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Os conceitos de vida, experiência e crescimento em Dewey

CAPÍTULO 1 A FILOSOFIA PRAGMATISTA DE DEWEY E ALGUNS DE SEUS

1.2 OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA DE DEWEY

1.2.2 Os conceitos de vida, experiência e crescimento em Dewey

Para entender a base filosófica das ideias de Dewey é essencial, como já dito, apreender primeiramente alguns dos conceitos presentes em seu discurso. Nesse sentido entender os conceitos de experiência, vida e crescimento é um dos primeiros passos a serem trilhados.

O conceito de experiência talvez seja o mais desenvolvido pelo nosso autor. Pode-se até dizer que toda a sua filosofia se embasa em sua concepção de experiência14. É esta, a nosso ver, o ponto chave de toda a teoria deweyana. Para

14 Neste momento é preciso dizer que a concepção de experiência em Dewey se diferencia das

dos demais empiristas. Para a grande maioria deles o conceito de experiência estaria ligado às sensações e ao processo de tentativa e erro. John Locke (1632 —1704) um dos principais defensores da filosofia empirista dizia que a mente se constituía como um "quadro em branco" onde tudo poderia ser gravado a partir das sensações físicas. A experiência em Dewey se

ele:

A experiência consiste primariamente em relações ativas entre um ser humano e seu ambiente natural e social. Em alguns casos, a iniciativa parte do lado do ambiente; os esforços do ser humano sofrem certas frustrações e desvios. Em outros casos, o procedimento das coisas e pessoas do ambiente leva a desfecho favorável as tendências ativas do indivíduo, de modo que, afinal aquilo que o indivíduo sofre ou sente são consequências do que tentou produzir. (DEWEY, 1979b, p. 301)

Segundo Dewey, o homem se diferencia de outros animais por ter a capacidade de reter as experiências que se passaram. É através da memória que o ser humano é capaz de reviver o que já aconteceu, de reter, gravar e recordar as suas experiências. Algumas experiências, declara Dewey:

[...] contêm em si pouquíssima coisa além desse método de tentativas de erro e acerto, em outros casos as experiências vividas levam-nos a observar algo mais, analisarmos para vermos o que existe entre uma coisa e outra, de modo a ―ligar a causa ao efeito, a atividade e a consequência‖15.

Neste último caso, o valor da experiência é mais extenso, adquirindo uma maior qualidade. Este tipo de experiência pode proporcionar mudanças significativas. Dewey diz que esta pode ser considerada ―reflexiva‖, pois possui a capacidade de levar o ser humano a pensar sobre o que aconteceu. Ele chega a declarar que ―[...] o estágio inicial do ato de pensar é a experiência‖16. Para Dewey

existe um princípio de continuidade entre uma experiência e outra. Em

Liberalismo, Liberdade e Cultura (1970, p. 54-55) o autor afirma:

diferencia desse pensamento. Como disse, este é considerado pelo autor como resultante do movimento que ocorre a partir de um estágio inicial experiencial, podendo evoluir para a realização de atos de pensar caracterizados pela sua qualidade reflexiva, assunto desenvolvido nesse mesmo capítulo. Em seu livro Democracia e Educação (1979b, p. 297) ele declarou: ―No fundo do empirismo sensacionalista encontra-se uma psicologia completamente falsa do desenvolvimento mental. Experiência, em verdade, são as atividades instintivas e impulsivas em suas interações com as coisas. Até as ―experiências‖ de um infante não consistem em receber passivamente as impressões das qualidades de um objeto e sim nos efeitos que os atos de segurar, atirar, pisar, rasgar, etc., produzem num objeto e o efeito conseqüente desse objeto na direção de sua atividade. Fundamentalmente [...] a antiga noção da experiência como coisa prática é mais fiel à realidade dos fatos do que sua noção moderna como um modo de conhecer por meio de sensações. O esquecimento dos profundos elementos ativos e motores da experiência é um defeito fatal dessa filosofia empírica já, hoje tradicional. Nada é mais desinteressante e mecânico do que planos de lições de coisas que ignoram e desprezam, o mais possível, a propensão natural de aprender as qualidades das coisas por meio do emprego destas para se tentar fazer alguma coisa com elas‖. (Grifo do autor).

