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2 ESTADO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA

3.1 AGROEXTRATIVISMO FAMILIAR NOS TEMPOS COLÔNIAIS:

3.1.2 Os colonos

Os colonos chegaram à esta Colônia portuguêsa, com financiamento garantido pela Coroa. Conseqüentemente, cria-se o estabelecimento de uma relação de dependência econômica junto aos administradores que, à época, são aqueles que possuem o poder local. Este contexto talvez possa explicar a origem do sistema de aviamento tão presente nas relações de trabalho na Amazônia. Isso é visivelmente

demonstrado diante da responsabilidade do Estado português com a parte financeira do colono. De acordo com Ferreira (1998), o compromisso da Coroa dava-se via operacionalização de uma política de incentivos junto aos colonos para se deslocarem à nova vila de Mazagão, e assumindo para si os encargos relativos ao transporte dos mesmos e oferecimento de condições materiais (inclusive infra-estruturais).

A importância das vilas de Macapá e Mazagão é notória neste período histórico, seja em termos geopolíticos, seja pela organização da economia agroextrativista. Segundo Acevedo (1998, p. 53-91),

[...] a idéia de formar um celeiro agrícola no delta e na planície fluvial amazônica, como escreveu o Padre João Daniel, estava contida nos discursos das autoridades e orientou as políticas da segunda metade do século XVIII. A descrição volta-se para essa fase de expansão da agricultura inserida no projeto de colonização em Macapá. [...] Macapá e Mazagão inseriram-se de forma especial neste projeto. Nos anos 1752-54 chegaram imigrantes de Açores distribuídos em São Miguel do Guamá, Ourém, Tentugal e Bragança e ainda numa vila fundada no rio Xingu. Os “colonos açoiranos” fixaram-se em condições extremamente precárias que dificilmente lhes permitiriam enriquecer. Macapá e Mazagão forma diferentes na concepção e gestão. Diferença dada pela profunda militarização e pelo papel de colonos-soldados destinados a praças estratégicas. [...] Ante o aumento da tensão entre os colonos ou antevendo qualquer explosão de ânimo, Francisco Xavier de Mendonça Furtado deu instruções para conter os ‘novos moradores em paz’, mas também persuadi-los ao trabalho no cultivo das terras, antes de se instalar o ‘vício da preguiça’ ou o desprezo pelo trabalho manual.

Este relato explica porque esta região do estado do Amapá, Mazagão e Macapá, é a que possui maior número de trabalhadores agroextrativistas, e as condições de vida a que foram subjugados desde a chegada dos primeiros colonos contribuem para entender o abandono ao qual foram relegados até os dias atuais.

A vinda do colono inicialmente estava submetida a uma série de condições, mas este vinha com o objetivo de transformar-se em comerciante e com intuito empreendedor para futuros investimentos na Colônia. Desse modo, para Acevedo (1998, p. 58), o

[...] colono foi, pois, uma categoria administrativa, política e juridicamente importante, definida pelo Estado e reafirmada legalmente pela prática dos administradores. A transferência de parcela de colonos para o Grão-Pará foi patrocinado pela Companhia do Comércio, com definições de objetivos e

regras. [...] O modelo de relações sociais tecido entre os colonos e as instituições coloniais e, as vicissitudes que o marcaram são problemas centrais da agricultura camponesa.

A população cabocla, resultante da miscigenação da população índia com os negros e colonizadores europeus, reconstrói um modo de viver e produzir apropriando-se das práticas produtivas indígenas e dos colonos que vieram de outros países, dando origem a uma forma peculiar de ser e relacionar-se com o meio amazônico.

E será a exploração e comercialização dos recursos naturais, a partir da vinda dos europeus que facilitarão a entrada da Amazônia no mercado capitalista, o que se inicia com o “ciclo” das Drogas do Sertão. É a partir deste processo que começa a devastação e a apropriação de modo arbitrário dos recursos naturais dessa região. Cardoso e Muller (1978, p. 21) referem-se à ocorrência deste processo:

[...] durante o século XVII e XVIII, quando os portugueses à partir de Recife e Salvador se deslocam para a região, com a finalidade de afastar os concorrentes ingleses, holandeses e franceses que se apoderavam das drogas do sertão (canela, cravo anil, cacau, raízes aromáticas, sementes oleaginosas, madeiras, salsaparrilha, etc). Desse movimento de defesa surgem São Luís do Maranhão, Belém do Pará, Macapá no extremo norte e Manaus.

Desde então, se inicia o processo de exploração da Amazônia objetivando a inserção do Brasil no mercado internacional, sendo os produtos extrativos os bens valiosos para tal negociação.

Paralelo a este processo que se pautava na busca de um desenvolvimento nacional e não regional, milhões de árvores de seringueiras, castanheiras, balateiras, espécies animais etc, foram derrubadas de maneira irracional e ilimitada resultando em manejo negativo (SIMONIAN, 2004a, p. 3). Ao longo deste processo, os seringueiros e caboclos amazônicos tornaram-se aliados nesta busca, sem, no entanto, obterem os mesmos resultados lucrativos que os empresários extrativistas, governo e projetos tiveram.

As relações de trabalho na economia extrativista na Amazônia colonial eram pautadas no sistema de aviamento, como

[...] uma metamorfose do crédito capitalista [...] Nesse sistema, o capital na sua forma mercantil, penetra nos seringais como um volume de mercadorias, se transformando em uma forma específica de crédito, que caminhará por diversas cadeias de intermediação, até se defrontar com a força de trabalho, que será a única parte da cadeia, capaz de receber essa mercadoria, consumi- la e depois devolvê-la as cadeias de origem sob a forma de uma mercadoria de maior valor, que tem o poder de deixar em cada etapa dessas cadeias uma porção desse sobrevalor que aparecerá como juro ou outra forma de remuneração (FILOCREÃO, 1998, p. 57-59).

Este sistema foi imposto durante décadas aos trabalhadores agroextrativistas, principalmente devido à distância de suas residências e as dificuldades de transportes para se deslocarem. Isso criou uma dependência de agentes intermediários que se transformavam em patrões permanentes, fossem eles seringalistas, empresários, regatões, grandes comerciantes, dentre outros, o que era mediatizado através da troca de produtos extrativistas por gêneros de diferentes origens.

As idiossincrasias extrativistas foram construídas pelos agroextrativistas da Amazônia, em especial no estado do Amapá, considerando os legados das influências destacadas acima, indígenas, colonas e caboclas. As contribuições ainda permanecem até os dias atuais, detectadas na maneira de manejo com a atividade agrícola, assim como de coleta de produtos extrativos, criação de animais e até de comercialização dos produtos.

Por mais inacreditável que possa parecer, estes produtores tiveram a oportunidade de conviverem com outros modos de comercialização da sua mercadoria, que não a troca, pois, somente se iniciou no ano de 1986 quando foi criada pelo governo do estado a Feira do Agricultor3, que se realiza na capital, Macapá. Com a feira havia caminhões que apanhavam os produtores nas proximidades de suas residências, levando-os ao seu local de comercialização. Este evento deu a oportunidade a este

3

Para refletir a realidade local esta deveria ser denominada de Feira do Produtor, pois ali também são comercializadas produtos extrativistas e artesanais.

produtor rural de negociar sua produção diretamente com o consumidor e conseqüentemente, ter acesso ao dinheiro. Assim e no entender de Filocreão (1998, p. 165), “[...] permitiu-lhe um contato direto com agricultores de outras regiões e assim se manter informado sobre preços, sistemas de produção, direitos, etc.”, contribuindo o mesmo para o alcance de uma relativa autonomia.

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