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Os constructos sobre gênero e sobre sexo na homoafetividade

3. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO GÊNERO E INTERACIONISMO SIMBÓLICO NA CARREIRA DUAL

3.2. Os constructos sobre gênero e sobre sexo na homoafetividade

O estudo sobre as categorias ou identidades sociossexuais vem sendo tematizado desde o final da década de 70 no Brasil. Fry (1982), estudioso da sexualidade masculina brasileira, considera a limitação do constructo sexualidade, concebida por meio de conceitos e categorias construídas historicamente.

Para sistematizar esse constructo, Fry (1982) considera quatro componentes básicos que possibilitam a construção das identidades sexuais-afetivas: o sexo fisiológico, o papel de gênero, o comportamento sexual e a orientação sexual.

O primeiro componente refere-se ao sexo fisiológico, por meio do qual, homens e mulheres se distinguem em machos e fêmeas. Tais atributos não variam de um sistema cultural para outro. O segundo elemento diz respeito ao papel de gênero. O comportamento, os traços de personalidade e as expectativas sociais são associados ao papel masculino ou feminino. A natureza de tais papéis é definida culturalmente sem referência ao sexo biológico, de tal modo que é possível que um macho adote um papel feminino e vice-versa. O terceiro componente refere-se ao comportamento sexual esperado de uma pessoa de determinado sexo fisiológico associado à expectativa de papel ativo ou passivo na relação com o parceiro. O quarto item considera a orientação sexual do indivíduo ao objeto de desejo, podendo orientar-se homo, hetero ou bissexualmente.

Analisando as associações entre os quatro componentes, é possível considerar alguns sistemas taxonômicos para a compreensão desse fenômeno.

Um desses modelos descreve a hierarquia de gênero, fundamentada na oposição dos papéis de masculinidade e feminilidade e dos comportamentos sexuais de atividade e passividade. O homem pertence ao grupo dos indivíduos do sexo masculino com suposto comportamento sexual ativo, assim como a mulher compõe o grupo feminino com comportamento passivo. A troca desses papéis de gênero e comportamentos sexuais possibilita visualizar uma categoria homoafetiva (CARRARA; SIMÕES, 2007).

Outro modelo aborda a associação entre outros dois componentes: o papel de gênero (masculino e feminino) e a orientação sexual (homo, hetero e bissexual). Essa associação possibilita a configuração de outras categorias homoafetivas, como por exemplo, o homossexual com papel masculino ou feminino (CARRARA; SIMÕES, 2007). Contudo, esse modelo considera aspectos estigmatizantes e patológicos na relação homoafetiva.

A terceira configuração mantém a oposição entre orientação sexual e gênero, apoiada no dualismo hetero e homossexual, mas contesta o estigma de anormalidade, constituindo-se em um modelo mais igualitário. Segundo Fry (1982), esse modelo não só está disseminado na

sociedade brasileira, como também é um elemento importante na própria construção cultural da identidade de classes.

3.2.1. Homoafetividade, Teoria “Queer” e gênero

O grupo homoafetivo abrange subconjuntos representados pelas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e intersexs, designados pela sigla atual de LGBTTI.

A comunidade LGBTTI tem adotado a palavra queer com o intuito de ser ressignificada enquanto grupo. Segundo Miskolci e Simões (2007), os estudos apontam diversas definições sobre a teoria queer e sugerem que a melhor nomenclatura é política queer. O termo queer não apresenta um único significado na tradução inglesa, podendo ser traduzido como esquisito, excêntrico ou anormal, como também por uma série de expressões conotando desonra, perversão, degeneração e pecado. O termo também designa alguém ou algo desestabilizador, num sentido mais amplo. Queer representa a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada.

Os estudos queer buscam modificar a linha do debate da homossexualidade para questões relacionadas à operação do binarismo hetero/homossexual, sublinhando sua centralidade como princípio organizacional da vida social contemporânea e enfocando uma política do conhecimento e da diferença. É um estudo “daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam a ‘sociedade’ como um todo, sexualizando – heterossexualizando ou homossexualizando – corpos, desejos atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura e instituições sociais” (SEIDMAN, 1996, p.13).

Esses estudos se diferenciam dos estudos de gênero, pois são marcados pelo pressuposto heterossexista da aproximação entre sexo, gênero, desejo e práticas, comprometidos com o foco nas minorias sexuais e nos interesses políticos a elas associados. Cada linha de estudo considera que os binarismos (masculino/feminino, heterossexual/homossexual) devem ser desconstruídos criticamente.

Queer desafiaria, assim, o próprio regime da sexualidade, ou seja, os conhecimentos que constroem os sujeitos como sexuados e marcados pelo gênero, e que assumem a heterossexualidade ou a homossexualidade como categorias que definiriam a verdade sobre eles. De modo geral, o sistema moderno da sexualidade é encarado, da perspectiva queer, como um conjunto de saberes e práticas que estrutura a vida institucional e cultural de nosso tempo. Daí a ênfase dessa teoria na análise dos discursos produtores de saberes sexuais que organizam a vida social suprimindo diferenças (MISKOLCI; SIMÕES, 2007, p.11).

Segundo Miskolci e Simões (2007), até o momento no Brasil, não se institucionalizou uma área de estudos gays e lésbicos, nem uma linha de teoria e pesquisa que poderia ser denominada de queer, como nos EUA e em outros países. Os estudos queer norte-americanos enfatizam o discurso e a desconstrução, visando aproximar-se mais de uma sociologia capaz de analisar a dinâmica da transformação social sob uma nova perspectiva (SEIDMAN, 1993; GAMSON, 2006).

Os estudos sobre gênero e sobre sexo identificam diferentes formas de conceber a homoafetividade, considerando alguns critérios:

 os papéis masculino e feminino;

 os comportamentos sexuais: atividade e passividade;  a orientação sexual: homo, hetero e bissexual.

Segundo Miskolci e Simões (2007), mostra-se importante suprimir diferenças e evitar o binomismo entre masculino e feminino, bem como entre hetero e homossexual. Com a finalidade de enriquecer esse diálogo sobre gênero, o modelo teórico intitulado Interacionismo Simbólico aborda os aspectos relacionados aos papéis que cada um assume na interação em um encontro social. Partindo da premissa de que o casamento constitui-se em um encontro social em que cada qual pode apresentar papéis de gênero concebidos socialmente como masculino e como feminino, a perspectiva da interação simbólica descreve elementos que podem auxiliar na construção do significado do papel de cada um dos cônjuges na carreira dual. A subseção a seguir abrange tais elementos.