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OS CRITÉRIOS FIXADORES DO CONCEITO DE ATO ABUSIVO

No documento A autonomia do abuso do direito (páginas 93-96)

4 A CARACTERIZAÇÃO DO ABUSO DO DIREITO

4.4 OS CRITÉRIOS FIXADORES DO CONCEITO DE ATO ABUSIVO

O abuso do direito pretende assegurar que o exercício do direito respeite o seu espírito, conciliando o preceito normativo com o ideal de justiça.

Alvino Lima lembra que os doutrinadores, responsáveis pela construção da teoria, estabeleceram diversos critérios fixadores do abuso do direito, o que gerou ambiguidades.205

O autor discorre acerca do pensamento dos doutrinadores, incluindo também aqueles que foram contrários à consagração do abuso do direito, como laniol, ipert e Esmein, que, no entanto, aceitavam o critério “intenção de lesar” para a caracterização do ato abusivo, enquadrando, porém, o abuso no capítulo da responsabilidade civil.

Apesar de toda a divergência,206 o primeiro critério fixador do conceito do ato abusivo foi a intenção de lesar, critério que foi ultrapassado pelo

204

LIMA, Alvino. Abuso de Direito, p. 26.

205

LIMA, Alvino. Abuso de Direito, p. 32-42: apresenta um resumo da evolução do pensamento dos doutrinadores acerca dos critérios fixadores do conceito de abuso do direito.

206

LIMA, Alvino. Abuso de Direito, p. 32: cita Etienne Bartin, para quem a teoria confundia moral e direito, além de converter os juízes em censores.

“exercício anormal do direito”, como aquele que fosse contrário à destinação social ou econômica do direito subjetivo. Neste ponto, surge a doutrina de Saleilles, que referia o fim social do direito como um seu corretivo e com uma concepção finalística, embora ainda subjetiva.

As discussões travadas prosseguiam, sendo que doutrinadores como Planiol, Ripert e Esmein, negando a existência de uma doutrina autônoma do abuso do direito, e lançando críticas que alcançavam a própria denominação do instituto, aceitam as consequências jurídicas provenientes da “intenção de lesar”, como expressão da culpa intencional, o que confina o instituto à uma mera aplicação da responsabilidade civil.

Questionava-se se seria indispensável que a “intenção de lesar” fosse o único e determinante motivo para a prática do ato ou se ainda seria considerado como abusivo, aquele ato para o qual concorresse, além da “intenção de lesar”, um outro que fosse considerado um motivo legítimo de interesse do titular. A divergência doutrinária não cessou: de um lado207 estão os que exigem que a intenção de prejudicar seja o único motivo do agente e, de outro lado,208 encontravam-se os que entendiam que, acaso presente outro motivo que fosse considerado legítimo, além da “intenção de prejudicar”, não estaria caracterizado o ato abusivo.

A posição acima foi ultrapassada, concluindo-se que outros motivos poderiam se posicionar ao lado da intenção de prejudicar, e tal não afastaria a caracterização do ato como abusivo. Note-se, porém, que a intenção de prejudicar deve ser o motivo determinante e fundador do ato.

Alvino Lima menciona o critério objetivo do “equilíbrio dos interesses”, verificando-se o dano em face da sua utilidade ao titular.

Josserand, após analisar os critérios, aponta o verdadeiro critério do abuso do direito: o desvio do direito da sua função social. Este seria o critério finalista e funcional.

Segundo este critério, deve-se ter em conta a finalidade de cada direito; a função específica e própria. Cada direito possui uma função a

207

São citados por Alvino Lima: Bonnecase, Pierre de Harven, Demogue. (LIMA, Alvino. Abuso de Direito, p. 33).

208

Igualmente citados por Alvino Lima: Irmãos Mazeaud, Josserand e Ripert. (LIMA, Alvino. Abuso de Direito, 1956, p. 34).

desempenhar. O ato abusivo é aquele que é contrário ao espírito, à função, ao fim do direito.

Assim, fica introduzido o “motivo legítimo”: o ato será considerado normal ou abusivo, seja ele guiado ou não por um motivo legítimo.209

Esta posição de Josserand, finalista,210 partiu da concepção sobre direito subjetivo traçada por Jhering,211 que o entendia como sendo um interesse juridicamente protegido.

Na opinião do autor francês, todas as prerrogativas possuíam uma roupagem social e uma missão a cumprir, devendo atender ao espírito da instituição na sua realização. A abusividade restaria configurada ao se desviar deste espírito e dessa função social.

Esta teoria, no entanto, se perde, tendo em conta que o seu lado objetivo é dependente de um critério supralegal de conteúdo variável – o espírito do direito.

Seguem-se os critérios objetivistas, encontrando-se o “axiologismo- normativo” de Castanheira Neves e Cunha de Sá, para quem o fundamento axiológico do direito é o seu próprio e preciso limite.

O critério apresenta um limite material para o direito que deve ser observado ao lado da estrutura formal do mesmo.

Cunha de Sá aponta para o critério na busca pela determinação do abuso do direito: haverá o abuso sempre que se colocar a estrutura do direito subjetivo a serviço de um valor distinto daquele que que lhe fundamenta, ou seja, “[n]esta aparência da estrutura que finge objectivamente o direito é que está, afinal, o abuso do direito.”212

Menezes Cordeiro apresenta a sua crítica que se prende não tanto a localização do fim social ou do valor, porque ambos geram o abuso, mas sim no fato de que é preciso, para determinar o abuso, o exame de cada direito

209

LIMA, Alvino. Abuso de Direito, p. 37: após expor a diversidade de critérios, questiona se se deve optar para solucionar os casos concretos por apenas um ou se não se deve combinar critérios de acordo com o caso concreto. Na opinião do autor, todos os critérios devem ser postos em favor da solução do problema.

210

NEVES, Castanheira. Questão-de-facto-questão-de-direito, p. 523: o autor via neste finalismo de Josserand um cunho sociológico que colocava o direito a serviço de intenções metajurídicas ou ideológicas econômicas ou políticas.

211

MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé, p. 863.

212

subjetivo em cada caso concreto. Segundo o autor, a autonomia do abuso existe quanto ao próprio direito subjetivo.213

Parece-nos que, se todos os direitos possuem finalidade social, a manifesta desproporção entre o interesse perseguido pelo titular do direito e aquele que é titulado pelo lesado, ou ainda, entre as vantagens do agente e os prejuízos do lesado, é o critério para caracterizar o abuso.

No documento A autonomia do abuso do direito (páginas 93-96)