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4 DIÁLOGOS: ANÁLISES E DISCUSSÕES A PARTIR DOS DADOS

4.2 A FORMAÇÃO INICIAL DOS PROFESSORES

4.2.1 Os desafios dos processos formativos dos professores inclusivos

Para Zortéa (2011), as crianças com deficiências são, muitas vezes, consideradas como novos integrantes da comunidade escolar, fazendo parte de uma nova representação e, por isso, a sua presença chega a ser tão enfatizada pelos professores de sala de aula. Essa “falsa proposta inclusiva”, presente na maioria das escolas, está relacionada aos alunos com deficiências, pois na maioria das vezes, o foco está na deficiência da criança e não no sujeito ou, ainda, dos sujeitos envolvidos no processo educativo.

Para a autora supracitada, quando a criança com deficiência se torna o assunto principal de qualquer atividade/reunião da comunidade escolar, ela ainda é desconsiderada em relação ao ser sujeito que aprende, e não é vista como alguém que possui necessidades, vontades e opiniões, pois todas as suas características são totalmente ignoradas em razão de uma patologia visível ou perceptível (ZORTÉA, 2011).

A proposta da Educação Inclusiva debate e questiona essa falsa uniformidade em relação aos sujeitos presentes e pertencentes na sala de aula. Rodrigues (2006, p. 13) reafirma que enquanto os professores mantiverem em seus discursos que “na turma do Maternal 1 tem 15 alunos e um aluno com Síndrome de Dow” ainda há a ideia de que alguns são iguais e um outro é diferente. Na proposta da Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, há a valorização da

necessidade de respeito às diferenças, e que nessa turma antes mencionada, são 16 crianças diferentes, o que vem a potencializar a sua diversidade e heterogeneidade. Pode-se, assim, afirmar que a formação dos docentes precisa de uma urgente recontextualização. Para a Educadora Especial 1, a questão da educação inclusiva vai muito além de proporcionar a inclusão dos alunos em uma escola, pois “cada

professor nesse processo tem a sua responsabilidade”. Ela ainda afirma que:

A questão da educação inclusiva, pois eu acho que ela já no nome mesmo diz, ela remete ao contexto escolar. É então você propiciar uma educação com base nos preceitos da diversidade e aceitação do outro. Porque às vezes a gente fala de educação inclusiva, mas ela não se concretiza porque as pessoas não têm esse olhar sobre a diversidade ou vice-versa, porque é muito particular do próprio sujeito. (ENTREVISTA, EDUCADOR ESPECIAL1,

2018).

Seguindo essa visão, de acordo com Carvalho (2008, p. 15), “a inclusão implica, necessariamente, participação e criação de vínculos.” Em outras palavras, é garantir aos alunos, sem exceção nenhuma, que possam usufruir dos serviços da escola e contar com um atendimento/apoio complementar de forma a desenvolver as suas habilidades tanto sociais, físicas ou cognitivas (FONSECA, 2003; PANIAGUA; PALACIOS, 2007).

Para a Educadora Especial 1, evidenciar a presença de uma criança incluída na sala torna o processo inclusivo muito frágil e faz com que não se respeite, em todas as suas especificidades, o sujeito que está ali para aprender. Sua contribuição sobre a exposição das crianças com deficiência é a seguinte:

Eu não gosto quando colocam os alunos com deficiência em situações de exposição para que as pessoas assintam aula e tenham caridade ou sintam talvez pena delas. Porque a grande maioria das pessoas olha e acha: “que pena, que pobrezinho!” Pra mim isso não é inclusão! Então eu deixo muito livre: vocês querem participar das atividades, participam... não querem ok... não participam. É o livre arbítrio de todos, como para todos os outros se estende. (ENTREVISTA, EDUCADOR ESPECIAL1, 2018, grifo nosso).

