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4 OS DIREITOS POLÍTICOS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.3 Os direitos políticos na estrutura dos direitos fundamentais

Segundo a teoria dos princípios de Robert Alexy (2008), na análise da estrutura da norma jurídica, diferenciam-se as regras dos princípios. Distinção não meramente gradual, mas qualitativa. “Sem ela não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico” (ALEXY, 2008, p. 85).

As regras são normas pelas quais se garantem direitos de forma definitiva. Enunciam determinações que devem ser atendidas. “Isso significa que, se um direito é garantido por uma norma que tenha a estrutura de uma regra, esse direito é definitivo e deverá ser realizado totalmente, caso a regra seja aplicável ao caso concreto” (SILVA, 2011, p. 45).

Na lição de Ronald Dworkin (2002, p. 39), as regras são aplicáveis na lógica do “tudo-ou-nada” (all-or-nothing), “[...] dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”.

Em seu ataque ao positivismo de Hart, Dworkin desenvolve um modelo de resolução de casos difíceis por meio de uma argumentação jurídica aberta que denomina de princípios (principles). Os princípios não resolvem definitivamente a questão, mas possuem uma dimensão de peso (dimesion of weight) que serve de fundamento para, em conjunto com outros princípios, enfrentar o caso concreto (DWORKIN, 2002).

Robert Alexy (2008) aperfeiçoou o conceito dworkiano de princípios ao considerá-los como “mandados de otimização” a serem satisfeitos em vários graus, na maior medida possível em relação às possibilidades jurídicas e fáticas existentes. As possibilidades

jurídicas porque dependem da tensão existente com outros princípios e regras; as fáticas porque demandam a dimensão de peso que preponderará nas circunstâncias do caso concreto (ALEXY, 2008).

“A aplicação de um princípio deve ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: 'Se no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso'” (ÁVILA, 2003, p. 29).

Para Alexy (2008), os princípios garantem direitos “primae facie”, porque dificilmente são realizados totalmente – como as regras – mas apenas parcialmente em razão das mencionadas possibilidades jurídicas e fáticas. Há uma diferença entre aquilo que é estabelecido “prima facie” pelo princípio e aquilo definitivamente aplicado no caso concreto (SILVA, 2011).

A diferença estrutural dos princípios com as regras fica mais evidente quando se a analisa a distinção do conflito entre regras e o conflito entre princípios (ALEXY, 2008).

Quando duas regras se referem à mesma situação fática o conflito será solucionado com a introdução de uma cláusula de exceção que o elimina, ou ao menos uma das regras for declarada inválida (ALEXY, 2008).

Assim, o conflito de regras na verdade é aparente, pois na realidade apenas uma regra de fato se aplica na hipótese, ou por meio de uma cláusula de exceção (lei especial revoga lei geral) ou pela declaração de invalidade de uma delas (lei superior revoga lei inferior ou lei posterior revoga lei anterior) (SILVA, 2011).

Diferentemente, na colisão entre princípios não ocorre declaração de invalidade, mas relação de precedência de um princípio em relação ao outro sobre determinadas circunstâncias fáticas (ALEXY, 2008).

É utilizada para a resolução da tensão entre princípios a técnica da ponderação de interesses, na qual se sobressai a análise fática do caso, fundamental para determinar a “dimensão de peso” dos princípios em conflito, sem descuidar dos comandos normativos constantes nos textos constitucionais (SARMENTO, 2002).

Na ponderação de interesses, a primeira fase consiste na sua própria preparação, na identificação dos princípios em conflito, na qual se analisa exaustivamente os elementos em tensão, pois “uma ponderação sem indicar, de antemão, o que, precisamente, está sendo objeto de sopesamento viola o postulado científico da explicitude das premissas, bem como o princípio jurídico da fundamentação das decisões” (ÁVILA, 2003, p. 87)

Após essa etapa inicial de identificação da tensão entre princípios constitucionais que apontam para soluções diferentes, compete ao intérprete inicialmente comparar o “peso

genérico” que a constituição atribui a cada princípio em conflito. É certo que as constituições atuais não estabelecem uma relação rígida de valores, no entanto, costuma indicar, ainda que implicitamente, princípios que gozam abstratamente de prevalência sobre os demais (SARMENTO, 2002).

