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2 ESTADO E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA

4.4 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS E

Os preconceitos que se criaram sobre o movimento dos trabalhadores rurais, vistos como incapazes de pensar por si mesmos sobre as questões sociais, políticas e econômicas, existentes nos setores políticos, evidenciam-se quando se definem estratégias de fora para dentro dirigidas a este movimento social. No entanto, sabe-se que este movimento foi construindo suas bandeiras de luta e conquistando espaço no cenário nacional pelos seus próprios esforços. A Liga Camponesa surgiu na década de 1950, com o apoio do Partido Comunista do Brasil (PCB), como decorrência da situação de espoliação e expulsão da terra em que viviam os trabalhadores rurais na época. As formas de enfrentamento à política fundiária que priorizava as grandes fazendas de cana-de-açúcar, no Nordeste, ou de café, no Sul e Sudeste do país, ou dos grandes latifúndios do Norte, foram as mais variadas possíveis, e buscavam neste movimento um aliado para uma intervenção mais eficaz no combate à situação de opressão.

Os sindicatos rurais, antes mesmo de serem regulamentados legalmente, já existiam na vivência da luta diária dos agricultores. Nesse sentido, o governo apenas referendou algo legitimamente instituído. E esta parece ser a estratégia dos trabalhadores rurais, plantar as raízes, para depois conseguir o aval do poder público. Nesse sentido é que Martins (1982, p. 24) e Arroyo (2004) afirmam que a luta no campo é muito prática e pouco ideológica, na medida em que em comparação com os movimentos urbanos, os movimentos rurais são mais vinculados às preocupações com seus problemas cotidianos, numa visão quase localista.

Mas apesar desta participação política conquistada forçosamente, Martins (1989, p. 45) destaca que estes dois tipos de organizações, ligas camponesas e sindicatos, instituíram, a seu modo, uma tutela sobre os trabalhadores rurais, desempenhando em alguns momentos, funções semelhantes à da tutela do patrão em relação a seus dependentes. Tal postura decorre da influência de militantes de fora do mundo rural, que acreditam que conhecem mais dos que aqueles que vivem neste meio, e ás vezes apesar da boa intenção, resultam impedindo o movimento de avançar politicamente. A conquista de espaços a partir de seus próprios interesses foi iniciada pelos integrantes do movimento rural, tentando reverter este quadro.

A educação enquanto uma das prioridades deste movimento social traz a possibilidade de mudança na forma de viver e produzir destes atores sociais. A exigência da busca do direito de ser ruralista. Este movimento encontrou aliados históricos, como a Igreja Católica, de acordo com Martins (1989, p. 45), Demo (1996), Ricci (1999) e Iokoi (1996, p. 71), setores desta Igreja destacaram-se enquanto sustentáculo direto ou indireto dos conflitos e também legitimando a repressão, e por outro lado contribuíram para a modificação deste tipo de situação, facilitando as pessoas entender melhor a realidade brasileira a partir da opção pelos pobres. Nesse sentido a Igreja Católica contribuiu com esta parcela da população, seja prestando assessoria para a organização sindical, repassando informações legais sobre código civil referente ao direito de propriedade, auxiliando na aquisição de verbas para construção de escolas ou espaço físico.

Atualmente, estes movimentos sociais já conquistaram um certo nível de organização, formação e preparação política conseguindo dialogar diretamente com o poder público e exigir a garantia de seus direitos, mas sem, no entanto, perder a especificidade de sua educação. Isto poder ser ilustrado nos depoimentos da liderança 5:

[...] o nosso trabalho é em várias frentes. A educação é dever do Estado. Se o Estado não dá conta de fazer educação, ele tem que apoiar quem faz. E é aí que a gente se apóia e vai. A grande dificuldade é a comunidade não conhecer seus direitos, na hora que ela conhece seus direitos, se organiza e se mobiliza para ir, e ela consegue. O Brasil é um país que tem uma das maiores legislações na questão ambiental, social, mas, a comunidade, como cidadã, ela desconhece isso. Se fizesse o uso bem organizado disso ela conseguia, mas ela não conhece. O governo negou escola, informações para ela e uma série de coisas. Acredito que aqui no estado do Amapá, especificamente, essa é uma situação que é difícil acontecer pela estratégia que nós fomos desenvolvendo o estado, do ponto de vista de quem faz educação, no conselho de educação, na questão do judiciário. Essa escola todo mundo conhece, quem vem aqui defende. Nós temos uma estratégia muito forte nessa direção, e aí eu tenho segurança que, o projeto, esse risco ele não corre. Porque a educação é dever do estado. Se não dá conta de tá fazendo, tá pagando por isso. Essa é a situação. Tem discurso que diz que a comunidade se é escola-família, tem que produzir para se manter. Isso vai de encontro aos meus direitos que estão na constituição. Eu tenho que fazer isso, mas eu tenho que buscar os direitos, porque eu estou formando gente aqui. Então é discurso que eu já bati de frente aqui que tá furado, eu não tô passando para a comunidade o direito que ela tem de cidadania. Eu tenho que trabalhar o potencial, a comunidade tem que ajudar, tem que se manter, mas o estado não pode fugir da sua responsabilidade. Eu não posso passar para a comunidade que o estado não tem compromisso com isso.