15 Ibidem, p. 158. 16 Ibidem, p. 168.

Dependemos sempre da experiência acumulada no passado, mas, como estão sempre a surgir novas forças e a aparecer novas necessidades, temos de reconstruir os moldes da experiência velha para que as novas forças operem e as novas necessidades sejam atendidas. O velho e o novo têm de estar sempre integrados um com o outro, de modo que os valores da experiência velha se tornem os servos e os instrumentos de novos desejos e de novos fins. [...]. Em sentido amplo, esse refazer o velho por meio de sua união com o novo é precisamente o processo inteligente, é justamente o que chamamos de inteligência. Consiste em converter a experiência passada em conhecimento e projetar esse conhecimento em ideias e propósitos que antecipam o que está por vir no futuro e indicam como realizar o que é desejado. Cada problema que surge, pessoal ou coletivo, simples ou complexo, somente será resolvido mediante a seleção de elementos contidos no conhecimento acumulado pela experiência passada, que, reelaborados, entram em jogo com os hábitos já formados. Conhecimentos e hábitos têm que ser modificados para atender às novas condições que surgiram.

Com o intuito de explicar melhor este principio de continuidade entre uma experiência anterior e uma experiência posterior, pode-se dizer que a experiência posterior modifica alguma coisa da primeira ou lhe acrescenta algo a mais, algo que na primeira experiência ainda não havia se mostrado. Isso não significa propriamente que a segunda experiência tenha mais valor, ou que aquilo que acrescentou ou modificou seja mais bem aproveitado pelo sujeito, mas é através deste princípio, desta conexão entre uma experiência e outra que segundo Dewey o sujeito consegue se desenvolver.

Mas o que pode ser experienciado? Quais os elementos que estão presentes em uma experiência? Para Dewey (1974, p. 163) ―[...] não é a experiência que é experienciada, e sim a natureza – pedras, plantas, animais, doenças, saúde, temperatura, eletricidade, e assim por diante‖. Existem vários elementos no universo, com diversas variedades cada um, e tudo isto de alguma forma se relaciona entre si, Teixeira (1959, p. 1) afirma que os corpos ―[...] agem uns sobre os outros, modificando-se reciprocamente. Esse agir sobre o outro corpo e sofrer de outro corpo uma reação é, em seus próprios termos, o que chamamos de experiência‖. Para Amaral (1990, p. 80) o conceito de experiência presente em Dewey ―[...] quer dizer livre intercâmbio entre os indivíduos e as condições do meio em que vivem‖.

Dewey critica os dualismos presentes na filosofia grega e em outras que se seguiram. O autor não entende mente e corpo como entidades separadas ou não concebe a teoria e prática como momentos separados. Para ele, estes elementos estão intimamente ligados um ao outro; a experiência e o pensamento são processos que se comunicam entre si.

Dewey (1979a, p. 27) afirma que por intermédio do pensamento ―[...] o homem aperfeiçoa, combina sinais artificiais para indicar-lhe, antecipadamente, consequências e, ao mesmo tempo, modos, de consegui-las ou evitá-las‖, todavia, continua ele, ―Ninguém é capaz de pensar em tudo, certamente, ninguém é capaz de pensar em alguma coisa, sem experiência e informação sobre ela‖, ou seja, precisamos da experiência para poder conduzir o pensamento, e precisamos do pensamento para conduzir as experiências subsequentes. Dessa forma, não existe nem a exaltação da ação (experiência) nem a do pensamento, mas uma combinação entre eles. Todavia é importante lembrar que nosso autor argumenta que é experimentando que ―[...] se prova o valor dos conhecimentos ou dados e das ideias, que em si mesmos eles são hipotéticos ou provisórios‖ (DEWEY, 1979b, p. 209). Para Moreira (2002, p. 161) ―A experiência pode ser entendida como uma ‗construção‘ de significados e relações referentes a uma dada situação‖. Ou seja, quando nos deparamos com algum fato novo e acabamos por lidar com esta nova mudança em nossa vida, estamos de certa forma adquirindo experiência a respeito desse novo fato. Segundo Dewey (1979b, p. 83) ―O aumento ou enriquecimento do sentido ou significação da experiência corresponde a mais aguda percepção das conexões e das continuidades existentes no que estivermos empreendendo‖.

Ao estudar as ideias de Dewey, Henning (2009c, p. 10) afirma que podemos observar três níveis em que as experiências ocorrem, sendo o físico, o da vida e o humano:

[...] em respeito aos planos em que ocorrem as experiências, a saber, no nível das coisas físicas; no segundo, o dos organismos vivos; e, por último, onde se dão as atividades típicas dos humanos, como por exemplo, o conhecimento e o pensamento, percebemos que: 1. Nos dois últimos planos, os corpos selecionam e se adaptam em função da conservação dos seus organismos, buscando encontrar maior equilíbrio na ação-reação que realizam na natureza. 2. Mas, é no plano verdadeiramente

humano que além de acontecer isso, encontramos um nível mais sofisticado de experienciar, uma vez que embora havendo aí o plano biológico e natural, há também o plano reflexivo e as possibilidades de se reconstruir as experiências.

