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2 ESTADO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA

3.1 AGROEXTRATIVISMO FAMILIAR NOS TEMPOS COLÔNIAIS:

3.1.3 Os caboclos

Os caboclos são outra parcela da população amazônida que surge do ajuntamento dos índios, negros, colonos, europeus, e que ao compor este cenário, contribui e ajuda a construir o fazer do trabalhador agroextrativista. As diferentes influências que carrega consigo pode torná-lo mais apto a adaptações. Dentre estas se tem desenvolvimento da capacidade de intervenção ou não frente às transformações na sua existência.

Filocreão (1992, p. 114-115) descreve o caráter das práticas nas atividades dos caboclos nesse estado:

[...] quando se pensa no produtor extrativista, sem o conhecê-lo, tem-se o direito de imaginar que os principais produtos que este produz e troca no mercado seja em sua totalidade oriundo da coleta, caça e pesca da região. Porém, quanto mais próximo se chega das unidades de produção, se percebe que a atividade extrativista é apenas mais uma entre outras atividades que este produtor lança mão na luta cotidiana para a sua manutenção nas condições da Amazônia. Nesse sentido, verifica-se que a agricultura em pequenos roçados tem uma importância vital na reprodução social, ficando difícil se concluir qual a atividade principal na reprodução das unidades de produção do sul do Amapá: a pequena agricultura ou o extrativismo.

Esta argumentação reforça a presença dos legados indígenas e sua forte influência no desenvolvimento destas atividades, mudando-se somente o caráter e o valor das atividades, no modo como cada grupo social apropria-se delas. A população cabocla realiza, atualmente, estas atividades com o objetivo de garantir a manutenção de sua subsistência, o que inclui a comercialização do excedente. Diferentemente, o povo

indígena pré-colonial realizava apenas para a sua subsistência e trocas eventuais, e posteriormente, quando passa a se relacionar com a sociedade nacional com caráter de comercialização.

Os remanescentes de escravos também compõem este quadro de populações tradicionais, concentrando-se nas comunidades de Mazagão Velho e Curiau. A comunidade de Mazagão Velho surgiu no período colonial, originária de Mazagão, uma colônia do norte da África (Marrocos). Os primeiros habitantes de Mazagão, no Amapá, foram 114 brancos e 103 escravos, que se transformaram nos primeiros agricultores desta região. Mesmo depois de libertados, eles continuaram exercendo esta atividade, de acordo com Acevedo e Castro (1998, p. 161)

[...] os ex-escravos transformaram-se em segmentos camponeses, no ato de ruptura com a relação de propriedade escrava e ao definir, ao lado de uma situação de domínio espacial nos antigos quilombos, as condições de sobrevivência com base na exploração agroextrativista do território sob controle.

O exercício de tal atividade era o que restava aos escravos, uma vez que ao se depararem com a situação de abandono, pós-assinatura da Lei Áurea, recorreram à agricultura que era o que sabiam fazer, considerando que foi com seu trabalho que o Brasil foi durante algum tempo um país de economia eminentemente agrícola.

A respeito, Filocreão (1998, p. 54) destaca que

[...] apesar de existirem controvérsias sobre a atividade mais importante na ocupação da Amazônia colonial: Ciclo das Drogas do Sertão ou Ciclo Agrícola pode-se perceber que nesse período se constituíram alguns fatores, que vão de certa forma se tornaram importantes para as próximas fases: 1) estes ciclos possibilitaram a formação de uma população amazônica, resultante da mestiçagem de índios, portugueses e africanos que já adaptados à região, vai ter sua importância na produção da riqueza das fases posteriores, habitando vilarejos e cidades que se formaram; 2) na exploração do trabalho, na sua forma escravizada ou compulsória, se produziu e acumulou um capital inicial, que mesmo sendo transferido para metrópole, a parte que ficou se reproduzirá, contribuindo no processo inicial, da nova dinâmica do ciclo subseqüente, ao se aliar a outras formas de financiamento; 3) iniciou-se um processo de formação de campesinato tipicamente amazônico que agregou a experiência agrícola dos portugueses somando-se a experiência do índio e do negro no domínio das florestas e rios. Este campesinato terá o seu papel determinado no abastecimento local; complementando as exportações de produtos agrícolas e extrativos; servindo de refluxo para a força de trabalho

nas épocas de crise e como rebaixadora do valor da força de trabalho nos momentos áureos da economia.

