• Nenhum resultado encontrado

Os conhecimentos tradicionais e as disposições da MP n° 2.186-16/

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 (páginas 92-95)

Capítulo 5. Conhecimentos tradicionais e os regimes jurídicos de proteção

5.2. Os conhecimentos tradicionais e as disposições da MP n° 2.186-16/

Os povos indígenas e populações tradicionais desenvolvem conhecimentos tradicionais que podem estar associados ou não a biodiversidade. No primeiro caso, esses conhecimentos são as práticas individuais ou coletivas dessas populações que possuem valor real ou potencial ao associado à biodiversidade. Já no segundo caso, esses conhecimentos podem ser criações artísticas, literárias, lendas, contos, danças, entre outros.

Atualmente, os pontos mais controvertidos e polêmicos para o sistema jurídico se referem aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, em razão da possibilidade que eles têm de gerar riqueza, especialmente para as indústrias que fazem bioprospecção de recursos genéticos para o desenvolvimento de produtos, como medicamentos e cosméticos.

De acordo com Eliane Moreira:

O conhecimento tradicional ressalta em interesse aos grandes laboratórios em face de dois dados principais: a) a certeza da aplicabilidade eficaz da técnica, posto que testada anos a fio, dentro das populações; b) a redução

de pelo menos metade do tempo de estudo e pesquisa, o que em dólares perfaz alguns milhões. 100

Na legislação nacional, os conhecimentos tradicionais que não se referem à biodiversidade devem ser tutelados pelos instrumentos próprios para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, que são o Registro e o Inventário Nacional de Referências Culturais, que já foram objeto de estudo em capítulo anterior.

Em se tratando de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, a proteção destes se dá nos termos da CDB (ratificada pelo Brasil) e da MP n° 2.186- 16/2001, que disciplinou, dentre outras matérias, o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados.

A Convenção sobre Diversidade Biológica não conceituou o que são os conhecimentos tradicionais associados, por sua vez a MP n° 2.186-16/2001, no art. 7°, inciso II trouxe a seguinte definição:

II - conhecimento tradicional associado: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético;

A citada MP veio regulamentar a nível nacional o inciso II do § 1o e o § 4o do

art. 225 da CF, bem como os artigos 1o, 8o, alínea "j", 10, alínea "c", 15 e 16, alíneas

3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Apesar de constar na MP que o conhecimento tradicional pode ser uma prática individual, a titularidade desse conhecimento pertence à comunidade no qual ele foi gerado e desenvolvido, é uma titularidade coletiva, de modo que a autorização para o acesso dever ser dada com o respaldo do grupo. O objetivo foi incluir na proteção aqueles conhecimentos que não são compartilhados por todos os membros da comunidade, em razão de serem detidos por apenas um indivíduo (por exemplo: o pajé) ou por apenas alguns indivíduos, mas que se referem à toda coletividade e nela estão inseridos. Isso constou expressamente no § único do art. 9°: “Para efeito desta Medida Provisória, qualquer conhecimento tradicional

100 MOREIRA, Eliane Cristina Pinto. A tutela jurídica da biodiversidade: uso e proteção dos recursos genéticos brasileiros e do conhecimento tradicioanl a luz do direito ambiental. Dissertação de

associado ao patrimônio genético poderá ser de titularidade da comunidade, ainda que apenas um indivíduo, membro dessa comunidade, detenha esse conhecimento.”

Do ponto de vista antropológico, parte da discussão está justamente em identificar os titulares dos conhecimentos tradicionais dentro de um grupo ou comunidade. Afinal, os conhecimentos tradicionais nem sempre são acessados e compartilhados por todos os componentes, pois podem ter sido desenvolvidos e aprimorados apenas por parte de seus integrantes. Para ilustrar, os conhecimentos secretos detidos pelo pajé, também os conhecimentos detidos pelas mulheres referentes aos métodos anticoncepcionais ou outras práticas relacionadas com o feminino. Contudo, entendemos que essa discussão tem pouca relevância do ponto de vista jurídico justamente pelo dispositivo acima citado, que confere à toda comunidade a titularidade desse conhecimento, trata-se de um modo de proteger e beneficiar todo o grupo.

Na doutrina ambiental nacional, Edis Milaré, baseado em obras estrangeiras, define conhecimentos tradicionais associados como:

um conjunto de conhecimentos construídos por um grupo de pessoas através de gerações que viveram em contacto estreito com a natureza. Isso inclui um sistema de classificação, uma série de observações empíricas sobre o meio ambiente local e um sistema de auto-gerenciamento que administra o uso de recursos101.

Apesar das inúmeras críticas que a MP n° 2.186-16/2001 tem recebido, este documento normatizou algumas das diretrizes constantes na CDB para o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Ela dispôs sobre a obrigatoriedade das comunidades locais consentirem com o acesso; a repartição justa e equitativa dos benefícios, a qual deverá ser feita mediante Contrato de Acesso, Uso e Repartição de Benefícios; criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para aprovar e fiscalizar tais contratos.

101

Ademais, a citada MP também garantiu alguns direitos às comunidades locais e indígenas que criam, desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, os quais constam no art. 9°:

I - ter indicada a origem do acesso ao conhecimento tradicional em todas as publicações, utilizações, explorações e divulgações;

II - impedir terceiros não autorizados de:

a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração, relacionados ao conhecimento tradicional associado;

b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ou constituem conhecimento tradicional associado;

III - perceber benefícios pela exploração econômica por terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimento tradicional associado, cujos direitos são de sua titularidade, nos termos desta Medida Provisória.

Contudo, a MP n° 2.186-16/2001 não tratou da proteção à propriedade intelectual dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade. Aliás, consta inclusive no § 4° do art. 8° que: “§ 4o. A proteção ora instituída não afetará, prejudicará ou limitará direitos relativos à propriedade intelectual”. Isto é, o objetivo deste dispositivo foi deixar claro que nenhuma alteração estava sendo feita no sistema jurídico de proteção à propriedade intelectual.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 (páginas 92-95)