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Os Enawene, o Projeto Juruena e atualidade do conceito de acumulação primitiva

Capítulo I – Os Enawene-Nawe

Capítulo 2 Os Enawene, o Projeto Juruena e atualidade do conceito de acumulação primitiva

2.1 - A permanência da acumulação primitiva

O conflito envolvendo a população Enawene-Nawe e o consórcio construtor das PCHs (Grupo Juruena S.A.) para geração de energia, visto anteriormente, deveria ser compre- endido como a luta desse povo pela manutenção de saberes e de um modo de vida tradicional

versus um novo modelo de vida que é imposto pelo Estado numa aliança com a iniciativa pri-

vada baseando-se no ideal de desenvolvimento e crescimento econômico do país.

A geração de energia propriamente dita não melhora necessariamente a vida das populações afetadas, nem mesmo a vida da população Enawene, que habita as proximidades das usinas mas não se beneficia dessa energia. A energia gerada pelas PCHs no rio Juruena é distribuída pelo sistema Eletrobrás, e, muitas vezes, é transmitida para regiões distantes de onde é produzida, para regiões em que a demanda de energia é maior, como a região Sudeste – contribuindo para as desigualdades regionais. De acordo com o AAI da Bacia do rio Jurue- na64 (2010), 40% da energia gerada nessas usinas vai para produtores independentes, apenas 16% servem aos serviços públicos - sendo estimado que a maioria da energia seja destinada pra fora do estado do Mato Grosso.

Durante um dos trabalhos de campo em Cuiabá, em uma das visitas à sede da em- presa Juruena S.A., ao realizar uma entrevista com o coordenador ambiental da empresa, per- guntei-lhe acerca dos benefícios da energia elétrica para essas populações indígenas afetadas e para o Mato Grosso, ao que ele me respondeu:

Na verdade o estado de Mato Grosso, tendo o potencial hidrelétrico que ele tem, é um fator de estabilização de possibilidade de desenvolvimento no Brasil. Eu sei porque eu frequento as audiências públicas nessas usinas aqui e explico o que vai ser de impacto ambiental e explico a importância de se produzir energia. Qual o interesse de se produzir energia em Colíder? Em Sapezal, onde fui semana passada? O interesse do crescimento do Brasil vai gerar desenvolvimento, não vai mais ter apagão. O Brasil vai crescer e esse crescimento vai ser pra todos. A saúde vai ruim porque não tem dinheiro, vai ter dinheiro pra saúde, aí você fica discutindo com a FUNAI. Temos uma briga com a FUNAI e com índio. A FUNAI é contra qualquer possibilidade de se construir usina, você vê que eles são contra. A FUNAI não tem dinheiro pra nada, para fazer a tutela dos índios, ela não tem. Quando que a FUNAI

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Avaliação Ambiental Integrada (AAI), 2010, realizada pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) do Minis- tério de Minas e Energia, é um dos mais completos documentos já elaborados sobre a região, pois analisa os cenários sociais, ambientais e econômicos possíveis com a instalação ou não de dezenas de novos empreendimentos hidrelétricos na bacia do Juruena.

vai ter dinheiro? Quando o país ficar um país rico. Nós não somos um pais rico, nós somos um país de cobertor curto, se por dinheiro na saúde, falta na educação. Então, quando que isso vai acontecer? Quando o Brasil crescer, e para crescer precisa de energia. Então a FUNAI não pode ser contra, ela precisa do desenvolvimento do Brasil para cuidar do índio (F., 2012).

Verifica-se nesse discurso a ideologia do crescimento econômico enquanto um caminho para o desenvolvimento. Sabe-se, entretanto, que esse modelo não transforma os bens naturais para satisfação das necessidades sociais locais ou nacionais, para favorecer a integração das diversas regiões do país ou para melhorar a vida das populações mais margina- lizadas. Ao invés disso, esse modelo busca a valorização dos recursos e riquezas naturais no mercado mundial, trazendo como consequências as pilhagens, a devastação ambiental, a piora de vida das populações afetadas e a dependência econômica destas.

