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Os estratos de inventariados e as nacionalidades

Capítulo 5 – As nacionalidades na hierarquia da riqueza

5.1. Os estratos de inventariados e as nacionalidades

Os alemães e os italianos oriundos da imigração em massa têm sido mais estudados pela historiografia, se comparados aos italianos pioneiros e aos portugueses de modo geral. Apesar da expressiva importância dos lusos na economia do Oeste paulista, é difícil agregar suas participações individuais tomando como base os inventários, sobretudo pelo desinteresse de escreventes e autoridades da época na identificação dos indivíduos por suas nacionalidades. Nem mesmo o critério de análise de sobrenomes, que nos auxiliou na definição de parte das nacionalidades dos inventariados, pode ser utilizado no caso de portugueses, pois a similaridade da língua torna impossível distingui-los dos brasileiros. Tal

limitação impediu o aprofundamento da pesquisa sobre esse grupo de imigrantes.1

1 A importância da colônia lusitana no Oeste paulista pode ser medida pela trajetória de uma das principais instituições hospitalares do interior paulista, a Real Sociedade Portuguesa de Beneficência de Campinas, fundada em 1873. Seu hospital foi inaugurado em 1879. Houve uma segunda entidade de portugueses, a Sociedade Portuguesa de Socorros Mútuos, fundada em 1904 e seu hospital – O Sagrado Coração de Jesus – inaugurado no início dos anos de 1920. Esta foi encampada pela Beneficência na década de 1960. Conforme: Paratodos, folheto do Patrimônio

Cultural de Campinas, n. 20, Prefeitura de Campinas, dezembro de 2010. Ver também CAMILLO,

Ema E. R. e ABRAHÃO, Fernando A. De médico para médico: o ideal do Hospital Vera Cruz.

Buscando a atualização no conhecimento médico e a qualidade no servir à comunidade. Campinas:

O estudo dos italianos é relativamente mais fácil. De acordo com o Censo de 1872, os italianos formavam a quarta colônia mais populosa da província de

São Paulo, com 7,2% dos habitantes estrangeiros.2 Em Campinas, eles

compunham apenas a sexta colônia, com 6% da população.3 Ainda que sua

expressão seja pequena nessa época, há razões para afirmar que alguns italianos pioneiros alcançaram os estratos mais ricos da sociedade antes que o contingente de italianos da imigração em massa (a partir de 1886) estivesse estabelecido,

como atestam os demais censos.4

Neste estudo, o critério de identificação dos grupos de nacionalidades a partir dos inventários considerou os descendentes de imigrantes como estrangeiros da mesma origem de seus pais ou avós, ou seja, se os pais e avós de um inventariado eram italianos, seus filhos também foram considerados

estrangeiros.5 Adotamos também os inventários com mais de um inventariado,

geralmente duplas formadas por cônjuges. Apesar de incomuns nos códigos de leis civis, foram encontrados 46 inventariados nessa condição, no total de 1.008 inventários da amostra. Assim, o universo dessa análise é composto de 1.054

inventariados, sendo 617 brasileiros e 437 estrangeiros.6 A Tabela 5.1 apresenta

a distribuição dos grupos de inventariados pelos segmentos sociais.

Tabela 5.1 – Nacionalidades dos inventariados por estratos, Campinas, 1870-1940, em número e %

20% mais ricos 5% mais ricos 20-50% mais ricos 50% menos ricos Número % Número % Número % Número % Brasileiros 132 65,3 41 75,9 175 56,1 310 57,4 Estrangeiros 70 34,7 13 24,1 137 43,9 230 42,6 Totais 202 100,0 54 100,0 312 100,0 540 100,0

Fonte: Inventários TJSP–Campinas.

2 Segundo o Censo de 1872, os percentuais de estrangeiros em São Paulo eram: portugueses, 41,5%, alemães e austríacos, 23,5%; africanos livres, 13,3%; italianos, 7,2%, franceses e franco- suíços, 6,7%, norte-americanos, ingleses e irlandeses, 5,3% e outras nacionalidades, 2,6%. BASSANEZI, Maria Sílvia B. (Org.). São Paulo do Passado: dados demográficos. 1872 – III. Campinas: [s.n.]. Núcleo de Estudos da População (NEPO) – UNICAMP, 1998, p. 501.

3 Os percentuais de estrangeiros em Campinas, de acordo com o Censo de 1872, são: portugueses, 39,1%, alemães e austríacos, 25%, franceses e franco-suíços, 11,3%, norte-americanos, ingleses e irlandeses, 8,1%, africanos livres, 6,5%, italianos, 6% e outras nacionalidades, 4,1%. Idem, p. 505.

4 Segundo o Censo de 1920, a colônia italiana somou 48,1% do total de estrangeiros de São Paulo e 61,8% dos estrangeiros residentes em Campinas. No censo de 1940 os italianos totalizaram 28% da população estrangeira paulista, enquanto em Campinas estes alcançaram 48,9%. Vide a Tabela 1.2., na página 35.

5 Lembremos que essa é a essência do jus sanguinis, conforme observado em capítulo anterior. 6 As nacionalidades identificadas são: alemã, italiana, portuguesa, espanhola, francesa, suíço-

francesa, norte-americana, britânica, irlandesa, sírio-libanesa, dinamarquesa, russa, holandesa, leta e lituana.

Os 20% mais ricos reúnem 202 inventariados, sendo 65,3% brasileiros e 34,7% estrangeiros, enquanto os 5% mais ricos são formados por 54 inventariados, dos quais 75,9% são brasileiros e 24,1% estrangeiros. O segmento intermediário agrupa 312 inventariados, sendo 56,1% brasileiros e 43,9% estrangeiros. Já a metade menos rica agrega 540 inventariados, dos quais 57,4% são brasileiros e 42,6% estrangeiros.

Nota-se, portanto, que os brasileiros predominam em todos os segmentos, mas com especial destaque entre as elites, enquanto os estrangeiros e seus descendentes têm aumentada sua participação nos estratos intermediário e dos menos ricos. Os pequenos percentuais de estrangeiros entre os mais ricos parecem indicar que a mobilidade social ascendente foi limitada em Campinas.

O trabalho familiar parece ter sido uma das estratégias mais eficazes para a ascensão dos imigrantes. Se as famílias italianas constituíam um perfil de trabalhadores desejado pelos cafeicultores, esse tipo de trabalho familiar foi uma das poucas, senão a única oportunidade econômica para acumulação de recursos para a compra de terra, abertura de negócios urbanos ou simplesmente a aquisição de imóveis residenciais. Contudo, a estratégia de trabalho familiar não foi suficiente para inseri-los e mantê-los nos estratos mais ricos. Também foi necessário ter aptidões e bons relacionamentos.

A análise prossegue pelos principais estratos tratando, primeiramente, das participações de cada grupo de nacionalidades dos inventariados. Depois, são abordadas algumas condições gerais da mobilidade na escala social. Ao final, avaliam-se as tendências relativas aos grupos de nacionalidades ao longo dos períodos, enfatizando seus perfis econômicos.