De fato, a ênfase dada ao papel da população amazônica e sua ingerência no processo de exercício da atividade agroextrativista é essencial para a compreensão da construção de uma economia desta natureza. Note-se, que mesmo não trazendo rebatimentos positivos para esses trabalhadores, estes participaram ativamente desta economia regional a partir da congregação das diferentes experiências agroextrativistas.

A população cabocla conseguiu adaptar-se de modo profundo aos momentos de auge ou de declínio da economia extrativista, a exemplo do período áureo ou de queda da economia gomifera, e/ou da convivência com o coronelismo de José Julio de Andrade,4 ou ainda com as mudanças de gestão da empresa extrativista, comandada por um grupo português no anos de 1940. E, mais recentemente, com a implantação e a imposição do Projeto Jari. Apesar de tudo, continua buscando mecanismos para melhor relacionar-se com as mudanças histórica, social, política, cultural e salvaguardar o seu espaço de floresta.

De acordo com Filho (2000, p. 91) “[...] atualmente, em toda a Amazônia brasileira, cerca de trezentas mil famílias declaram praticar o extrativismo como principal atividade, tirando daí o essencial de seus rendimentos”. Aproximadamente e conforme Amapá (1999, p. 5), “[...] cerca 11.500 pessoas vivem na Reserva Extrativista do Cajari e [no Projeto de Assentamento Extrativista Maracá] no sul e sudoeste do estado do Amapá”. Esse é um número significativo, pois demonstra que apesar de toda as dificuldades e entraves de ordens diversas e esferas ainda há resistência por parte desses trabalhadores.

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José Júlio, considerado o maior latifundiário do mundo, foi comerciante, seringalista e intendente do município de Almerim. Iniciou o processo de ocupação econômica da região através de expropriação e concentração de terras em suas mãos, submetendo a população residente à forma do trabalho compulsório, utilizando-se do aviamento e da violência. Suas terras no estado do Pará, municípios de Almerim, Porto de Moz, e território federal do Amapá poderiam chegar a três milhões de hectares (FILOCREÃO, 1998).

Os extrativistas vegetais, os pescadores, os ribeirinhos formam com os índios as populações tradicionais do Amapá. Até os dias atuais ainda têm como atividade econômica básica a pesca, a criação de animais, a coleta da castanha e outros produtos da floresta, além da agricultura de subsistência. O depoimento do Aluno 1, EFAC, indica a ocupação da maioria dos agroextrativistas do sul do Amapá “[...] minha família trabalha com mandioca, criação de porco, coleta de castanha (vende na cooperativa do Cajari), coleta de mel das abelhas que acha no pau, açaí, bacaba (predomina) vendida na Feira do agricultor”. Como este aluno, as famílias do sul desse estado fazem do agroextrativismo a alternativa para sua sobrevivência.

Para Rego (1999, p. 62-65), a junção destas atividades se denominaria de neoextrativismo enquanto,

[...] um conceito ligado à totalidade social, a todas as instâncias da vida social: a econômica, a política e a cultural. Na dimensão econômica, é um novo tipo de extrativismo, que promove um salto de qualidade pela incorporação de progresso técnico e envolve novas alternativas de extração de recursos associadas com cultivo, criação e beneficiamento da produção.

Esta nomenclatura, no entanto, não traz contribuições profícuas para a discussão. Quando se elabora teoricamente sobre o sentido da existência para esta população, dificilmente ocorre a divisão entre as instâncias sociais, pois elas estão sempre intrinsecamente inter-relacionadas. Pode-se afirmar que quanto à dimensão econômica, esta ainda não é significativa, devido principalmente à falta de uma política regional e local de apoio aos trabalhadores agroextrativistas.

3.2 O AGROEXTRATIVISMO FAMILIAR EM CONTEXTOS DE UNIDADES DE

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