Esta é uma visão pautada em uma concepção de consciência política com possibilidades de grandes retornos para o movimento social rural local, no sentido do fortalecimento deste, ao buscar enquadrar nas políticas educacionais do Estado uma política de educação dos movimentos sociais. Mas cabe ressaltar que um projeto desse porte só se mantém, se tiver o apoio da comunidade, das famílias atendidas, que o compreendendo toma para si, até porque a proposta da EFA não pode limitar-se ao repasse puro e simples de conhecimentos acumulados pela humanidade, mas

[...] esse projeto tem esse objetivo: levantar a questão fundiária, biodiversidade, questão agrícola, organização, religião, econômica, habitação. Porque isso tudo é a vida da comunidade. Eu nunca vi um programa de governo que enxergue isso, o governo nunca contempla a expectativa da comunidade. Então, não queremos montar um projeto aqui (no raio de ação das escolas) que dê conta da comunidade como nós temos que dar. Como enfrentamento nós temos que conquistar o governo municipal, federal, autarquias, enfim. A gente tem que se organizar para enfrentar esse negócio e, do ponto de vista do desenvolvimento, a pedagogia da alternância e os alunos têm consciência disso. Se você não tiver os alunos críticos, sabendo dos problemas da comunidade, ele não vai conseguir enfrentar. O nosso desafio é estar aperfeiçoando o que a gente tem. Porque a gente tem uma defesa muito grande das escolas. Porque se a gente não tiver a capacidade de enxergar, fazer uma leitura da conjuntura das escolas-familias, das conjunturas de governos, das conjunturas da vida das comunidades, a gente não vai conseguir traduzir para a comunidade a expectativa que ela tem das escolas-familias (Liderança 5).

E, por outro lado, deve-se ter muito cuidado para não correr o risco de perder a especificidade do caráter das EFA, pois o poder público, embora não interfira na proposta pedagógica, pode estar interferindo em outras esferas sem que o movimento se dê conta disso, tais como: dimensão organizativa das escolas, repasse de recursos. Outro aspecto é o risco que se corre no momento em que o Estado não se responsabilizar mais pela manutenção da escola, uma vez que estas no estado do Amapá são administradas em quase 90% com recursos do Governo do Estado, através de convênio fixado com as associações das famílias das EFA.

Em setembro de 2004, as escolas paralisaram as atividades, devido ao Governo do Estado não ter repassado recurso financeiro para três escolas, conforme informação da assessora pedagógica, resultando na paralisação das atividades de todas as escolas uma vez que:

A falta de repasse sufocou em cheio as escolas. Além de não poder pagar os monitores e demais fornecedores, faltou merenda e as escolas não tiveram condições de se manter. A Rede das Associações levou ao diálogo com o Governo do Estado. O prazo prometido pelo governo seria quarta-feira, porém mais uma vez ficou somente na promessa. Sem fôlego para continuar, as associações decidiram anunciar a paralisação das escolas (ESCOLAS. Folha do Amapá, 2004, p. 1).

Isto gerou um movimento de solidariedade por parte das demais escolas, com o rompimento das atividades das mesmas. Tal problema impôs ao movimento uma reflexão sobre esta questão da manutenção financeira da escola pelo governo estadual, possibilitando o estabelecimento de novos questionamentos e o pensar de novas formas de intervenções para buscar soluções para esta problemática.

A omissão do Estado na operacionalização de políticas públicas, como a educação, pode resultar em benefícios para o poder público sem que este se responsabilize pelos custos. Hébette (1994, p. 5), sobre a experiência do Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST) afirma que para os movimento sociais rurais

[...] não basta denunciar, pressionar, precisa ainda mostrar propostas elaboradas; na verdade se a gente refletir bem, é mais um ganho dos órgãos oficiais, do que do Movimento. São eles que condicionam o atendimento à apresentação de propostas ‘construtivas’, isto é, propostas que se enquadram nos critérios e quadros das políticas sociais.

Em geral são experiências com um grande ganho para o poder público que acaba se eximindo de arcar com as despesas, ficando apenas com os melhores resultados.

