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Os desafios da docência na contemporaneidade

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A escola, o professor e a prática docente

1.1. Os desafios da docência na contemporaneidade

A fim de contextualizar o cenário desta era, é relevante introduzir nesta sessão, mesmo que de forma breve, a contribuição de Bauman (2008) sobre a “fluidez” do mundo contemporâneo. Bauman, que dedicou a vida a pesquisar sobre a condição humana, é reconhecido como o pensador dos tempos líquidos por evidenciar os problemas da sociedade contemporânea, na qual emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações humanas.

Outro ponto a ser considerado em relação aos desafios da docência na contemporaneidade pode estar relacionado, entre outros aspectos, às concepções de ensino, entre as quais se destacam, presentes e ativas até os dias de hoje na educação brasileira, a vocação, o ofício e a profissão.

A evolução do ensino escolar moderno é exemplificada por Tardif (2013) em três idades que correspondem, cada uma, a um período histórico particular: a idade da vocação, que predomina do século XVI ao XVIII; a idade do ofício, que se instaura a partir do século XIX; e a idade da profissão, que começa a se impor na segunda metade do século XX.

No que se refere à idade da vocação, Tardif (2013) relembra que o ensino escolar, como o conhecemos hoje, surgiu na Europa nos séculos XVI e XVIII, apoiado pela Reforma Protestante e pela Contrarreforma Católica, pois nessa época o ensino era uma “profissão de fé”, no duplo sentido da palavra profissão. Em primeiro lugar, “professar” era exercer uma atividade em tempo integral, ou seja, o exercício de ensinar constituía uma ocupação de tempo integral; e em segundo lugar, “professar” também era exprimir uma fé, tornando-a pública e atrelando-a à própria conduta moral como professor.

No final do século XVIII, a profissão docente é gradualmente integrada às estruturas do Estado, assim, a relação com o trabalho deixa gradualmente de ser vocacional, tornando-se contratual e salarial, e caracterizando-se como ofício. A partir do século XIX, as escolas normais se espalham e se tornam pouco a pouco obrigatórias no século XX, ao passo que a formação se alonga progressivamente, passando do nível secundário ao nível terciário.

Nas escolas normais, o aprendizado da profissão passa pela prática, pela imitação e pelo domínio das rotinas estabelecidas pelos docentes experientes, bem como pelo respeito às regras escolares. Segundo Tardif (2013), a idade do ofício permanece inacabada, principalmente pelo fato de o mundo do trabalho sofrer periódica e regularmente o impacto das crises econômicas e políticas.

No que se refere ao ensino na idade da profissão, o objetivo principal do movimento de profissionalização é fazer com que o ensino passe do estatuto de ofício para o de profissão em sua integralidade, oferecendo aos futuros professores uma formação universitária de alto nível intelectual.

O autor enfatiza que a profissionalização do professor não trouxe, de forma alguma, os resultados prometidos no ponto de partida, pois, longe de verem seu estatuto elevado, muitos professores ainda enfrentam condições precárias de trabalho que tendem a colocar sua atuação

numa esfera de insegurança e de instabilidade face às questões salariais, de infraestrutura e de apoio às demandas da docência.

Outro fenômeno que impacta na profissionalização é seguramente a evolução dos sistemas escolares para sistemas em dois ritmos desiguais: escolas públicas e particulares, sendo estas, em geral, instituições de elite, e aquelas, via de regra, instituições situadas em zonas difíceis.

Segundo o autor, em última análise, os conhecimentos dos professores continuam constituindo atualmente um desafio central, não somente para a pesquisa, mas também, e talvez principalmente, para a própria profissão de docente. Observa-se uma evolução desigual, pois a profissionalização não evolui no mesmo ritmo por toda parte, e formas antigas convivem com formas contemporâneas, o que gera diversas tensões.

A favor de Tardif (2013), consta a análise estatística feita anteriormente por Gatti e Barretto (2009), que, se de um lado aponta para aspectos relativos ao trabalho dos professores, para as características dos docentes e para o perfil da formação em serviço e continuada, por outro também aponta para as posturas normativas e para as condições de formação dos licenciandos em diversas áreas, sinalizando, com isso, perspectivas de futuro para a qualidade da educação.

Embora os profissionais da educação estejam entre os mais volumosos e importantes grupos ocupacionais, tanto pelo seu número como pelo seu papel, a categoria ainda carece de financiamento público na educação, convive com o descaso da sociedade com relação a sua carreira e seu salário, e ressente-se das péssimas condições de infraestrutura em muitas escolas. As considerações de Tardif (2013), bem como as de Gatti e Barretto (2009), propõem uma reflexão sobre a evolução atual do ensino em uma perspectiva nacional e internacional, mostrando que a evolução não é linear e que nela ainda se conjugam formas antigas – como a vocação e o ofício – com aquilo que chamamos de profissionalização.

