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Os desafios da descentralização e capacidade estatal no contexto do

Programa Dinheiro Direto na

Escola (PDDE)

Cinara Lobo David Lustosa Adalberto Domingos da Paz

1 Apresentação

Desde os anos 1980, as políticas públicas, principalmente na área de saúde e educação, foram descentralizadas como estratégia para aumentar a participação da sociedade civil na formulação e no controle dos recursos repassados. Participação era o remédio para diferentes males que acometiam a administração pública: burocracia, lentidão para prover serviços públicos, distância das demandas locais e corrupção. Também contribuiria com o processo pedagógico de educar o indivíduo para o exercício da cidadania, incentivando-o a integrar ou organizar entidades civis e interferir diretamente na definição das prioridades no uso dos recursos públicos, além de acompanhar a execução.

Nos anos 1990, o movimento de descentralização e participação ganhou novos contornos com o agravamento da crise fiscal do Estado. A escassez de recursos e as crescentes demandas na área social levaram a buscar formas de gestão das políticas públicas que reduzissem custos operacionais, ao mesmo tempo em que aumentassem a eficiência, eficácia e efetividade da ação estatal. Novamente, reforçou-se a associação entre participação e descentralização.

No contexto das políticas educacionais, o processo de conferir maior responsabilidade às instâncias locais, na gestão e controle das políticas

públicas, ultrapassou o nível do município e alcançou os estabelecimentos de ensino (Noma, 2011). Representadas por suas entidades, as escolas envolveram-se diretamente na gestão e execução dos recursos públicos.

Nessa perspectiva de descentralização, em 1995 foi criado, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação –,o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE) com a finalidade de prestar assistência financeira aos estabelecimentos públicos de ensino fundamental e às escolas privadas de educação especial, mantidas por entidades filantrópicas, com vistas a concorrer para a manutenção do funcionamento e melhoria nas infraestruturas físicas e pedagógicas das escolas (Dourado, 2007).

Em 14 de dezembro de 1998, mediante a edição da Medida Provisória nº 1.784/1998, o Governo Federal institucionaliza a política de descentralização de recursos para a escola, alterando a denominação do então PMDE para Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).

A proposta foi justificada pela necessidade de adotar medidas racionalizadoras e menos burocráticas, que possibilitassem que os recursos chegassem diretamente às escolas, agilizando os processos de transferência e fortalecendo a autonomia e a autogestão das escolas públicas (Brasil, 1995). Baseava-se na compreensão de que a comunidade escolar era quem melhor conhecia suas carências e, portanto, quem melhor saberia direcionar o uso dos recursos para resolver seus problemas (Fachini; Oliveira, 2004, p. 118). Tal ideário reforçava-se no contexto internacional. Durante a Conferência Mundial de Educação Para Todos, promovida por organismos multilaterais como Unesco, Unicef, PNUD e Banco Mundial, o governo brasileiro firmou compromisso1de implantar

1 Meta que consta no Plano Decenal de Educação para Todos – 1993/2003 (PDET),

decorrente do compromisso firmado pelo governo brasileiro no âmbito da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. A conferência teve por objetivo estabelecer compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida digna, condição insubstituível para o advento de uma sociedade mais humana e mais justa. Participaram das discussões a Unesco e a Unicef, com apoio do Banco Mundial e de várias outras organizações intergovernamentais, regionais e não governamentais.

novas formas de gestão nas escolas públicas, garantindo-lhes autonomia financeira, administrativa e pedagógica.

Outra justificativa para a edição do PDDE foi cumprir com as determinações constitucionais que imputam à União a competência de atuar de forma suplementar em matéria educacional, concedendo assistência financeira aos entes federativos para o desenvolvimento dos sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória (Brasil, 1995).

Os recursos do PDDE são destinados às escolas públicas com mais de 50 alunos e repassados para as entidades privadas sem fins lucrativos representativas das escolas beneficiárias, denominadas unidades executoras próprias (UEx) – caixas escolares, associação de pais e mestres, conselhos escolares etc. Essas entidades se encarregam de realizar as aquisições/contratações e distribuir os benefícios às unidades de ensino (Brasil, 2013). Para escolas com menos de 50 alunos, a constituição de UEx é facultada, embora recomendada. Nesse caso, as unidades de ensino podem receber os benefícios por meio de seus entes federados (Brasil, 2013).

Desde 2007, diversas políticas do Ministério da Educação (MEC) passaram a utilizar o modelo operacional e regulamentar do programa para destinar recursos às escolas públicas do país. Essas transferências financeiras específicas – denominadas ações agregadas ao PDDE – contribuíram para ampliar sua abrangência e aumentar os aportes de recursos direcionados à melhoria das condições físicas e pedagógicas dos estabelecimentos educacionais. Em 2009, com a edição da Medida Provisória nº 455, de 28 de janeiro2, o programa passou a alcançar

não apenas o ensino fundamental, mas toda a educação básica. Tais mudanças contribuíram para que, em 2014, o programa alcançasse a maior dotação orçamentária desde sua concepção, ultrapassando a monta de R$ 2,4 bilhões – valor quatro vezes superior ao orçamento de 2006 –, distribuídos para mais de 120 mil unidades escolares da educação básica (Brasil, 2014, 2006).

A despeito desse expressivo crescimento – que aponta para o fortalecimento da sistemática de descentralização das escolas – nos últimos anos, reiteradas têm sido as constatações que põem em cheque o pressuposto de que apenas a descentralização administrativo-financeira

seja suficiente para propiciar as condições necessárias para que os valores transferidos sejam usados de maneira racional, célere, eficiente e participativa.

Levantamento dos saldos financeiros existentes nas contas bancárias das entidades, ao final de 2012, realizado pelo FNDE, apontou que expressivos montantes destinados às escolas não foram utilizados naquele ano, tendo sido reprogramados para o exercício seguinte. Do total de R$ 2 bilhões repassados, R$ 1,2 bilhão (59,2%) não tinha sido executado tempestivamente. Pesquisas realizadas pela área de monitoramento do programa3, para compreender as razões pelas quais as entidades

representativas das escolas não faziam uso dos recursos, identificaram que a não aplicação dos valores decorria de diversos fatores, que poderiam ser resumidos, basicamente, na necessidade de aprimorar a capacidade estatal tanto do Governo Federal quanto dos entes subfederados em buscar canais de interlocução, que possibilitassem construir consensos quanto às prioridades e estratégias na execução dos recursos, bem como corrigir falhas identificadas no processo de implementação.

As evidências apontam que, por um lado, o processo de transferência de responsabilidades na gestão, implementação e controle de políticas sociais para a sociedade civil organizada trouxe o ganho de tornar os programas mais próximos das necessidades do público assistido, por outro, ampliou os desafios de coordenar a ação dos atores envolvidos, controlar os processos e medir os resultados, além de exigir melhor capacidade político-administrativa dos executores locais, não apenas para executar as políticas, mas também para propô-las e sugerir mudanças.

Neste texto, pretendemos descrever o contraditório processo político que levou à aproximação entre os conceitos de descentralização

e participação e, paralelamente, ao distanciamento entre formulação e execução de políticas públicas; também os desafios que o processo trouxe para a coordenação das ações dos entes federados e organizações civis na gestão de políticas, utilizando, como exemplo, a experiência do PDDE.

2 A aproximação entre descentralização e participação, nos