A respeito desse tempo de organização explicitado anteriormente na fala de Carvalho (2008), e sobre a oferta de um atendimento ou um apoio especializado para que as crianças possam desenvolver as suas habilidades, a Educadora Especial 3 assim se expressa:

Todas as nossas escolas têm condições de receber os alunos. O que depende é desse profissional querer. O restante temos. Temos formação

inicial, temos acessibilidade, mas não adianta fornecer esses mecanismos se os professores/profissionais da educação não quiserem mudar sua postura em sala de aula. Pois você há de concordar comigo que o profissional que quer fazer a diferença não precisa de muita coisa para fazê-lo, mas há muitos ainda que acham desculpas e acabam por não aceitar a inclusão. E podemos dizer sobretudo que, não é somente aceitação com a criança com deficiência, mas também com os outros que muitas vezes são esquecidos na sala de aula. Não depende de um sistema, depende sim, do profissional que for trabalhar na escola, na sala de aula. (ENTREVISTA, EDUCADORA

ESPECIAL 3, 2018, grifo nosso).

É nessa linha de pensamento que se enfatiza que talvez o maior desafio existente nas escolas percebidas durante a nossa produção de dados, seja tornar os profissionais da Educação mais receptivos para a diversidade nas salas de aulas e contemplar a todos um ensino de qualidade. Sabe-se, todavia, que a docência faz com que haja um confronto entre as teorias e as práticas, em que “o professor em sua própria formação, em sua reelaboração dos saberes iniciais em confronto com a sua prática vivenciada” possa ir “se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática” em sala de aula (NUNES, 2001, p. 30).

A partir deste estudo, os profissionais da Educação ora entrevistados afirmam que existe um prévio conhecimento profissional que ao longo de sua prática em sala de aula vai se constituindo de maneira mais sólida, mesmo que tenham tido experiências distintas. A necessidade da oferta e a busca de estudos específicos sobre as especificidades, porém, é necessária, o que ficou evidente no relato da Educadora Especial 3:

Eu percebo que esses cursos específicos na área nos ajudam muito. A graduação que eu fiz no meu tempo, nem se falava na criança com autismo, por exemplo. Tudo vem evoluindo muito rápido. A educação especial/inclusiva é formação continuada, igual à formação continuada dos professores da sala comum. Vem novos tipos de deficiência e de transtornos e a formação deve estar presente sempre. Veja que em janeiro eu fiz uma formação especifica sobre Autismo fora de nossa cidade, com um aprofundamento maravilhoso onde você pode associar a prática da escola com a teoria, daí você consegue conciliar e perceber o que você está fazendo, se está ‘certo’ ou não, em qual linha precisa seguir para conseguir resultados efetivos com teu aluno. Mesmo tendo uma boa formação pedagógica eu sinto que eu deveria fazer cursos específicos em cada área da deficiência, da dislexia, dos transtornos, surdez, visual.... Porque a gente trabalha com todas as demandas que existem na escola, já que as escolas possuem alunos com TEA, deficiência visual, deficiência intelectual, surdos, Transtornos de Aprendizagem – dislexia, discalculia, hiperatividade, TDH, transtorno hipercinético, limítrofe. É uma necessidade diária de revermos teorias e práticas para o sucesso da aprendizagem. (ENTREVISTA, EDUCADORA

Corrobando o relato da educadora, Tardif, Lessard e Lahaye (1991, p. 219) enfatizam que necessariamente “quanto mais um saber é desenvolvido, formalizado, sistematizado, [...] mais se revela longo e complexo o processo de aprendizagem” para aproximar a teoria com a prática, ou seja, para uma efetiva prática pedagógica plural que atenda às necessidades dos educandos.

Retomando o teor da proposta das Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica, percebe-se que há exigência explícita sobre o desempenho do professor em sala de aula, fundamentada e com base nas novas concepções de educação a partir da grande diversidade existente na sala de aula, por isso é responsabilidade de todos os profissionais da educação

Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; responsabilizar- se pelo sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento curricular; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e material de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe. (BRASIL, 2000, p. 5, grifo nosso).

