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No âmbito das discussões sobre a redemocratização e da Reforma Sanitária no Brasil, nas décadas de 1970 à 1990, agregou-se a luta político-social dos povos indígenas, que, em muitos casos, organizados em associações indígenas ou em parceria com outras organizações não governamentais, lutaram pelo reconhecimento de seus direitos. A compreensão desse processo político foi facilmente acolhida pelos povos indígenas, no sentido de que a luta por seus direitos era uma questão transversal, era uma batalha com várias intersecções, nas quais estes direitos deveriam ser compreendidos como uma totalidade.

Em outro dizer, a luta dos povos indígenas compreendia o direito ao reconhecimento das terras tradicionalmente ocupam, o direito pelo reconhecimento de sua autonomia, do reconhecimento de que há no Brasil uma diversidade étnico-cultural que deve ser respeitada, do reconhecimento de que os povos indígenas devem ter uma educação diferenciada e de um direito à saúde que igualmente respeitasse a territorialidade, a diversidade cultural e que reconhecesse a necessidade do estabelecimento de um sistema de saúde que estivesse condizendo com as demandas dos povos indígenas.

Esta ideia ficou expressa no art. 19-F da Lei nº 9836/99, que alterou a Lei nº 8080/90 inserindo o Subsistema de Saúde Indígena.

Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional. (BRASIL, 1999)

Nesse ambiente de luta pela consolidação e reconhecimento de direitos, e de conquista de mais espaço político, o movimento indígena e sua rede de parceiros esforçou-se para o estabelecimento e a realização de fóruns que debatessem propostas de mudança na orientação da política de saúde implementada junto aos povos indígenas.

A realização das Conferências Nacionais de Saúde Indígena, com pautas específicas para um público diferenciado, retratava exatamente esses espaços políticos e o processo dinâmico que é o debate sobre política de saúde indígena.

A Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena no Brasil deve ser diferenciada, no sentido de que deve levar em conta a necessidade de se observar as especificidades étnicas

e culturais de cada povo indígena e sua consolidação e constituição seguem alguns princípios que servem como marcos referenciais (EMÍLIA et al. 2013, p.4), quais sejam:

Reciprocidade: busca uma coexistência equitativa entre as comunidades indígenas e os agentes de intervenção na saúde, tanto em nível Eficácia simbólica: troca de experiências como da oportunidade de decisão, busca pela compreensão ampla do universo simbólico indígena como condição indispensável para a atuação em saúde, através da aproximação entre medicina e cultura; Integralidade: busca uma visão abrangente da problemática, indígena atuando sobre os determinantes históricos, sociais, culturais e ambientais da saúde, de uma forma global e criativa; Autonomia: busca a autogestão e a gestão participativa nos programas de saúde implementados nas comunidades, dentro da perspectiva da autonomia dos povos indígenas (EMÍLIA et al. 2013, p.6). (grifou-se)

Da leitura da Lei nº 9836/99, confirma-se que a descentralização do sistema é, notadamente, a diretriz que orienta a política de saúde indígena e que é com a instituição dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) que ocorre a concretização dessa diretriz.

Para o atendimento aos índios foram criados os DSEI que constituem, de acordo com a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas [...], um modelo de organização de serviços de saúde de forma integrada, hierarquizada e com complexidade crescente de articulação com a rede do SUS. Apresenta uma proposta de ação baseada no respeito aos aspectos sócio-culturais dos povos indígenas, com execução de serviços de saúde específicos e diferenciados (CRUZ; COELHO, 2012, p. 190).

A normatização dessa Política de Saúde Indígena, assim com a definição do que é um Distrito Sanitário Especial Indígenas, veio com a publicação da Portaria nº 254, de janeiro de 2002, do Ministério da Saúde, que balizou como seriam os instrumentos de planejamento, implementação, avaliação e controle das ações de atenção à saúde dos povos indígenas, no intuito de promover

[…] a organização dos serviços de atenção à saúde dos povos indígenas na forma de Distritos Sanitários Especiais e Pólos Base, no nível local, onde a atenção primária e os serviços de referência se situam; a preparação de recursos humanos para atuação em contexto intercultural; o monitoramento das ações de saúde dirigidas aos povos indígenas; a articulação dos sistemas tradicionais indígenas de saúde; a promoção do uso adequado e racional de medicamentos; a promoção de ações específicas em situações especiais; a promoção da ética na pesquisa e nas ações de atenção à saúde envolvendo comunidades indígenas; a promoção de ambientes saudáveis e proteção da saúde indígena e controle social. (BRASIL, 2002, p. 13).