Figura12: Rio Juruena

Na América Latina e, de um modo geral, nos países mais pobres do sul, a ideolo- gia do crescimento econômico tem se materializado através das atividades extrativas. As ati- vidades extrativas65, ou simplesmente extrativismo, referem-se àquelas atividades econômicas

que se baseiam na exploração de bens comunais naturais que, sem nenhum proces- samento ou com algum pouco significativo, são comercializados no mercado mun- dial. Mais estritamente, o extrativismo é utilizado para referir-se a um tipo específi- co de extração de bens naturais para a exportação caracterizada por seu grande vo- lume ou alta intensidade (Gudynas apud Seone et al., 2013:24)66.

O atual modelo extrativista exportador tem uma relação direta com a vigente fase do capitalismo neoliberal, fase em que muitos bens comuns (matérias-primas) utilizados por essas atividades se tornam não-renováveis e escassos, uma vez que sua taxa de exploração supera sua taxa de renovação (Seone et al., 2013). Desse modo, revistas sob a luz desse con- ceito ampliado, algumas atividades que poderiam ser incluídas como extrativistas são as ma- deireiras, o agronegócio, as plantações de soja transgênicas, algumas atividades de pesca, o turismo de luxo e até mesmo - porque não - as centrais hidrelétricas.

O extrativismo é um dos processos característicos da atual fase do capitalismo ne- oliberal, em que a forma específica de acumulação capitalista é marcada pela exploração, pri- vatização e apropriação dos bens naturais (o que David Harvey chama de “acumulação por espoliação”). Torna-se de crucial importância voltarmos a Marx, e ao processo que ele deno- minou de “acumulação primitiva”, uma forma de acumulação diferente daquela obtida, no modo de produção capitalista, através da exploração de mais valia, ou seja, através do traba- lho, mas um tipo de acumulação que seria justamente o ponto de partida do capitalismo (Marx, 2009).

A urgência de voltar a Marx é justificada porque as pequenas centrais hidrelétricas instaladas no Rio Juruena, levadas a cabo por um modelo econômico "neo" desenvolvimentis- ta, têm causado escassez de peixes no rio, turbidez da água, aumento da incidência de doenças antes raras entre os povos indígenas, como a malária, e, principalmente, tem colaborado para a corrosão das condições de existência material, social e cultural do povo Enawene.

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Não confundir as atividades extrativas referidas com o extrativismo vegetal.

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Tradução Livre. Original: "que se basan en la explotación de bienes comunes naturales que, sin ningún procesamiento o con alguno poco significativo, son comercializados en el mercado mundial. Más acotadamente, el extractivismo es utilizado para referirse a un tipo específico de extracción de bienes naturales para la exportación caracterizada por su gran volumen o alta intensidad" (Gudynas apud Seone et al., 2013:24).

Conforme visto anteriormente, o povo Enawene Nawe tem uma riquíssima cos- mologia ritual, intrinsecamente conectada com os rios e com os peixes. Considerando que a cosmologia não pode ser considerada isoladamente, ou seja, separada das condições de repro- dução material e de subsistência desse povo, mas pelo contrário,ela articula-se a tais condi- ções, nota-se, portanto, que a exploração econômica do Rio Juruena (considerado um impor- tante rio) para a geração de energia elétrica implica numa desintegração dos saberes, numa descaracterização das praticas sociais e espirituais desse povo, comprometendo sua própria existência. Esse processo de expansão capitalista, que acaba por destruir modos de vida, desde a gênese capitalista, foi sabiamente tratado por Marx.

No capítulo XXIV do Capital, Marx trata da acumulação primitiva ao analisar o processo social e histórico ocorrido na Inglaterra entre os séculos XV e XIX, quando surgem as condições para a emergência do capitalismo. Tomando criticamente a noção de acumula- ção primitiva de Adam Smith (“previous accumulation”), Marx mostra que, ao contrário do que a economia ortodoxa pretende mostrar, a verdadeira história do surgimento do capitalis- mo, quando se deu a acumulação originária enquanto a pré-história do capital, ocorreu de forma sangrenta, “pela conquista, pela escravização, pela rapina e pelo assassinato, em suma, pela violência” (Marx, 2009: 828).