Nessa concepção, ser professor não se trata de uma vocação ou de um ofício legitimado por uma remuneração e benefícios trabalhistas, mas sim de um domínio da operacionalização técnica e pedagógica, estruturada de forma metodológica, constituindo-se, dessa forma, como um profissional de ensino legitimado por um conhecimento exigente, que requer constante atualização. Nessa perspectiva,

o professor, enquanto profissional, deve ser um eterno aprendiz e ser capaz de refletir sobre sua prática diária (...) não só no trabalho, mas em todos os aspectos da vida. Com isso, constata-se que o professor nunca está pronto,

acabado, mas sempre em processo de (re)construção de saberes. (PRADO; COUTINHO; REIS; VILLALBA, 2012, p. 6)

Os desafios da docência na contemporaneidade atrelam-se também às mudanças significativas que surgem ao longo do percurso. Diante desse cenário, necessário é salientar que na sala de aula do mundo moderno há alunos conectados a um universo digital e que seus dispositivos eletrônicos __ estando sob ou sobre as carteiras, dependendo da permissão ou não do professor e da escola __ são instrumentos de busca de informação, os quais podem promover processos de construção de conhecimento e, por isso, se converter em ferramenta de adequada mediação docente.

O fato é que, se os alunos estão conectados e se a informação está em qualquer lugar, a escola do mundo moderno requer um docente que promova discussões nas aulas, estimule o protagonismo dos alunos e seja o mediador de crianças e jovens capazes de ensinar a si mesmos e aos outros (LIMA; MOURA, 2015). O desafio do professor, portanto, está em compreender isso e ter um papel ativo, no qual, segundo Moran (2015),

o professor se torna cada vez mais um gestor e orientador de caminhos coletivos e individuais, previsíveis e imprevisíveis, em uma construção mais aberta, criativa e empreendedora (MORAN, 2015, p. 39).

O uso das TDIC no contexto escolar pode propiciar diferentes possibilidades para o trabalho educacional, tornando-o mais atrativo para os seus participantes. Entretanto, a integração das TDIC precisa desenvolver a autonomia e a reflexão dos seus envolvidos, para que eles não sejam apenas receptores de informações, mas produtores e autores de conteúdo. Dessa forma, para que a tecnologia cumpra um papel significativo na educação, ela precisa ser definida a partir das concepções de ensino e aprendizagem, do que decorre que não será seu simples uso ou sua incontestável qualidade que garantirão ao aluno os devidos benefícios cognitivos.

Além de encontrar respostas para o “uso” da tecnologia no contexto escolar com perguntas como “por que” e “para que”, é igualmente importante responder "como" introduzi- la, relacionando-a, para isso, aos objetivos educacionais, que se expressam, por sua vez, pelos objetivos procedimentais, conceituais e atitudinais, conectados aos processos de avaliação de aprendizagem. Com efeito, considerar tudo isso de forma harmônica e promover a aprendizagem inserindo as TDIC na sua sala de aula pode ser um dos maiores desafios do educador deste século.

A tecnologia eliminou esforços e perigos do trabalho físico. Assim, ao agilizar processos, está alicerçando caminhos que impactarão no ecossistema humano. Apesar da

aceleração tecnológica no mundo, a educação tem sido lenta a essas mudanças; no entanto, é papel da escola

como espaço de formação de cidadãos, abranger a importância do Letramento Informacional e Midiático (LIM) no ambiente acadêmico, tanto para os alunos quanto para os professores, pois estes últimos são personagens-chave para o desenvolvimento do LIM tanto dentro quanto fora da sala de aula. (RIBEIRO; GASQUE, 2015 p. 205)

O professor precisa, em sala de aula, dar contar de muitas demandas e, apesar de o letramento midiático e digital se tornar cada vez mais relevante numa prática educativa com base na cultura da comunicação (MEIRELES, 2013), muitas vezes ele não recebe a formação necessária, seja na graduação, na escola em que atua ou no espaço a ele reservado pelas políticas públicas.

Em alguns momentos, por não receber a formação tecnológica e o apoio necessário, não se sente seguro e confortável para fazer uso das TDIC no contexto escolar, frustrando assim diferentes possibilidades educacionais que tornariam suas aulas mais atrativas e desafiadoras para seus alunos.

