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Comportamentos de cidadania docente

2. Os CIDOCE e seu impacto nos estudantes

O presente estudo, se outros factores positivos não possui, pelo menos tem o condão de fazer luz clarificadora sobre comportamentos docentes que os estudos no campo do ensino superior têm vindo a alcandorar à posição de sérios candidatos a factores de promoção da qualidade no ensino. Sobejam, pois, razões para se presumir que estamos em presença de episódios e categorias comportamentais docentes que podem demarcar, com alguma veemência, fronteiras entre distintos níveis de desempenho docente. Não pode olvidar-se o facto de os potenciais explicativos aqui identificados serem inferiores aos extraídos no domínio do ensino superior. Mas também não deve obnubilar-se que, mesmo assim, a variância explicada das cotações de desempenho docentes é substancial.

Este menor potencial explicativo convida os investigadores a procurarem um aprimoramento do construto no nível de ensino que foi alvo da presente investigação. É possível que outras dimensões comportamentais possam emergir como relevantes, ou que as constantes desta linha de investigação careçam de itens mensurativos peculiares – distintos dos usados no quadro do ensino superior. O facto de a fidedignidade relativa à quarta dimensão - comportamento participativo - ser ligeiramente inferior ao que habitualmente se recomenda (0.70) - Quadro 4.1 - reforça esta hipótese. Mais concretamente, e no que a esta matéria diz respeito, é possível que a cortesia no ensino secundário seja operacionalizada/transmitida mediante episódios comportamentais distintos dos que vigoram no ensino superior.

O exposto é lapidar na demonstração de que parece estarmos em presença de comportamentos de grande valia – seja do ponto de vista investigativo ou para afeitos de intervenção no terreno da docência tendo em vista obter incrementos na/da qualidade no ensino superior. Importa, todavia, proceder a uma análise crítica das investigações feitas – reflectindo sobre as limitações de que as mesmas enfermam e aventando sugestões de pesquisas futuras.

1. Não é possível extrair ilações concludentes acerca dos nexos de causalidade. Na verdade, é presumível que os comportamentos dos docentes influenciam a motivação, a auto-confiança e o desempenho dos estudantes – designadamente por via do exemplo de entrega, dedicação, rigor e empenhamento que lhes transmitem. Acresce que, apelando à participação dos estudantes e ilustrando as matérias com exemplos práticos, podem contribuir para fomentar o respectivo desenvolvimento e facilitar os processos de aprendizagem. Todavia, não pode descartar-se, ab initio, a verosimilhança da relação inversa: perante estudantes motivados, auto-confiantes e denotando elevados desempenhos, os professores são “desafiados”, motivados e conduzidos à adopção mais vincada de comportamentos de cidadania. Esta é uma matéria merecedora de aprofundamento empírico. Presumivelmente, ocorrem relações recíprocas, de um jeito aliás similar ao que a literatura sobre liderança nas organizações sugere (Rego, 1998; Yukl, 1998; Rego & Cunha, 2003): os líderes influenciam os seus seguidores, mas estes também influenciam aqueles. Um dos modos porventura mais apropriados de testar as relações de causalidade entre os CIDOCE e os impactos nos seus estudantes consiste em realizar estudos experimentais. Complementar ou alternativamente, podem efectuar-se estudos longitudinais. 2. Para a maior parte do terreno empírico explorado, cada inquirido foi convidado a

descrever os comportamentos dos docentes e, simultaneamente, a notar as influências dele recebidas. Sucede, porém, que a obtenção na mesma fonte, e simultaneamente, dos dados relativos às variáveis independentes (CIDOCE) e dependentes (impactos dos CIDOCE nos estudantes) pode conduzir a riscos de variância do método comum (Podsakoff & Organ, 1986), inflacionando as relações estatísticas – de um tal modo que estas podem resultar da via metodológica usada e não da real influência que os CIDOCE exercem sobre os

estudantes. Como nota de apoio ao evitar destes riscos, sugerem-se então três procedimentos metodológicos alternativos:

2.1 Os CIDOCE de cada docente são descritos por alguns inquiridos, ao passo que os impactos são reportados por outros, distintos daqueles. 2.2 Os dados sobre os CIDOCE e sobre os impactos são colhidos em

momentos temporais distintos.

2.3 Realização de estudos experimentais ou quasi-experimentais.

3. Os estudos não consideraram os tipos de disciplinas em causa. Todavia, e ilustrando, parece razoável supor que os comportamentos docentes mais relevantes para a leccionação de disciplinas como a Matemática ou a Informática não coincidam com os que mais relevam em disciplinas de História, Literatura, Línguas. Por conseguinte, estudos posteriores deverão colher sub-amostras diferenciadas nesta matéria e testar se as relações empíricas detectadas em cada uma delas se reproduzem, ou não, nas restantes.