Ao mesmo tempo, Pletsch (2009, p. 147), amparada por autores como Glat et al. (2003), “demonstram que a realidade evidenciada por uma pesquisa recente em âmbito nacional mostrou que os professores, de maneira geral, não estão preparados para receber em sua sala de aula alunos especiais.” Análise quase semelhante também foi constatada na pesquisa realizada nas escolas em que se dialogou com os sujeitos sobre os sentimentos dos professores em relação à inclusão dos alunos em suas salas de aulas. Dessas conversas, pode-se perceber que tanto os professores quanto as monitoras de escola não se sentem preparados ou capacitados para o ensino em sala de aula, tampouco para a execução das atividades propostas.

[...] Até agora durante o período que estou fazendo ainda as disciplinas de complementação pedagógica houve alguns momentos mas não que pudessem me auxiliar em relação aos alunos que estão aqui em sala de aula.

(ENTREVISTA, MONITORA 2, 2018).

[...] Deveria ter mais assuntos que reforçassem essas atividades que nos auxiliassem para que futuramente a gente pudesse dar conta se tivéssemos um aluno incluído. (ENTREVISTA, MONITORA 3, 2018).

Não me sinto preparada. Na faculdade de Pedagogia a distância que estou fazendo, eles falam muito sobre a inclusão, só que não te trazem como fazer, como agir na escola com uma deficiência visual/cego, deficiência auditiva/ surdo. Não temos a noção do que vamos encontrar em sala de aula. E daí o que fazer se eu não sei fazer? (ENTREVISTA, PROFESSORA 2, 2018).

A inclusão não significa simplesmente colocar uma criança com qualquer necessidade ou deficiência dentro da sala de aula e esperar que tudo vai dar certo. Porque não é assim. Hoje em dia simplesmente colocam as crianças lá dentro e dizem que estão incluindo, mas não estão. (ENTREVISTA,

PROFESSORA 3, 2018).

Percebe-se na fala dos entrevistados acima mencionados, quando afirmam que para a efetivação de um processo de inclusão escolar da pessoa com deficiência, é imprescindível a socialização da mesma na escola regular que lhes possa oferecer um ambiente comum de aprendizagem. A efetividade desse processo inclusivo nas escolas requer o aperfeiçoamento dos profissionais, organização e adaptação de materiais acessíveis e especificas a cada especificidade do aluno, e a não rotatividade da equipe docente.

Estudos apresentados por Magalhães (1999) e Tonine e Costas (2005) destacam que a formação dos professores é um dos aspectos relevantes para que o processo de inclusão efetivamente aconteça em todas as instituições de ensino. Em outras palavras pode-se afirmar, a partir dos excertos supracitados, que essa falta de informação e despreparo, tanto dos professores como das monitoras de sala de aula, faz com que se sintam incapacitados em desenvolver uma prática que beneficie os alunos incluídos e, assim, muitas vezes fragilizam o processo.

Ao mesmo tempo, as instituições de ensino responsáveis em oferecer formação aos profissionais da Educação apenas oferecem disciplinas isoladas em seus currículos no sentido de contemplar a legislação, sem dar conta da preparação desses profissionais. Bueno (1999, p. 18) destaca que a simples inserção dessa disciplina não torna o processo mais ou menos eficaz, mas “pode redundar em práticas exatamente contrárias aos princípios e fundamentos da educação inclusiva.” É necessário que durante todo o processo formativo haja reflexões de cunho epistemológico e aprofundamento sobre o desenvolvimento das capacidades e potencialidades do sujeito com ou sem deficiência.

Segundo Castanho e Freitas (2005, p. 1), “a universidade é um lugar onde os valores e práticas de educação inclusiva precisam ser vivenciados.” Em suma, a formação do educador requer que ele consiga ou seja capaz de identificar em cada um de seus alunos as suas peculiaridades e especificidades nos processos de aprendizagem e de desenvolvimento, visando eliminar qualquer barreira que possa existir nas escolas ou que venha impossibilitar a criança de aprender no seu ritmo.