O desenvolvimento tecnológico impacta diretamente a sala de aula, transformando-a num espaço de aprendizagem. Quando inseridas, as TDIC potencializam os processos de ensino, promovendo o aprendizado colaborativo. Brito e Purificação (2008, p. 40) apontam, no entanto, que o simples uso das tecnologias educacionais não implica a eficiência do processo ensino-aprendizagem, fazendo-se antes necessário definir e introduzir uma abordagem metodológica que sustente o uso e principalmente a forma. Tal entendimento limitaria as tentativas de introdução da novidade sem a contrapartida de um conteúdo a ela adaptado e sem o devido preparo do aluno para utilizá-la.

As possibilidades digitais são utilizadas como instrumentos na produção individual/coletiva e como agentes transformadores das relações interpessoais na sala de aula. Avalia-se que a integração das TDIC possa estar alinhada a uma "transposição didática, se fundamentada nas práticas, sendo por essa razão mais complexa do que a transposição baseada em saberes eruditos, pois as práticas não correspondem a um texto do saber, cuja preparação estaria a cargo da escola e se fundamentaria nas ações práticas" (PERRENOUD, 2013 p. 158), conforme o esquema a seguir:

PRÁTICAS DE REFERÊNCIA

IDENTIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO PRECISA DESSAS PRÁTICAS

IDENTIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS E DOS RECURSOS

ELABORAÇÃO DOS OBJETIVOS DE FORMAÇÃO

CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO

Fonte: A autora, a partir de Perrenoud, 2013.

Segundo Perrenoud (2013), compreende-se por transposição didática o movimento da escola de analisar práticas e transpô-las para o ambiente escolar seja de forma integral ou adaptada, definindo quais competências devem permanecer e quais ainda precisam ser desenvolvidas, o que não consiste, entretanto, em um trabalho inteiramente linear, mas intermitente, no qual, em cada etapa, haveria decisões a serem tomadas, sendo que algumas delas remeteriam às etapas anteriores.

A escola do século XXI precisa revisitar-se para assim atender às necessidades individuais na construção do conhecimento, como assinala Freinet:

se a escola não respeita as necessidades de criação das crianças nem as exigências do meio vivido por elas, a pedagogia se torna a arte de fazer aprender, de trabalhar e beber para quem não tem sede. Não se espante se as crianças não se interessam pelas explicações dos professores e pela sua maneira de dar aula, que datam da pré-história. Quando esses alunos terminarem os estudos, discutirão problemas desconhecidos dos professores, e a vida moderna os inserirá em dar continuidade. As crianças de hoje não reagem como as de ontem; o trabalho escolar não lhes interessa, pois é anacrônico e nada tem a ver com a vida. (FREINET, 1968 apud. IMBERNÓN, 2012, p. 34)

Cabe à escola do século XXI não só a tarefa de considerar as especificações dos componentes curriculares, mas também de encontrar formas de estabelecer relações e novos sentidos, a fim de melhorar o desempenho de cada um deles. Cabe-lhe, igualmente, o compromisso de promover ações que impulsionem um movimento de mudança na sala de aula, assim como nos demais espaços de aprendizagem disponíveis na escola; de estabelecer estratégias dinâmicas para grupos dinâmicos; de utilizar novos formatos na sala de aula, seja a partir de modelos que possibilitem arranjos de combinação de ensino virtual e presencial, seja a partir da utilização de novos espaços de aprendizagem, pois o

esquema tradicional é, em essência, esquema de imposição de cima para baixo e de fora para dentro. Impõe padrões, matérias de estudos e métodos de adultos sobre os que estão ainda crescendo lentamente para a maturidade. A distância entre o que se impõe e os que sofrem imposição é tão grande, que as matérias exigidas, os métodos de aprender e de comportamento são algo de estranho para a capacidade do jovem em sua idade. (DEWEY, 1938 apud. TEIXEIRA, 1971, p. 5)

Um dos fatores mais relevantes no processo de ensino-aprendizagem é o papel do professor e sua relação com o aluno. O professor é primordial na relação dialógica que se estabelece em sala de aula, mas, para que essa relação dialógica aconteça, na maioria das vezes ela depende de outros fatores que impactam diretamente sua atuação como educador.

O professor, ao reconfigurar os espaços de aprendizagem, reconfigura seu papel, que por consequência passa a ser o de atuar como um mediador e problematizador na construção do conhecimento, e não como um transmissor de conhecimento ou um orador em aulas expositivas. O professor, para Costa (1989. p. 79), deve assumir o papel de um educador atuante e, por isso, "deve ser um dirigente, um organizador e um criador de acontecimentos”.

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