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2.1 PROPOSTAS CURRICULARES DESENVOLVIDAS A PARTIR DOS

2.1.2 Proposta Curricular do Município de Campo Largo-Pr

Com a municipalização das séries iniciais do ensino fundamental no Estado do Paraná, as secretarias municipais de educação puderam elaborar suas propostas curriculares e escolher a concepção teórica que respondesse às suas necessidades. Apesar dessa autonomia, grande parte da educação dos municípios paranaenses manteve a proposta dos PCN e poucos ousaram inovar. Na busca de propostas curriculares que optaram pela perspectiva da psicologia histórico-cultural, encontramos na Secretaria Municipal de Educação de Campo Largo/PR, uma versão preliminar da proposta pedagógica elaborada entre 2006-2007 para a língua portuguesa. A referida proposta abrange a educação infantil, o ensino fundamental e a educação de jovens e adultos. A consultora dessa proposta curricular foi a professora Dra. Ligia Regina Klein, ou seja, a mesma consultora do currículo básico para as escolas públicas do Estado do Paraná elaborado em 1990.

A leitura do documento fez com que rememorássemos o período inicial da implantação da proposta construtivista nas escolas públicas paranaenses. Como já relatamos na introdução dessa pesquisa, os professores alfabetizadores tinham que abandonar o ensino das letras e sílabas e alfabetizar por meio de textos.

A chegada do texto às classes de alfabetização se fez, entretanto, em abordagens muito precárias, em razão, quer nos parecer, do desconhecimento dos professores acerca dos fundamentos que informam uma concepção que toma o texto como eixo do processo de ensino-aprendizagem da língua. Ao mesmo tempo, uma outra dimensão deletéria desse momento foi o abandono, puro e simples, do desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino do código. Em conseqüência, o que se verificou foi um rebaixamento ainda maior dos resultados da aprendizagem nas séries iniciais – aprendizagem esta já gravemente dificultada por todas as questões sócio-políticas que interferem no processo educacional [...] (CAMPO LARGO, 2007, p. 4)

A obrigatoriedade de alfabetizar a partir do texto, em detrimento do ensino do código linguístico, por um lado agravou os problemas relativos ao ensino, visto que a maior parte dos professores não dominava as bases teóricas da proposta construtivista de alfabetização e, por outro, não resolveu o problema do “fracasso escolar” pelo qual eram responsabilizados os métodos tradicionais de alfabetização.

Após essas observações o documento faz a defesa da alfabetização e do letramento, considerando que nessa perspectiva seria possível ultrapassar os limites do ensino pautado somente no sistema gráfico da língua portuguesa. Em seguida a proposta curricular faz uma análise do significado da linguagem tomando como pressuposto a definição de Marx e Engels16 (1998) que se encontra na obra “Ideologia Alemã” e a definição de pensamento verbal de Luria17 (1979) apresentado no texto “A atividade consciente do homem e suas raízes histórico-sociais”. Outros autores como Mikhail Bakhtin e João Wanderley Geraldi, são referenciados no documento para explicar a estrutura da língua. Quando a proposta se refere ao papel do professor ela o legitima para atuar diretamente no ensino.

O papel do educador não seria mais o de meramente “zelar” pelas condições de aprendizagem, mas de atuar na sua produção, de promovê-las através do ensino. Da mesma forma, segundo essa perspectiva, o aluno não atinge a aprendizagem se não atuar ativamente, se não realizar um esforço, um empenho intelectual atento e constante de apropriação e reflexão sobre os conhecimentos ensinados. Essa concepção defende, pois, a importância tanto da intervenção pedagógica intencional e sistematizada, quanto da atividade intelectual e prática do aluno como fatores que, articulados, constituem a base do processo pedagógico [...]. (CAMPO LARGO, 2007, p. 8)

Para dar sustentação a essa forma de ensino a proposta propõe-se a sustentar o trabalho com o texto enquanto objeto social determinado por uma sociedade de classes, isto é, em que o discurso textual não é neutro, mas se constitui contaminado pelas determinações sociais. Nesse aspecto, a proposta se refere à linguagem escrita como um campo de complexidades de domínio, pela classe trabalhadora, do nível mais elaborado da forma convencional. No entanto, o documento esclarece que isso não pode ser motivo de impedimento de oferecer aos alunos das classes populares o domínio da escrita elaborada. Para atender esse

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“A linguagem é tão antiga quanto a consciência - a linguagem é a consciência real, prática...” ensinam MARX e ENGELS (1998). E, mais adiante, “exatamente como a consciência, a linguagem só aparece com a carência, com a necessidade dos intercâmbios com os

outros homens” (1998, p. 24-25). Citação que consta na p. 4 da Proposta Curricular. 17