Existem, de acordo com Marx, algumas circunstâncias muito específicas em que ocorre a transformação do dinheiro e de mercadoria em capital, já que estes por si só não são capital. Essas circunstâncias se definem através do confronto de dois tipos de “possuidores de mercadorias”: de um lado os proprietários do meio de produção, do dinheiro, e do outro os trabalhadores livres, vendedores de sua força de trabalho. Segundo ele,

o sistema capitalista pressupõe a dissociação entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho. Quando a produção capitalista se torna independente, não se limita a manter essa dissociação, mas a reproduz em escala cada vez maior. O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade dos meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos. A chamada acumulação primitiva é apenas o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista (Marx, 2009: 828).

A construção sócio-histórica desses trabalhadores “livres” – livres em dois senti- dos, conforme ressalta Marx, pois não são nem parte direta do modo de produção, como os escravos, e nem são donos dos meios de produção – ocorreu através da expropriação das ter-

ras comuns, da conversão de terras aráveis em pastagens (os chamados “enclosures”), da des- truição da propriedade individual que era incompatível com o ideal capitalista, da destruição das propriedades e bens da Igreja intensificada por meio da Reforma e a seguida transforma- ção de todas essas em propriedade privada. As consequências desses eventos foram o despo- voamento de inúmeras paróquias e cidades e os “deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançados no mercado de tra- balho como levas de proletários destituídos de direitos” (Marx, 2009:830).

Assim, já nos séculos XV e XVI, através da expulsão e da expropriação de inúme- ros camponeses e pequenos produtores rurais, dos muitos coproprietários das terras comunais, que perdem seus meios de subsistência – a terra –, sobre a qual possuíam direitos baseados no direito feudal, é que se anuncia a revolução que se tornaria a base do modo capitalista de pro- dução.

A Coroa Britânica e o Parlamento, por cerca de 150 anos, tentaram diversas me- didas para proteger o povo contra a usurpação de terras e contra a expansão das pastagens, principalmente de ovelhas. Entretanto, essas as leis tentaram em vão evitar a expropriação dos pequenos proprietários67. Segundo Marx, no século XVIII, é a própria lei que se transforma em instrumento de usurpação das terras do povo e do roubo de terras da Coroa, através de “decretos com que os senhores das terras se presenteavam com os bens que pertenciam ao povo, tornando-os propriedade particular” (Marx, 2009:838). Finalmente, no século XIX o- corre “o último processo de expropriação dos camponeses”, a chamada “limpeza da proprie- dade”, ou seja, “livrar” a propriedade de todos os seres humanos através da demolição das suas choupanas, de maneira que os camponeses não possuam mais um lugar para se viver. Marx esclarece que é através das expropriações sistemáticas que se começa a romper a rela- ção direta entre terra comunal e agricultura. Apaga-se, ao longo desses séculos de expropria- ções, a memória do povo camponês.

Os camponeses expropriados e expulsos de sua terra violentamente – ou seja, a- quela massa de proletários sem direitos que não se inseriam de imediato no trabalho na manu- fatura – tornavam-se, devido a essas circunstâncias impostas, mendigos, pedintes, ladrões, etc. Contra esses foi estabelecida uma “legislação sanguinária”, iniciada no século XV e continu- ada no curso no XVI, que tratava essa população pobre como se estes estivessem optado por virar mendigos e não trabalhar, ajustando-os “na disciplina exigida pelo sistema de trabalho assalariado, por meio de um terrorismo legalizado que empregava o açoite, o ferro em brasa e

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a tortura” (Marx, 2009:851). Além da mencionada legislação sanguinária, criaram-se leis para controlar os trabalhadores e transformá-los em assalariados cada vez mais disciplinados e explorados para a acumulação do capital. Isso ocorreu através da regulação estatal do salário mínimo, da máxima jornada de trabalho e do desmantelamento das associações artesãs (Seo- ne, 2013). Nas palavras do próprio Marx, “proibiu-se, sob pena de prisão, pagar salários aci- ma dos legais, e quem os recebesse era punido mais severamente do que quem os pagasse” (Marx, 2009:859).