4. A presente investigação debruçou-se especificamente sobre aulas téoricas e teórico-práticas. É plausível que comportamentos distintos dos aqui estudados sejam relevantes para aulas práticas e para as laboratoriais. Eis, por conseguinte, outra área merecedora de aprofundamento em estudos vindouros.

5. É exíguo o leque de variáveis dependentes estudado. Estudos posteriores poderão projectar-se sobre outras como a inserção na vida activa, o contributo dos indivíduos para a vida social e comunitária, o desempenho profissional, a auto-eficácia, a auto-estima, o empenhamento na actividade profissional.

6. É possível que as quatro categorias comportamentais investigadas não esgotem os comportamentos relevantes na actividade docente. Sugere-se, portanto, que outros investigadores escrutinem outras categorias e cotejem o respectivo potencial explicativo com o que tem vindo a ser gerado com as quatro categorias aqui contempladas.

7. Os estudos realizados decorreram, apenas, no plano das actividades pedagógicas. Recomenda-se que novos estudos sejam levados a cabo em planos como o das actividades administrativos e/ou de gestão. Importa, todavia, compreender os condicionamentos metodológicos advenientes. Na verdade, muitos

comportamentos de natureza científica e gestionária não poderão ser descritos (por ausência de possibilidades de observação!) pelos estudantes – pelo que será necessário recorrer a outras fontes descritivas. Note-se, por outro lado, que o desejo de, porventura, ver alguns comportamentos docentes serem descritos pelos professores (e não pelos alunos) esbarra com a impossibilidade prática de os professores observarem os comportamentos dos pares em sala de aula. Enunciando distintamente:

7.1 Se se pretende estudar os impactos motivacionais dos professores sobre os seus estudantes, então parece necessário estudar os comportamentos relacionais dos docentes com os alunos – já que os restantes (e.g., comportamentos de ajuda a um colega na redacção de um artigo científico) não se afiguram (tão) pertinentes.

7.2 Há sobejas razões para pensar que os descritores mais apropriados de tais comportamentos relacionais são os próprios alunos – que os observam e experimentam.

Cumpre, ainda, sugerir o potencial enriquecedor que poderia advir de estudar outras variáveis dependentes como a auto-eficácia dos estudantes, a sua auto-estima, o seu desenvolvimento em matéria criativa, o seu empenhamento nas tarefas académicas e no estudo, a capacidade de influência da escola na comunidade circundante, os níveis de participação cívica dos estudantes, a influência sobre os pais dos alunos e suas famílias. Estas menções reforçam, aliás, a noção já antes aflorada de que, neste nível de ensino, podem emergir como pertinentes alguns comportamentos docentes desprovidos de significado no ensino superior.

Este estudo reitera igualmente o panorama teórico e empírico que já havia sido detectado nas investigações realizadas no campo do ensino superior. Na verdade, os dados corroboram a ideia de que estamos em presença de quatro categorias comportamentais com vigoroso potencial promotor da qualidade no ensino. Por conseguinte, há renovadas razões para admitir que estamos em presença de episódios e categorias comportamentais que podem: (a) demarcar, com alguma veemência, fronteiras entre distintos níveis de desempenho dos professores; (b) influenciar marcadamente os níveis de motivação dos seus alunos. É incontestável que os poderes preditivos dos CIDOCE para os impactos sobre os estudantes são elevados.

Os dados expostos sugerem também o que as investigações no domínio do ensino superior já haviam aventado: as quatro categorias de CIDOCE representam elementos essenciais na excelência docente e ajudam a explicar tanto a motivação dos estudantes quanto o seu desempenho académico. Parece, por conseguinte, haver razões para colocar a actividade lectiva em sala de aula e o processo de relacionamento entre as duas partes do processo de ensino-aprendizagem no cerne das acções potencialmente promotoras da qualidade no/do ensino.

É igualmente possível que a lógica participativa e a orientação prática fomentem o desenvolvimento dos estudantes. Sendo convidados a participar no processo de leccionação e tendo acesso ao modo como os conhecimentos “teóricos” têm correspondência com a prática, é provável que desenvolvam mais facilmente os seus conhecimentos, as suas competências cognitivas, a sensibilidade para a compreensão do mundo que os rodeia.

Note-se ainda que, pelas suas actuações, os professores podem induzir incrementos na auto-eficácia, na auto-estima e na auto-confiança dos seus alunos. Ao transmitir elevadas expectativas de desempenho aos seus estudantes, podem desenvolver neles a propensão para maiores esforços e dedicação – fazendo jus ao efeito Pigmaleão, nos termos do qual a “profecia” (“os meus alunos são competentes e capazes”) se transforma em realidade (os alunos actuam de modo a corresponder às expectativas).