que além de criar todas as coisas, tais coisas são para ele. O relacio- namento do criador com as coisas criadas passa, então, por este processo de retor- no à sua própria pessoa. Em Rm 11,36 encontramos expressões literárias semelhan- tes: o[ti evx auvtou/ kai. diV auvtou/ kai. eivj auvto.n ta. pa,nta, “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas”. De igual forma em Cl 1,16: ta. pa,nta diV auvtou/ kai. eivj auvto.n e;ktistai “Tudo foi criado por meio dele e para ele”. Em Colossenses o autor está se referindo a Jesus como o agente e beneficiário da criação. Mas Hb 2,10 não inclui eivj auvto.n “nele” ou “para ele”, podendo ser melhor entendido como a ARA o traduz: “Porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem”, onde Deus é descrito, conforme Westcott (1902/1950, p. 48), “como sendo a Causa final e a Causa ativa de todas as coisas”.

d. pa/j ga.r oi=koj kataskeua,zetai u`po, tinoj( o` de. pa,nta kataskeua,saj qeo,j “Pois toda casa é estabelecida por alguém, mas aquele que estabeleceu todas as coisas é Deus” (3,4). Mencionou-se a preocupação do autor em evidenciar que Jesus, após-

tolo e sumo sacerdote, foi constituído por Deus (3,1.2). Esta seção se torna um tanto problemática pela linha de raciocínio seguida pelo autor, ao comparar Jesus e Moi- sés, mencionando a questão de ambos estarem envolvidos com a “casa”. Entretan- to, há um contraste em 3,4: é possível que alguém edifique uma casa, mas somente Deus é quem pode edificar todas as coisas. “tudo” é naturalmente superior à “casa”, e o construtor da casa (tinoj “alguém”) é sempre inferior a “Deus”. Por tal, é possível que a declaração gnômica “pois toda casa é estabelecida por alguém” deva ser par- ticularmente sendo referida a Moisés nesta seção. Ainda que Moisés tenha sido hon- rado em toda a casa de Deus, e alguns grupos possivelmente estivessem pensando em Moisés como edificador desta casa, em Hebreus há a ratificação sobre quem de fato é o edificador, o criador: qeo,j - Deus, que gramaticalmente ocupa a última posi- ção na sentença, em destaque.

e. kai,toi tw/n e;rgwn avpo. katabolh/j ko,smou genhqe,ntwn “embora, certamente, as obras estivessem concluídas desde a fundação do mundo” (4,3); kai. kate,pausen o` qeo.j evn th/| h`me,ra| th/| e`bdo,mh| avpo. pa,ntwn tw/n e;rgwn auvtou/ “e descansou Deus, no sétimo dia, de todas as obras que fizera” (4,4); kai. auvto.j kate,pausen avpo. tw/n e;rgwn auvtou/ w[sper avpo. tw/n ivdi,wn o` qeo,j “também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas” (4,10). Todas essas declarações aludem ao Gênesis, sendo que 4,4 é uma citação de Gn 2,2. O assunto principal desta seção é „o repouso de Deus‟ de- notando um lugar e não uma atitude. Mas para a presente discussão, restringe-se o argumento para o fato do autor assumir a história da criação sem ressalvas. Para ele, Deus criou todas as coisas, que aqui ele as chama de “suas obras”. Ao declarar que as obras de Deus estão acabadas deste a criação do mundo, o autor não está limitando o poder criacional de Deus no presente. Aparentemente, esta sua afirma- ção é somente para ratificar que embora Josué tenha levado alguns à Canaã (4,8), o descanso verdadeiro possuem aqueles que têm crido nas boas novas pregadas (4,2.3).

f. o` poiw/n tou.j avgge,louj auvtou/ pneu,mata kai. tou.j leitourgou.j auvtou/ puro.j flo,ga “Aquele que a seus anjos faz ventos, e a seus ministros, labareda de fogo” (1,7). pneu,mata pode ser traduzido aqui como “ventos”. Esta é uma citação de Sl 103,4 (LXX). Aparentemente o texto vincula os anjos a forças poderosas da natureza, so- bre as quais, para o autor, Deus e o Filho possuem prevalência. Neste sentido, po- de-se pensar que o autor está demonstrando o poder criador de Deus sobre os ele-

mentos da natureza, inclusive com esta capacidade de transformar os objetos de sua criação.

Mediante este quadro que evidencia a concepção do autor sobre os atos cri- adores de Deus, pode-se deduzir que todo este tema em Hebreus possui um propó- sito duplo: Deus está por trás de toda a criação, inclusive da obra salvífica e santifi- cadora do Filho; o Filho deve ser visto como sendo superior a tudo quanto foi criado, visto ser ele o próprio mediador da criação. Além de preservar a tradição da história da criação, o autor apresenta o elemento novo na concepção criadora de Deus, que é a geração do Filho.

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