À expropriação da população rural, ao seu empobrecimento e à expulsão dos seus meios de existência e de trabalho, na Inglaterra, seguiu-se a criação de grandes proprietários de terra, a transformação dessa população rural em assalariados, de seus meios de existência em meio de trabalho para o capital, e também, o surgimento de um mercado interno. Se ante- riormente, conforme explicita Marx, a família camponesa contava com sua terra para produzir seus meios materiais de subsistência através do próprio trabalho – para seu próprio consumo – , com a chegada da economia de mercado tanto os meios de existência como as matérias- primas transformam-se em mercadorias, vendidas no mercado.

Assim, à expropriação dos camponeses que trabalhavam antes por conta própria e ao divorcio entre eles e seus meios de produção correspondem a ruína da indústria doméstica rural e o processo de dissociação entre a manufatura e a agricultura. E só a destruição da indústria doméstica rural pode proporcionar ao mercado interno de um país a extensão e a solidez exigidas pelo modo de produção capitalista (Marx, 2009:861).

Contudo, Marx ressalta que foi somente com a formação do capital industrial, com sua indústria moderna e suas máquinas, que a expropriação da maioria dos habitantes das áreas rurais foi completada, ocorrendo a total dissociação entre agricultura e indústria domés- tica e a consolidação da agricultura capitalista. Dessa maneira, o fim do sistema feudal e das instituições inerentes a esse sistema possibilitou a formação do capital dinheiro através da usura e do comércio. É justamente no movimento de constituição do capital industrial – atra- vés do comércio marítimo internacional e das guerras comerciais coorporativas entre as cida- des europeias – que Marx chama a atenção para “os processos idílicos” fundamentais da acu- mulação primitiva. De acordo com o autor,

as descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista (Marx, 2009:864).

Dessa maneira, a acumulação primitiva – “o período infantil da indústria moder- na” – era impulsionada pelos mais diferentes meios: pelo sistema colonial, pela divida públi- ca, pelos impostos, pelo protecionismo e pelas guerras comerciais, todos associados ao poder do Estado. A brutal violência ocorrida nas colônias – seja nas Américas ou na Índia68 –, carac- terizada pela pilhagem, pela escravidão e pelo massacre das populações nativas, pelo rapto e exploração de crianças, era geradora de uma invejável concentração de capital e riqueza nas metrópoles europeias, pois assegurava, entre outras coisas, um mercado às manufaturas pro- duzidas.

Essas práticas comerciais assassinas contribuíram para consolidar as leis naturais do modo de produção capitalista e para completar o processo de separação entre o trabalhador e suas condições de trabalho, entre o meio social de produção e a subsistência. Os meios de produção por um lado, transformaram-se em capital e, por outro lado, a população transfor- mou-se em assalariados “livres”. O capital, enfatiza Marx, “ao surgir, escorrem-lhe sangue e sujeira por todos os poros, da cabeça aos pés” (Marx, 2009:874).

Ainda, Marx esclareceu que "a história da expropriação adota diversas tonalidades nos distintos países", nas diversas fases do capitalismo e que sua análise da Inglaterra foi so- mente como ocorreu a forma clássica de expropriação. Ele abriu o caminho, portanto, para a atualização das análises acerca da exploração capitalista e da expropriação atuais, e vem ins- pirando economistas políticos radicais da contemporaneidade.

O primeiro texto de economia política de Marx, "O debate sobre a lei do furto da madeira", de 1842, quando era editor da Rheinische Zeitung, já tratava da questão ecológica69, bem como da preocupação com os “comuns”. Marx acompanhou os debates ocorridos na Die- ta Renana naquele ano e, mais tarde, no prefácio da sua Crítica da Economia Política, em 1859, o autor posiciona esse debate dentre os primeiros que lhe forneceram as razões para ocupar-se das questões econômicas70 (Mota, 2011) e sociais.