O pensamento que utiliza o sistema da língua permite discriminar os elementos mais importantes da realidade, relacionar a uma categoria os objetos e fenômenos que, na percepção imediata, podem parecer diferentes, identificar aqueles fenômenos que, apesar da semelhança exterior, pertencem a diversos campos da realidade; ele permite elaborar conceitos abstratos e fazer conclusões lógicas, que ultrapassam os limites da percepção sensorial; permite realizar os processos de raciocínio lógico e no processo deste raciocínio descobrir as leis dos fenômenos que são inacessíveis à experiência imediata; permite refletir a realidade de maneira imediatamente bem mais profunda que a percepção sensorial imediata e coloca a atividade consciente do homem numa altura incomensurável com o comportamento animal (1979, p. 17-18). Citação que consta na p. 7 da Proposta Curricular.

pressuposto, o documento deixa bem claro que o ensino da linguagem escrita deve considerar dois aspectos que a constituem enquanto função social: o código e o texto. Intimamente relacionados esses dois aspectos têm suas especificidades, mas nem por isso devem ser ensinados separadamente.

O desenvolvimento do trabalho pedagógico com o código deve estar assentado no texto, pois aquele nada mais é do que o suporte material para a produção do sentido. Descolado da produção do sentido, o código perde sua razão de existir. Entretanto, isto não quer dizer que o estudo do código não precise contemplar conteúdos específicos, tais como a relação oralidade-escrita, a compreensão da organização da escrita com referência em um sistema fonético, o princípio alfabético, o reconhecimento das letras e a compreensão das relações letras-fonemas (biunívocas, posicionais e arbitrárias), o princípio do registro fixo dos vocábulos, a acentuação, a pontuação, as notações léxicas, o sinal de parágrafo, a direção da escrita, a segmentação da escrita, etc.. (CAMPO LARGO, 2007, p. 12-13) A passagem acima não deixa dúvidas quanto à intencionalidade da proposta curricular para a alfabetização que, a nosso ver, está voltada para o esforço de produzir um ensino baseado na formação e no desenvolvimento intelectual das funções psíquicas das crianças, contrariando a proposta estabelecida para as escolas públicas da aprendizagem espontânea que eliminou as atividades de codificação e decodificação do sistema alfabético.

Ao valorizar tanto o ensino da textualidade como das especificidades do código, a referida proposta curricular aborda uma questão que consideramos indispensável na alfabetização, ou seja, que no momento especifico do ensino da linguagem escrita “[...] é necessário desenvolver, além dos conteúdos gerais da gramática textual, também os conteúdos básicos do código da escrita alfabética (letras, sílabas, famílias silábicas, direção da escrita, segmentação, etc.)” (CAMPO LARGO, 2007, p. 15). Decorre dessa perspectiva que o trabalho de alfabetização deve focar tanto a questão das relações textuais (elementos de coerência, coesão, argumentação etc.,) como as questões da codificação e decodificação do código (identificação das letras, dos grafemas e fonemas, das silabas, do emprego de sinais de acentuação e pontuação etc.).

Depois dessas considerações a proposta apresenta uma sequência de procedimentos para desenvolver a alfabetização, desde a sistematização para o domínio do código, a produção de textos e a indicação de metodologias para a ação

pedagógica do professor. A proposta é finalizada com um item especifico para a avaliação dos conteúdos, propondo um roteiro de observação da aprendizagem e das dificuldades dos alunos.

Assim como o currículo básico analisado anteriormente, consideramos a proposta de Campo Largo/PR inovadora e desafiadora para os padrões do currículo nacional no sentido de pensar a educação das séries iniciais do ensino fundamental a partir de fundamentos teóricos que defendem um ensino organizado na sistematização de conteúdos, no trabalho intencional e direcionado do professor e na efetiva participação do aluno para apropriar-se do que lhe é ensinado.

Nessa perspectiva a alfabetização passa a exigir outra compreensão da relação de ensino e aprendizagem. Cabe ao professor, como portador do conhecimento, pensar o ensino da linguagem escrita no sentido de seus valores e usos sociais, além de direcionar sistematicamente os conteúdos para a apropriação conceitual da criança.

Como aprendizagem, a apropriação do sistema alfabético e dos conteúdos conceituais deve formar, na criança, um novo conjunto de capacidades intelectuais que possibilite a tomada de consciência da linguagem escrita.