O poder público, ao assumir a responsabilidade pela educação, deve também respeitar as peculiaridades desta realidade, o que já foi destacado anteriormente, que em geral precisa ser garantido pelo movimento social em questão. Arroyo (2004, p. 14-15) defende uma política pública que parta dos diferentes sujeitos do campo do seu contexto, sua cultura e seus valores, sua maneira de ver e de se relacionar com o tempo, a terra, com o meio ambiente, seus modos de organizar a família, o trabalho. Fazer do povo do campo e dos seus processos de formação o ponto de partida para a formulação de políticas públicas educativas significa garantir o caráter popular dessas políticas e sua articulação com um projeto de país e de campo. Um projeto de país que precisa inserir um modelo de desenvolvimento para a população rural que vem sendo construído por estas populações, apropriado a cada região, estado, município e localidade.

É sabido que na Região Amazônica, assim como no Brasil, a maioria dos estabelecimentos rurais é composta por agricultores familiares. Tal realidade deve-se à própria relação desses pequenos produtores com a agricultura voltada para a subsistência. Martins (1983, p. 38-39) faz esse resgate destacando a forma como estes trabalhadores se relacionavam com a terra, seja como agregado, nas fazendas da cana- de-açúcar, como sitiantes ou posseiros, a situação era trabalhar nas grandes fazendas, realizar todas as etapas do plantio de culturas ou da preparação do pasto e em troca era lhe dado o direito de trabalhar para si na produção de gêneros alimentícios. Esta situação é que caracteriza os trabalhadores rurais brasileiros durante todo esse tempo como produtores de gêneros alimentícios de consumo interno - “lavoura de pobre”.

A valorização da agricultura familiar, enquanto política pública, ainda é incipiente se comparada com os incentivos fiscais e créditos dispensados às grandes empresas agropecuárias. Esta ausência de maior investimento talvez se deva à constatação de que a agricultura familiar não está preparada para uma relação de grande produção exigida pelo mercado. Para Velho (apud IOKOI, 1996, p. 105), discordando de Martins que considera que a unidade existente entre as várias lutas camponesas, do colono gaúcho, passando pelo posseiro maranhense, índio, está na resistência obstinada à expansão da propriedade capitalista da terra, a postura destes grupos (trabalhadores rurais) está circunscrita à relação capitalista constituída pela mediação do capital comercial e usuário, fazendo com que esses grupos se tornem “capitalisticamente sensíveis ao mercado”. O desejo do camponês de participar no mercado, como fornecedor de gêneros ou da própria terra, significa que ele não se encontra no campo de resistência contra o capitalismo.

O discurso sobre o desenvolvimento objetivando a implantação de teoria e práticas sustentáveis para o meio rural surge no estado do Amapá de forma mais evidente em 1995 com a criação do PDSA, que pelo seu caráter de promoção da sustentabilidade teve no trabalho das EFA um dos caminhos para o alcance do objetivo pleiteado, o que fica bastante visível nas falas dos diferentes depoimentos das lideranças

[...] tivemos apoio de pessoas que apoiaram a nossa filosofia, que hoje é o senador João Alberto Capiberibe, que foi secretário de agricultura e foi o primeiro nome que recorremos e aprovou a nossa lei, e de lá como prefeito, governo, multiplicou ajuda, infelizmente saiu, né? Teve que ir pra fora, mas com o compromisso sério com a rede das escolas famílias (Liderança 2).

A adoção do discurso de desenvolvimento sustentável passa a ser apropriado por vários tipos de movimentos sociais, governos e ONG, como forma de conseguir recursos dos países desenvolvidos. Ribeiro (2003, p. 47) afirma que neste

[...] contexto o Movimento pela sobrevivência da Transamazônica afirmava através de um discurso utilitário, porém, includente: ‘nós temos que, sem perder de vista este outro lado, aderir à questão da ecologia porque vamos ter

alguns recursos’, nesse sentido é que se introduz o discurso de sustentabilidade nos eixos prioritários do Projeto Global de Desenvolvimento da Transamazônica.

Ou seja, a opção pela busca de um desenvolvimento sustentável vem mais em função de obter recursos do que de realmente do desenvolvimento das práticas sustentáveis.

As evidências indicam, no caso das EFA no Amapá, que há um discurso colocado na fala das lideranças, mas que não há indicadores que garantam a existência de práticas sustentáveis, o que acontece são algumas situações isoladas mas ainda não compõe uma vitrine. As dificuldades para a implantação deste processo dependem de uma série de fatores, o que será abordado mais adiante.

4.5 MOVIMENTOS EM REDE: AS DINÂMICAS DE ARTICULAÇÃO,

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