Na Constituição de 1988, por exemplo, teriam um “peso genérico” acima dos demais os princípios estabelecidos no título dos direitos fundamentais, bem como aqueles que são protegidos por cláusula pétrea (art. 60, parágrafo 4o, da CF) e os denominados “princípios sensíveis” que possibilitam o caso de intervenção federal e estadual (art. 39, da CF) (SARMENTO, 2002).

Sem embargo, o “peso genérico” é apenas um indicativo do “peso específico” de cada princípio no caso concreto. Assim, ele pode não prevalecer e ser suplantado pelo outro princípio em conflito que demonstre na situação fática em análise ter maior “peso específico” (SARMENTO, 2002).

Depois, se busca o “peso específico” dos princípios em tensão, nos contornos fáticos do caso concreto. Nesse momento, compete ao intérprete levar em consideração dois princípios de interpretação constitucional correlatos: o princípio da unidade da constituição e o da concordância prática (BARROS, 1996).

O princípio da unidade da constituição impõe ao intérprete vislumbrar a constituição como um todo ordenado buscando conciliar princípios constitucionais antagônicos. Por sua vez, o princípio da concordância prática exige do intérprete harmonizar os bens jurídicos em tensão buscando uma solução otimizadora que prestigie, na medida do possível, ambos valores (BARROS, 1996).

Nesse aspecto, deve se estabelecer restrições recíprocas aos princípios em conflito, com a finalidade de encontrar um ponto ótimo que configure a mínima restrição possível para a convivência com o outro princípio. “[...] o nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do que ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribui ao princípio protetor do bem jurídico concorrente” (SARMENTO, 2002, p. 104).

Por fim, para ajudar nessa ponderação de interesses, há que se auxiliar do princípio da proporcionalidade em seus três aspectos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Como descreve Sarmento (2002, p. 104-105):

O julgador deve buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, que atenda aos seguintes imperativos: (a) a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro; (b) tal

restrição deve ser a menor possível para a proteção do interesse contraposto e (c) o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico.

Noutro giro, há que se analisar um dos pontos mais complexos da teoria dos princípios, que é a colisão entre o princípio e a regra. Para Alexy (2008), que analisa a questão superficialmente, a solução do conflito se daria com um sopesamento, mas não entre o princípio e a regra, já que essa não possui dimensão de peso, mas entre o princípio conflitante e aquele do qual emana a regra.

Virgílio Afonso da Silva (2011) discorda, pois essa solução induziria uma insegurança jurídica ao conferir ao aplicador do direito a possibilidade de afastar a aplicação de uma regra, resultado de um prévio sopesamento entre os princípios constitucionais fundamentais já realizado pelo legislador, por julgar existir um princípio constitucional de maior peso na situação. “A relação entre a regra e um dos princípios não é, portanto, uma relação de colisão, mas uma relação de restrição. Essa regra deve, portanto, ser simplesmente aplicada por subsunção” (SILVA, 2011, p. 52).

Contudo, o próprio Virgílio Afonso da Silva (2011) ressalva que em algumas situações mais complexas a inconstitucionalidade da regra de direito ordinário conduzirá a aplicação do princípio constitucional que restou afastado previamente pelo legislador.

Na seara eleitoral, o direito fundamental de ser candidato se estrutura numa norma principiológica, que em sentido teleológico prestigia o valor democrático. Por outro lado, as normas restritivas dos direitos políticos se configuram em regras.

Portanto, o direito político de ser candidato como norma-princípio conflitará com outras normas-princípios do texto constitucional, em especial a moralidade e a probidade administrativa, muitas delas reguladas em regras constitucionais e infraconstitucionais restritivas.