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4.6 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ESCRITA

4.6.2 Os estágios do gesto e dos desenhos na infância

A história do desenvolvimento da escrita se inicia quando aparecem os primeiros signos visuais na criança e se sustenta na mesma história natural do nascimento dos signos dos quais tem nascido a linguagem. O gesto, precisamente, é o primeiro signo visual que contém a futura escrita da criança à semelhança da semente que contem o futuro carvalho. O gesto é a escrita no ar e o signo escrito é, frequentemente, um gesto que se fortalece (VYGOSTKI, 1995, p. 186, grifo nosso).

Como explicar que o gesto representa o primeiro momento do contato da criança com a escrita? Vigotski explica que os rabiscos que a criança faz são o prenúncio da escrita futura e que isso foi observado durante os experimentos que realizou. Quando a criança desenhava, estava na verdade representando o gesto que podia ser feito no ar. A trajetória desses desenhos percorre vários estágios até chegar ao nível da representação compreensível. Esses estágios são apresentados por Vigotski no texto “O desenhar na infância” que faz parte do livro intitulado “Imaginação e criação na infância”. Neste trabalho, tendo como referência os estágios organizados por Kerschensteiner, Vigotski (2009) apresenta os desenhos das crianças analisando os estágios em que eles se encontram. O primeiro estágio

do desenho infantil é denominado de estágio de esquemas, “Nesse estágio, ela desenha representações esquemáticas do objeto, muito distante da sua representação fidedigna e real. Na figura humana é comum representar a cabeça, as pernas, frequentemente os braços e o torso. A representação da figura humana limita-se a isso”. (VIGOTSKI, 2009, p. 106-107). Nesse estágio a criança desenha de memória e não o que vê, desenha o que lhe parece mais essencial. O segundo estágio é o do surgimento do sentimento da forma e da linha, fase em que o desenho da criança mistura as representações esquemáticas com a forma real da coisa tentando aproximar-se da realidade, “No entanto, ele se caracteriza por um número bem maior de detalhes , por uma disposição mais verossímil de partes isoladas do objeto: ocultações impressionantes como a do torso não são mais percebidas; todo o desenho aproxima-se da aparência real do objeto”. (VIGOTSKI, 2009, p. 110). O terceiro estágio é o da representação verossímil, fazendo desaparecer os esquemas presentes no primeiro e no segundo estágio. Os desenhos apresentam mais os contornos, no entanto são desenhos bem definidos que deixam transparecer a ideia e tem a aparência do real. “Com alguns erros e desproporções, a criança torna-se realista, desenha aquilo que vê, transmite a pose, o movimento, leva em conta o ponto de observação; o esquema não está mais no desenho”. ( VIGOTSKI, 2009, p. 112). O quarto e último estágio do desenho infantil é denominado de representação plástica. Nesse estágio o desenho transmite movimento, luz, sombras e chega à representação do real. A criança desenha o que observa, representando o real com todos os detalhes “[...] é apenas o estágio superior e último no desenvolvimento do desenho infantil; é um estágio que somente poucas crianças atingem” (VIGOTSKI, 2009, p. 113).

Também foi Kerschensteiner quem distribuiu os estágios por idade e as pesquisas revelaram que as crianças de até 6 anos não ultrapassavam o primeiro estágio. Vigotski (2009) informa que segundo as pesquisas de Barnes, outro estudioso dos desenhos infantis, haveria uma ruptura no desenhar entre os 13 e 14 anos e que somente no final da adolescência esse interesse retornaria.

Vigotski (1995) realizou vários experimentos para elucidar os estágios descritos acima. Uma das crianças ao representar a picada de um mosquito utilizou a ponta do lápis para marcar com um gesto um ponto no papel.

Outra vez tentou desenhar a escuridão que se produz quando fecham as cortinas e desenhou no quadro-negro uma linha grossa de cima para baixo como quando se puxa o cordão da cortina. O movimento que tentava desenhar não se referia ao cordão, mas precisamente ao movimento de fechar as cortinas. Poderíamos citar inúmeros exemplos semelhantes. Uma criança que pretende representar uma corrida assinala com os dedos o movimento; os pontos e os riscos traçados no papel são para a criança representações do ato de correr. Quando quiser desenhar um salto, faz movimentos de saltar com as mãos e deixa pegadas desse movimento no papel (VYGOTSKI, 1995, p. 187).

Depois desses exemplos Vigotski esclarece que para ele esses desenhos em forma de rabiscos representam mais os gestos do que desenhos e isto se explica pelo estágio em que a criança se encontra, ou seja, como dito anteriormente no primeiro estágio a criança representa esquemas puros e desenha de memória o que já sabe e não o que observa. Isso pode ser ilustrado, por exemplo, com os desenhos que Vigotski apresenta no livro “Imaginação e criação na infância”. Na página 124 aparecem dois desenhos de humanos, sendo que no primeiro feito por uma criança de quatro anos, que frequenta o jardim de infância, o torso tem a forma oval e no segundo, feito por uma criança de sete anos, o torso tem a forma retangular. Ambas se encontram no primeiro estágio e desenham de memória.

Por tudo isso, podemos considerar que o desenho infantil é uma etapa prévia da linguagem escrita. Por sua função psicológica, o desenho infantil é uma linguagem gráfica peculiar, um relato gráfico sobre algo. A técnica do desenho infantil demonstra, sem deixar dúvida, que na realidade, se trata de um relato gráfico, ou seja, uma peculiar linguagem escrita. Segundo a sábia expressão de Ch. Buhler, o desenho infantil é mais uma linguagem que uma representação (VYGOTSKI, 1995, p. 192).

A importância desse momento propicia o germe da escrita primitiva na criança, quando entendido como linguagem e não somente como uma representação. Ao desenhar, a criança expressa o que tem na memória e isso a obriga a exercer certa abstração. Vigotski (1995) considera que o desenho, nessa etapa, não é uma ação mecânica, isto é, a criança passa por momentos críticos ao avançar de um simples rabisco para o desenho que representa alguma coisa. A criança começa a perceber que seu desenho representa algo, que os traços no papel têm relação com o que está pensando. Cremos que ainda não é um ato

consciente, mas decisivamente o desenvolvimento de sua fala é fundamental para o desenvolvimento do desenho, da sua linguagem gráfica sobre algo.