Até o presente momento foi explicitado o pensamento de Dewey referente ao conceito de experiência, porém é preciso abordar outro conceito fortemente relacionado a este, o conceito de vida. De acordo com Dewey (1979b, p. 2) ―Vida subtende costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas, divertimentos e ocupações‖. Para ele, o organismo vivo até pode ser abatido por forças superiores, mas até o último instante este se esforça para continuar sua existência. A vida é um processo de renovação constante através da ação sobre o ambiente. E com o renovar da existência física, se renovam também ―[...] as crenças, ideais, esperanças, venturas, sofrimentos e hábitos‖ (DEWEY, 1979b, p. 4).

Viver, para Dewey, não significa apenas passar passivamente por esta existência, mas agir, proceder, participar sobre o meio no qual se está inserido. Dessa forma, ao vivermos, estamos adquirindo experiências de todos os tipos, e ao adquirirmos experiências, estamos vivendo. Mais do que isso, o filósofo acredita que ―[...] se o ser vivo, que está a adquirir experiência, participa intimamente das atividades do mundo a que pertence [...]. Ele não pode ser a contemplação ociosa de um espectador desinteressado‖ (DEWEY, 1979b, p. 374).

Como visto, não se pode separar a vida das experiências, nem tampouco separar estes dois elementos da aprendizagem. Teixeira (1959, p. 6) faz a seguinte afirmação sobre o assunto:

Ora, se a vida não é mais que um tecido de experiências de toda a sorte, se não podemos viver sem estar constantemente sofrendo e fazendo experiências, é que a vida é toda ela uma longa aprendizagem. Vida, experiência, aprendizagem – não se podem

separar. Simultaneamente vivemos, experimentamos e

aprendemos.

Neste ponto chegamos ao conceito de crescimento, visto que seu significado está unido a toda aprendizagem que é adquirida durante toda a vida. Este conceito explicita o princípio de continuidade, já citado anteriormente.

Quando temos uma primeira experiência, aprendemos algo com ela, depois temos uma segunda experiência que se vincula à primeira, mas esta segunda experiência nos acrescenta algo. Neste sentido, houve crescimento, houve desenvolvimento. Para Dewey (1971, p. 27) ―[...] crescimento, ou crescendo, no sentido de desenvolvimento, não apenas físico, mas intelectual e moralmente, é um exemplo do princípio de continuidade‖.

Crescimento ou desenvolvimento não é algo que deva ser um alvo fixo a ser alcançado. Podemos, constantemente, estar nos desenvolvendo ou como prefere Dewey ―crescendo‖. Amaral diz (1990, p. 49) que o crescimento em Dewey é ―[...] um acontecimento natural‖ assim como a vida e a morte. Crescer envolve uma série de atividades do ser humano, e envolve aprender com as próprias experiências.

Um ponto importante a se destacar com referência ao crescimento é o fato de que ―[...] um ser só pode se desenvolver em algum ponto ainda não desenvolvido‖ (DEWEY, 1979b, p. 44), ou seja, se eu já aprendi algo e neste sentido já houve crescimento neste setor, não há como se desenvolver mais neste caso específico, a não ser que ocorram mudanças ao longo do processo. Porém, com certeza, haverá muitos outros aspectos nos quais ainda existe a possibilidade de crescer (ou desenvolver). A imaturidade se refere a uma possibilidade de crescimento, a uma ―[...] capacidade e aptidão para desenvolver- se‖17.

Para Dewey, somos imaturos em muitos aspectos. A criança, por exemplo, é um ser imaturo com muitas capacidades a serem desenvolvidas. Quando ocorre crescimento em certos âmbitos, continuamos imaturos para alguns aspectos ainda não despertados. O autor diz que uma das primeiras condições para que ―[...] haja crescimento é que haja imaturidade‖18. Crescimento se refere a uma ―[...]

marcha cumulativa de ação para um resultado ulterior‖19. A cada experiência

vivida vamos acumulando maiores informações a respeito do mundo no qual estamos inseridos e de nossa própria natureza, e consequentemente, vamos aos poucos, nos desenvolvendo.

Nesta linha de pensamento também é possível dizer que uma pessoa se

17 Ibidem, p. 45. 18 Ibidem, p. 44. 19 Ibidem, p. 44.

modifica ao longo de sua vida à medida que vai tendo suas experiências. Segundo o próprio Dewey20 ―Onde há crescimento, há movimento, mudança,

processo; e, também, uma organização das mudanças em um ciclo. A mudança desperta o pensamento; a coordenação o organiza‖.

Não esgotamos até aqui as abordagens feitas por Dewey referentes a estes três conceitos, mas tivemos por intenção dar ao leitor uma breve, mas fundamental explicação do que vêm a ser experiência, vida e crescimento, os quais, em nosso entendimento, são de suma importância para a compreensão da educação proposta pelo autor. É o que abordaremos adiante.

1.2.3 Aspectos antropológicos em Dewey: visão de criança, homem,