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Marx nota que entre 1769 e 1770 os ingleses criaram uma epidemia de fome na Índia, retendo o arroz para a valorização do preço no mercado. Em 1866, mais de um milhão de hindus morreram de fome em uma única província – Orissa. Para mais informações acerca esse massacre engendrado pelos ingleses, ver Mike Davis, Holocaustos Coloniais.

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Buscam - se em Marx elementos de uma crítica sócioecológica do capitalismo, de elementos para refletir se acerca da atual destruição ambienta. Sua análise, apesar de radical, é historicamente específica, situada no tempo histórico em que ele escreveu, ou seja, limitada à fase competitiva do capitalismo. Ver Foster, 2005, 2013 e LOWY, 2002 e 2005.

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Engels declara em uma carta a R. Fisher:“Sempre ouvi Marx dizer que foi precisamente ao ocupar-se da legislação sobre roubos de lenha e da situação dos camponeses do Mosela que, ultrapassando a política pura, descobriu a importância das relações econômicas e abordou o socialismo”. (Apud Mota, 2011).

Nesses artigos71, Marx contrapõe-se à classificação dos atos rotineiros das po- pulações mais pobres como crime e, baseando-se nos costumes imemoriais, enfatiza a legiti- midade da continuidade da coleta da lenha caída, pelos camponeses de Mosela, em proprieda- des privadas. Ao opor-se à Assembleia Renana, Marx esclarece que o papel dessa era legislar, baseando-se na necessidade e não através da criminalização do povo. Se aparentemente, num primeiro momento, como afirma Mota (2011), Marx parece idealizar a função do direito esta- tal, nesses artigos acerca do furto madeira ele discute

o fenômeno que, na atualidade, é denominado pluralismo jurídico: a coexistência de diferentes esferas do Direito (formal-estatal, informal-costumeira) regidas por regramentos e normatividades provenientes de fontes diversas e muitas vezes antagônicas (Estado e instituições formais versus costumes e demandas da luta política). Originadas na dinâmica social, muitas vezes sobrepõem-se ao direito positivo-formal no tocante à legitimidade e eficácia no cotidiano da população (Mota, 2011:46).

De acordo com Bensaid, os referidos artigos escritos por Marx acompanhavam as medidas aprovadas pela Assembleia Renana da chamada "lei florestal", de 1841, que termina- ram por instaurar um novo regime de caça, em 1843, no Estado Prussiano. Essas medidas, debatidas na Assembleia, estabeleciam novos crimes e suas respectivas punições acerca do uso e da coleta de madeira. Os novos delitos dependiam, por exemplo, se o roubo ocorria de dia ou de noite, se os infratores cobriam ou não o rosto para não serem identificados, etc.72

Esses debates ocorreram justamente numa época de transição: o Estado Prussiano passa a integrar a economia capitalista, a economia de mercado passa a substituir a economia tradicional e, dessa maneira, surge a necessidade da existência de um sistema jurídico e políti- co que sustente e regulamente a nova organização da sociedade. Além disso, é um momento de transição do próprio Marx que, ao entrar em contato com as questões sociais e com os me- canismos do poder, se afasta do idealismo hegeliano e passa a desenvolver um pensamento dialético em que a filosofia se subordina à práxis.

A lei qualificava duas ações – a coleta da madeira verde arrancada da árvore e a coleta de galhos caídos no chão – igualmente como roubo e atribuía as penas devidas: o traba- lho forçado ao proprietário fundiário. Marx contesta a proposição de lei argumentando que os

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Debates acerca da lei sobre o furto da madeira – Gazeta Renana, n.º 298, 300, 303, 305 e 307, de 25 de outubro a 03 de novembro de 1842.

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Um episódio parecido ocorreu na Inglaterra em 1723, quando foi aprovada a chamada "lei dos negros", analisada por Thompson, em Senhores e Caçadores, 1997. No intuito de preservar e garantir o direito à propriedade, a Câmara conseguiu “unanimidade para criar, de uma só vez, cinquenta novos delitos capitais”. Os delitos eram os mais variados possíveis, estando entre os principais a caça, ferimento ou roubo de veados, e a