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OS LIMITES ELEITOS PELO LEGISLADOR BRASILEIRO EM

No documento A autonomia do abuso do direito (páginas 50-52)

3 O INSTITUTO DO ABUSO NO ATUAL DIREITO BRASILEIRO

3.2 OS LIMITES ELEITOS PELO LEGISLADOR BRASILEIRO EM

tratamento necessário a sua recuperação, deve-se reconhecer o direito do autor ao ressarcimento dos danos morais.

Embora o Tribunal tenha afirmado a ocorrência de abuso do direito, a violação praticada pela empresa de assistência à saúde foi diretamente ao texto legal que determina a necessidade de prévio aviso quando da suspensão de atendimento ou de cobertura assistencial, bem como para a rescisão por inadimplemento contratual por parte do segurado. Assim, no nosso entendimento, trata-se de ato ilícito, puramente, porque a violação ocorreu ao texto da lei e não a qualquer fundamento axiológico.

Mais um exemplo está contido no julgamento do Recurso Especial nº 1.631.329, oriundo do Rio de Janeiro, no qual os julgadores afirmaram inexistir abuso ou ato ilícito na veiculação desautorizada de imagem de uma atriz que fora brutalmente assassinada no ano de 1992, diante da relevância nacional da reportagem, na qual a imagem da mesma foi veiculada. O Tribunal concluiu que a ausência de autorização para a divulgação da imagem, naquela conjuntura fática que ficou provada no processo, não importava em ato ilícito passível de indenização.

Não há dúvida de que o instituto do abuso do direito vem sendo construído ao longo dos anos, após a promulgação do Código Civil de 2002. Igualmente percebe-se o esforço dos julgadores no sentido de relacionar as mais diversas condutas humanas às balizas constantes do artigo 187 do Código Civil. Os acórdãos antes referidos demonstram que o instituto vem sendo usado pelos Tribunais. No entanto, percebe-se, ainda, alguma hesitação, verificam-se alusões que ainda são vagas e que não colaboram para a concretização do conceito de abuso do direito. Por isso, importante a lição de Menezes Cordeiro que nos diz que o abuso é remédio para que se garanta a supremacia do sistema jurídico e da ciência do direito sobre “os infort nios do legislador e sobre as habilidades das partes.”.63

3.2 OS LIMITES ELEITOS PELO LEGISLADOR BRASILEIRO EM 2002

63

MENEZES CORDEIRO, António. Boa fé, abuso do direito e materialidade do sistema: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 16 de Maio 2006. In: O

No Brasil, o abuso do direito também é fruto de uma construção jurisprudencial e doutrinária. Como bem apontado por Heloísa Carpena, o tema não recebeu do legislador pátrio a mesma acolhida que teve em outros países, como na Alemanha, e chegou de forma tímida.64

Na vigência do Código Civil de 1916, alcançava-se o abuso do direito através de uma interpretação à contrario sensu do artigo 160, inciso I, que dispunha: “Não constituem ato ilícito [...] os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.”65

Da leitura e interpretação do mencionado artigo legal, extraiu-se o entendimento de que o exercício irregular ou abusivo era tido como ilícito e geraria o dever de indenizar.

Este entendimento aproximou os atos: abusivo e ilícito, reduzindo àquele ao campo da responsabilidade civil e impondo a presença do elemento culpa para a sua caracterização.

A professora Heloísa Carpena ensina que, embora esteja a teoria do ato abusivo assente em bases objetivas, o mesmo se situa no plano da ilicitude e não no plano ético.66

A interpretação da norma não concedia outra saída ao intérprete que não a de que aquele que atuava de forma irregular ou anormal e abusiva atuava de forma ilícita.

A teoria, no Brasil, cairia assim na “obscuridade”, o que se afirma pela reduzida produção científica e jurisprudencial acerca do tema.67

O instituto do abuso do direito lança luz sobre o conceito do direito subjetivo. Para a compreensão do ato abusivo, impõe-se analisar o desenvolvimento e as alterações sofridas pelo direito subjetivo, porque o abuso está intimamente ligado à relatividade do mesmo. Acresce a incidência

64

CARPENA, Heloísa. Abuso do Direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 37.

65

MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito, p. 92: para o autor, foi uma inovação no sistema jurídico brasileiro que até então não contava com qualquer vestígio da teoria.

66

CARPENA, Heloísa. Abuso do Direito nos contratos, p. 38.

67

CARPENA, Heloísa. Abuso do Direito nos contratos, p. 38-39; AMERICANO, Jorge.

Do abuso do direito no exercício da demanda. 2. ed. São Paulo: Casa Vanorden, 1923,

de valores e princípios constitucionais que no sistema jurídico brasileiro delimitam o exercício dos direitos.

O Código Civil brasileiro de 2002 adotou o critério interno e estrutural para identificar o ato abusivo, levando em consideração o valor que é imanente a cada direito, apurando a sua ocorrência através do confronto entre o ato do exercício e o seu sentido.

É no artigo 187 do Código Civil68 brasileiro que se encontra o fundamento dos limites ao exercício de um direito: a boa-fé, a função social e os bons costumes atuam para corrigir e limitar as condutas humanas.

A adoção do critério interno e estrutural para a averiguação da ocorrência de abuso, leva em conta o fundamento axiológico69 de cada direito ou prerrogativa individual que, uma vez violado, abre as portas para que o sujeito entre na área da antijuridicidade.

O exercício inadmissível de posições jurídicas, na expressão de Menezes Cordeiro, é o abuso do direito materializado. O fundamento para a limitação dos direitos subjetivos e outras prerrogativas é o respeito ao direito do outro, bem como aos princípios que informam o sistema jurídico.

De acordo com o artigo 187 da lei civil brasileira, cada direito possui um espírito que deve ser respeitado pelo seu titular. O critério para a identificação do abuso que, como visto, é interno e estrutural demonstrar-se-á no desvio do direito de sua finalidade ou função social.70

A concepção adotada pelo artigo 187 do Código Civil brasileiro é objetiva, ou seja, para a caracterização do abuso do direito o sujeito não precisa ter a consciência acerca da abusividade no seu atuar.

Uma vez que sejam ultrapassados os limites insculpidos na norma legal, quais sejam a boa-fé, os bons costumes e os fins econômicos e sociais do direito surge o abuso do direito.71

68 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

No documento A autonomia do abuso do direito (páginas 50-52)