Em vista disso, a Portaria nº 254/2002 do Ministério da Saúde definiu os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) como unidades gestoras descentralizadas do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). Trata-se de um modelo de organização de serviços – orientado para um espaço etnocultural dinâmico, geográfico, populacional e

administrativo bem delimitado –, que contempla um conjunto de atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde, promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias e desenvolvendo atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com o Controle Social (BRASIL, 2002, p. 13).

A definição territorial dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, ainda segundo este ato normativo, deve levar em consideração os seguintes critérios:

a) população, área geográfica e perfil epidemiológico; b) disponibilidade de serviços, recursos humanos e infraestrutura; c) vias de acesso aos serviços instalados em nível local e à rede regional do SUS; d) relações sociais entre os diferentes povos indígenas do território e a sociedade regional; e) distribuição demográfica tradicional dos povos indígenas, que não coincide necessariamente com os limites de estados e municípios onde estão localizadas as terras indígenas (BRASIL, 2002, p. 14).

Com a criação do SASI-SUS e dos DSEIs, quase todos os serviços de saúde (atenção básica, prevenção e saneamento) passaram a ser executados através de convênios firmados com organizações da sociedade civil – organizações indígenas e indigenistas – e com alguns municípios. A perspectiva, no âmbito do Ministério da Saúde, era de que a União deveria transferir as suas responsabilidades no tocante à gestão e execução das ações em saúde indígena para terceiros. Esta política de parceria proposta pelo governo foi aceita por muitas organizações indígenas e indigenistas com a condição de que seria uma solução temporária, e com base no compromisso assumido pelo governo de trabalhar na construção de um marco regulatório para relação com estas organizações, e no aprimoramento da capacidade gestora do governo para execução direta das ações, o que na prática não ocorreu (EMÍLIA et al. 2013, p. 11).

Com a implantação do subsistema, os DSEI tinham uma árdua tarefa de expandir a atenção básica, por meio dos programas de saúde preconizados, para todas as regiões onde existissem aldeias indígenas, cuja população necessitava de atenção diferenciada à saúde, e construir sistemas locais de saúde democráticos e adaptados às diversidades locais e culturais e ambientais.

Nesse contexto, o subsistema de saúde indígena precisaria construir uma rede de estabelecimentos de saúde nas aldeias indígenas e em algumas cidades estratégicas de referência para população indígena no âmbito do DSEI (MARTINS, 2013, p. 89). O modelo de assistência proposto para os DSEI caracteriza-se pela ênfase na Promoção da Saúde, pela oferta ininterrupta de serviços nas aldeias, pela adoção da demanda programada e utilização das estratégias de programas nacionais de prevenção e controle de agravos. Por meio dessas medidas, busca-se a substituição do modelo campanhista até então vigente, centrado na atenção periódica à demanda espontânea de casos em que a doença já está instalada. Outra característica desejável é que a assistência se mostre capaz de incorporar, em seus processos de programação e avaliação, as representações indígenas sobre saúde, doença e estratégias de cura e de adaptar as suas práticas sanitárias de modo a torná-las culturalmente adequadas a cada grupo étnico adstrito. (GARNELO; MACEDO; BRANDÃO, 2003).

No Brasil, foram criados 34 (trinta e quatro) DSEIs divididos estrategicamente por critérios territoriais e não, necessariamente por estados ou municípios, tendo como base a ocupação geográfica das comunidades indígenas. Além dos DSEIs, a estrutura de atendimento conta com postos de saúde, com os Polos base e as Casas de Saúde Indígena (Casais).

Figura 2

1. Alagoas/Sergipe 11. Cuiabá 21. Médio Purus 31. Vale do Rio Javari 2. Altamira 12. Guamá Tocantins 22. Médio Rio

Solimões e Afluentes

32. Vilhena 3. Alto Rio Juruá 13. Interior Sul 23. Minas Gerais e

Espírito Santo

33. Xavante 4. Alto Rio Negro

Grosso

14. Kaiapó Mato 24. Parintins 34. Yanomami 5. Alto Rio Purus 15. Kaiapó Pará 25. Xingu

6. Alto Rio Solimões 16. Leste de Roraima 26. Pernambuco 7. Amapá e Norte do

Pará

17. Litoral Sul 27. Porto Velho 8.Araguaia 18. Manaus 28. Potiguara 9. Bahia 19. Maranhão 29. Rio Tapajós 10. Ceará 20. Mato Grosso do Sul 30. Tocantins Fonte: SESAI/Ministério da Saúde, 2017.

Como se observar os DSEIs estão distribuídos levando em consideração os territórios indígenas, conforme Figura 2, no qual se levam em conta não os limites dos municípios e dos estados, mas os territórios indígenas que em muitos casos ultrapassam os limites destes entes federais.

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